Os nós do amanhã

“É na infância que se aprende a dar nós, fazendo de uma corda, uma escada. Se soubermos lidar com esses nós, saberemos desfazê-los. Por uma corda lisa, pendurada, ninguém sobe com facilidade. Se existirem nela alguns nós, fica mais fácil. Os nós são os limites, as regras, as lições...”(COSTA,sm)

O não saber e a coragem de errar aprendendo.

Diz uma antiga fábula que um camundongo vivia angustiado com medo do gato. Um mágico teve pena dele e o transformou em gato. Mas aí ele ficou com medo de cão, por isso o mágico o transformou em pantera. Então ele começou a temer os caçadores. A essa altura o mágico desistiu. Transformou-o em camundongo novamente e disse:

– Nada que eu faça por você vai ajudá-lo, porque você tem apenas a coragem de um camundongo. É preciso coragem para romper com o projeto que nos é imposto. Mas saiba que coragem não é a ausência do medo, é sim a capacidade de avançar, apesar do medo; caminhar para frente e enfrentar as adversidades, vencendo-as…

                Valendo-se desse raciocínio, imagine-se uma cena de uma criança, na sua inocência e falta de habilidade com os afazeres do mundo, tendo que reconhecer-se rendida diante do perigo em que se encontra: ela não foi jogada, nem aprisionada, nem caiu acidentalmente. Mas o fato é que está sozinha em uma cova profunda. Não perigo iminente, mas ela está ilhada. Nada lhe ocorre que facilite sua saída. Era como se o mágico ali lhe tivesse posto, como ponto inicial para suas primeiras decisões diante do inevitável insucesso. Olhou para um lado, depois para o outro e, nesse sentimento de solidão, isolamento e indecifrável temor do desconhecido, pelo cansaço, adormeceu. Não tinha muito o que fazer.

Pela manhã, logo cedo, talvez nos último sono da noite, sonhar que o mágico, silenciosamente dispusera uma corda que presa firmemente no alto da parede da cova funda, era uma promessa de vida, uma esperança de salvação que precisava, antes de tudo de sua decisão, de sua força de vontade e da demonstração de grande instinto de sobrevivência que precisaria ser posto em prática. Duvidou de tal dádiva, estaria ainda sonhando ou a corda, de fato estaria ali. Ela, aos poucos, foi abrindo os olhos como que a temer, se a promessa sonhada era, de fato, somente um sonho. Um sonho impossível.

Mas era verdade: a corda estava ali, à sua disposição. Mas a vida ainda não lhe tinha concedido ensinamentos suficientes para enfrentar tamanho desafio que seria escalar a corda lisa, o que se tornava uma façanha além de suas possibilidades. Tomada pelo ímpeto que as crianças têm diante do novo,  ela invocava  uma forcinha do mágico fornecendo-lhe alguma alternativa. Como tornar aquela corda em uma “porta-de-saída”.  Num sopro, o mágico mostrou que ela poderia escalar a corda. Ia ser difícil, iria tentar e fracassar várias vezes, não iria ser uma tarefa fácil. Mas quem disse que a vida é fácil?  

Quem vai ensinar a criança a dar voltas no corpo a fim de dominar a escalada? Uma criança vai depender, sempre, da orientação segura para os seus primeiros esforços. É preciso que alguém, seguro do que está ensinando conquiste a confiança da criança para que, respeitada, se imponha como senhora de si, terne-se senhora dos seus atos, no hoje e no amanhã.

Ela levantou-se e decidida, tomou a corda como sua tábua de salvação, deu o primeiro pulo. E conseguiu. Ficou eufórica, estava dando certo, ela era, de fato, uma garota forte. Começou a sentir-se, cada vez, mais segura, mas caiu. Machucou-se, mas refletia sobre a lição.  Esse poço, essa cova em que a criança se encontra são as situações de dificuldade a que todos estamos sujeitos. É necessário entender o como fazer, para alcançar o que se pretende; as metas, os objetivos, as conquistas, a sobrevivência diante dos entraves e das limitações que são verdadeiras catracas a limitarem a nossa ascensão.

Descansou um pouco, recompôs as energias e, tentou de novo. Agora, mais confiante, conseguiu subir um pouco mais alto e ali permaneceu por mais tempo que da primeira vez. Era uma vencedora. Aprendera que quanto mais afinco, mais alto chegaria. Precisava de resistência, força, tenacidade, coragem e dedicação. Já estava dado um terceiro passo acima do que havia conquistado. Começou a transpirar, os pés suaram, as mãos suaram,  a vista ficou turva e, ... escorregando lentamente, mais uma vez foi ao chão. Doeu, doía, sentir na própria pele, suas primeiras derrotas. Mas ela não sabia o que era acumular conhecimento, somar experiências, superar etapas, vencer-se para vencer.

Sentiu que precisava desistir. Mas lembrou: se o mágico dera tantas chances ao camundongo, oque era um camundongo diante da uma criança inteligente, sensível e destemida? Silenciosamente voltou todas as suas energias ara o mágico que lhe soprou mais uma vez uma lufada de incentivo, como se estivesse a dizer: Você pode, você quer, você vence. Tente quantas vezes forem necessárias. Do nada, talvez pela influência do mágico, a criança lembrou de uma cena, de um filme que ela vira, no mundo encantado da fantasia, que pessoas fugiam usando escadas feitas de lençóis. Ora, para prender um lençol a outros, eram dados nós. Eu sei dar nós, lembrava a criança.

Era tudo do que ela precisava: se entre os lençóis havia nós para fixar as mãos e apoiar os pés, aquela corda que a vencera por diversas vezes, deixava de existir. Ali estava, diante dos seus olhos, uma escada. Sua salvação. Empreendendo mais esforços foi se contorcendo, dando nós em si mesma e na corda, passo após passo, nó após nó. Estava subindo. E dessa vez, só subindo, subindo... galgou o topo. Estava fora do fosso, fora do buraco, diante dos seus olhos, o mudo se descortinava, tudo era novo, desafios viriam, as lições da saída do fosso ficariam para sempre no seu histórico. O mágico? Ah o mágico: sua necessidade de vencer.

  • Sebastião Maciel Costa