Os pastéis das manhãs de domingo!

POR: José Wilamy Carneiro 

O dia dispensava a aurora na manhã de um domingo de dezembro. Os pardais já faziam algazarra desde a madrugada com cantoria imitando a Nona Sinfonia de Beethoven num clássico repertório e romântico da Natureza.

Na Rua Coronel Diogo Gomes, um vendedor de vassouras pet anunciava em alto e bom tom seu produto na calçada do Mercado Central da cidade. A rua se encontrava repleta de flanelinhas. O bicicletário ao canteiro do meio-fio lotado, sem espaço sequer de um sobrevivente da pedalada. Um entra e sai de um frenesi enlouquecedor de donas de casas, empregados, pedestres, misturados aos feirantes do dia em seu labutar para a ganha pão dos seus.

O sol ardente parando os transeuntes embaixo da marquise de uma das lojas. O sinal verde dava espaço para a travessia na passarela. Gente correndo como o sangue que circula nos ventrículos de um corpo humano. Há vida nesse labirinto, nesse pedaço de tempo na manhã de domingo de dezembro.

Na pequena passarela, seco e molhados arrumados em uma madeira improvisada ao chão na venda de uma quitanda de uma só porta e o dono anunciava, os convidando para conhecer e oferecer seus produtos. O charque caseiro. Logo à frente; o queijo fresquinho; a farinha, a ração de animal doméstico. As frutas descida da serra da Meruoca, o cheiro-verde, a alface, o abacate, o caju, seriguela, jaca, maracujá, manga e tamarindo. O quiosque de plantas medicinais num tabuleiro com romã, agrião, canela da índia, gengibre, capim santo, cidreira, malva, mel de abelha. Tem de tudo e tudo tem.

O cheiro do cafezinho denotava seu aroma. Gente sentada tomando caldo de carne; a moenda da cana-de-açúcar espremida num rolo artesanal e o suco escorregando devagarinho dentro de uma caneca desbotada, fazia um barulho como chuva no telhado escorregando para uma bica.

O convite e o cheiro de fritura despertava para quem passava pelo corredor num borbulhar do óleo quentinho na bacia em cima do fogão industrial. Era o cheiro do pastelzinho feito na hora que meu pai comprava toda manhã de domingo. Fazia chuva ou sol, esses petiscos deliciosos e quentinhos, não faltava à mesa de nossa casa. Além dos pasteizinhos outras guloseimas fazia parte da comilança. O bolo mole caseiro, o cuscuz, a tapioca.

Ao chegar das compras, meu pai anunciava sua chegada e os convidava para participar da mesa do café da manha nos domingos em nossa casa.

Chegava ele suado, com as mãos ocupada, cheia de novidades e compras para a semana. Minha mãe, irmã esperavam atentamente o abrir dos portões de nossa casa, e sua voz abafada e ofegante anunciava sua vinda. às vezes nos surpreendia ainda na cama anunciando sua chegada, com um beijo no rosto e dizendo.

- Acorda dorminhoco, dorminhoca o dia já passa despercebido e o mastro rei, já desponta no horizonte. O dia está lindo lá fora. Vamos aproveitar as benesses de Deus, nosso Criador. 

- Dizia ele:

- Toma Rodrigo. Vem Neném!

- O café está pronto. Vamos descer e tomar nosso café. A mesa estava repleta de novidades.

O mais importante não era tão somente os pasteizinhos de queijo e carne quentinhos trazidos por ele. Meu pai sentia-se na obrigação de agraciar com esses mimos que me lembram nas manhãs de domingo. Mas, percebia por ele o amor que sentia ao sentar-se à mesa com toda sua família. E feliz ficava quando ao chegar dava-lhe a benção, com a voz pouco trêmula, ofegante e emocionado falava:

- Deus te abençoe e te cubra de benção e Maria Santíssima os guarde todos os dias de suas vidas meus filhos e minha esposa querida.

Com essa linda atitude lembra-me de uma estrofe da música de padre Zezinho - Utopia que diz: “Das muitas coisas do meu tempo de criança/ guardo vivo na lembrança o aconchego do meu lar/ quando tudo se aquietava/ a família se ajeitava/ ”... Lá na mesa a conversar.

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José Wilamy Carneiro é escritor, memorialista, historiador, poeta, cronista. Autor dos livros: Os Estados Unidos de Sobral. Tempo de Sol e Mais uma vez.