Os sentidos de estimar

Por Renata souza | 11/12/2018 | Crônicas

Um dia frio e chuvoso o vidro quebrado da janela permitia que os pingos da chuva molhassem o chão e junto com eles um vento tão suave que acalentava a alma.

  A porta se abriu de forma brusca. Eles entram. O  homem , sua capa de chuva surrada e fiel por muitos anos. Em segundos os vi em uma simbiose. Tão constantes, tão parceiros!

  Havia algo mais além da habitual cena de final de tarde. Por trás da velha amiga ele retirou uma caixa com furos laterais. Teria vida ali dentro? Seria um animal? Desviei o olhar ao pensar que talvez estivesse exagerando. Ele não era dado a obras franciscanas. Impossível! Mas a probabilidade de ser, se tornou real ao escutar um som baixo, porém agudo, o suficiente para me levar até a caixa e abri-la.

  Estávamos a sós .Olhei para aquele pássaro que tremia e tão surpreso quanto eu, se encolhia no canto da caixa. Os ruídos continuavam e cada vez mais intenso. E eu, entre o querer e temer me aproximei , estendi minhas mãos e ele tentou se acomodar entre elas.

  Naquele momento nasceu um sentimento de amor recíproco.

  Nunca falei das tardes silenciosas, do  tic tac do relógio, dos ecos da casa e das minhas poucas forças. Nosso silêncio trazia em si o respeito. Era meu espelho de aprovação. Não se assustava quando via em mim outro personagem. Sua sabedoria de observar me fez entender que jamais criou expectativas sobre minha pessoa. Isso me fez sentir livre e feliz.

  Ele estava sem capa, era uma manhã ensolarada. Sentei-me no banco de trás do carro, nas minhas pernas, próximo, bem próximo ao meu corpo estava a caixa totalmente fechada. Não coloquei adornos, não há símbolos que afaguem a dor. É dor.

  No alto da rua de terra, o carro subia lentamente. A separação se aproximava.

  O carro parou. Fiquei em estado de choque, paralisada. A caixa já não estava em minhas mãos. De dentro do carro ouvia o contato da lâmina com a terra. Imaginava um buraco se formando lentamente. O tempo havia parado o suficiente para eu morrer inúmeras vezes.

  Ao entrar no carro, olhou para a capa que estava ao seu lado em seguida para mim, vislumbrou o horizonte  e fez uma predição: Vai chover!

  Choveu. O” silêncio vazio “chegou sem surpresas, sem ilusões. Apenas o chão molhado. O vento veio denso e dessa vez levou a minha alma.