INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo expor os conceitos e os processos de criação dos neologismos encontrados no conto “O embondeiro que sonhava pássaros” (1990), do escritor moçambicano Mia Couto, publicado no livro “Cada homem é uma raça”, e, por conseguinte, identificar qual a relação desse processo com a construção de sentido do texto. A referente narrativa aborda na sua estrutura o lirismo do drama social, por meio de um viés nacionalista, entrecruzando a crueldade da realidade e a leveza da fantasia, sobretudo mediante as lendas da cultura africana, expondo o tema do preconceito racial e do autoritarismo dos colonos. Isso posto, começaremos elucidando o conceito dos tipos de neologismo que encontramos no texto, tendo como principal referencial metodológico o livro “Neologismo: Criação lexical”, de Ieda Maria Alves. Primeiramente, é preciso apresentar a diferença entre neologia e neologismo. Para a autora, o primeiro é um “processo de criação lexical” enquanto o outro é “o elemento resultante, a nova palavra” (2002, p. 5).  Logo, os neologismos encontrados no texto foram formados por derivação prefixal, sufixal e por composição (justaposição e aglutinação). De acordo com Alvez (2002, P. 14-15) “A derivação prefixal é um processo extremamente produtivo no português contemporâneo. Ao unir-se a uma base, o prefixo exerce a função de acrescentar-lhe variados significados”. Ainda de acordo com a autora os prefixos não possuem “unanimidade, na língua portuguesa, quanto ao número e á natureza dos morfemas prefixais, dessa forma são tratados como partículas independentes ou não-independentes que, antepostas a uma palavra-base, atribuem-lhe uma ideia acessória e manifestam-se de maneira recorrente, em formações em série” (ALVEZ, 2002, P. 15). Conforme expõe Alvez (2002, p. 29), na derivação sufixal, os sufixos são divididos em três tipos: nominal, verbal e adverbial. No conto foram encontrados do tipo nominal, que se caracteriza pela formação de substantivos e adjetivos, dando nome e atribuindo características a uma palavra base. Sendo assim, eles agem da mesma forma que os neologismos de derivações prefixais criando novas palavras e dando novos sentidos a palavras existentes. A derivação formada por composição é dividida em aglutinação e justaposição. O primeiro é a formação de novas palavras ocasionada da fusão de duas ou mais palavras ou radicais, havendo alteração de um desses elementos formadores. Assim, além da alteração no significado, os elementos formadores perdem sua identidade ortográfica e fonológica, havendo troca ou supressão de fonemas e apenas um acento tônico na nova palavra composta. Já o segundo age contrariamente à composição por aglutinação, na composição por justaposição não ocorre alteração dos elementos formadores. Estes mantêm a mesma ortografia e acentuação que apresentavam antes da composição. Assim, esse tipo de neologismo atua como os itens anteriormente citados. 

UM BREVE RESUMO DA OBRA

“O embondeiro que sonhava pássaro”, mostra a estória de um homem negro que vendia pássaros e tinha como morada o tronco de uma árvore. Este homem que “não tinha sequer o abrigo de um nome” (COUTO, 1990, P. 63), passava sempre por um bairro de brancos, atraindo a admiração das crianças com a exuberância de seus pássaros, sobretudo a de Tiago, que se tornou fiel amigo do homem. No entanto, sua cor e liberdade incomodavam os pais dos pequenos. Em certa noite, os colonos, movidos pelo preconceito atacam e prendem o homem, que some na manhã seguinte. No conto o narrador câmera (terceira pessoa) está presente em toda trama mediante a uma indagação de choques culturais entre os africanos e os portugueses. Em determinado trecho o jovem personagem Tiago pede para que o passarinheiro fuja, pois, os colonos estavam atrás dele. Contudo, o senhor explicou: “ele é que era natural, rebento daquela terra. Devia ele de saber receber os visitantes. Lhe competia o respeito, deveres de anfitrião” (COUTO, 1990, P. 68). Consequentemente, isso simboliza o contexto do período de colonização, visto que os africanos receberam os portugueses de forma receptiva, todavia estes tinham intenção de conquistar seus recursos e território. Ainda nessa perspectiva simbólica o enredo se constitui também com a ligação ao sagrado, que é descrita através dos pássaros, sendo estes a representação da liberdade e o embondeiro ao mesmo tempo símbolo de entrega a terra. Ao final do conto o jovem Tiago procura novamente o passarinheiro e não o encontra, então, dentro do embondeiro ele resolve tocar uma melodia semelhante à do homem. Entretanto, os colonos o confundiram com o passarinheiro e atearam fogo na árvore, nesse momento Tiago estava dormindo e foi tomado pelas chamas, fundindo-se a árvore. “Então, o menino, aprendiz da seiva, se imigrou inteiro para as suas recentes raízes (COUTO, 1990, P. 71). Demais, a respeito do título da história, o baobá (embondeiro) representa a simbologia religiosa muito forte nas tribos da região, que diz que quem faz algum mal a planta é amaldiçoado.  

OS NEOLOGISMOS ENCONTRADOS E A CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DO TEXTO 

Analisando o conto de Mia Couto, foi possível identificar os seguintes neologismos: Passarinheiro (Passarinho + eiro); esvoavam (Es + verbo voar conjugado na terceira pessoa do plural do pretérito imperfeito do indicativo: Voavam); vendedeiro (Vendedor + eiro); sonolentidão (Sono + lentidão); varandeando (Verbo varandear + desinência de gerúndio: ando); gravatado (Gravata + desinência de particípio passado: ado), mesungueiro (Mesungo [homem branco] + eiro); harmonicava (Harmonia + verbo comunicar conjugado na terceira pessoa do singular do pretérito imperfeito do indicativo: comunicava); sonhadeira (Verbo sonhar + deira); arrombista (Verbo arrombar + ista); piação (pia + ção). As formações dessas palavras acontecem por meio da adição de afixos a um morfema lexical, e também, por meio da criação de novas palavras a partir de outras já existentes, ou seja, por meio de composição de justaposição e aglutinação. No texto percebemos que a maioria das palavras se formam a partir do processo de derivação por sufixação. Analisando as palavras e a sua relação com a construção de sentido da narrativa, notamos que o escritor mesclou a cultura imposta pela colonização portuguesa com a cultura moçambicana, fazendo uma crítica ao preconceito étnico-racial e ao autoritarismo colonial. Além disso, através desses neologismos a estória se constrói com um tom fantasioso e poético, em que se tenta empregar certa leveza a dura realidade social mostrada. Outrossim, a mística da simbologia cultural africana, o preconceito racial, a fantasia e o lirismo do conto se relacionam, ajudando a tecer um enredo crítico e mágico.  

CONSIDERAÇÕES FINAIS 

Antônio Emílio Leite Couto (pseudônimo; Mia Couto), tem como principal aspecto estilístico na sua contística o uso dos neologismos, que influenciam na construção de uma atmosfera lírica e fantástica, tendo como objetivo expor a cultura africana e o tema da crueldade do preconceito étnico-racial sofrido por esse povo. Portanto, concluímos que esse recurso estilístico é um aspecto importante para o entendimento da obra de Mia Couto, haja vista que a partir das novas palavras criadas é que se costura a trama crítica e suave que o autor faz a respeito desse tema que ainda se faz presente na sociedade. Por fim, “O embondeiro que sonhava pássaros” é uma leitura indispensável para os que querem refletir sobre os dramas sociais e simultaneamente viajar na magia das palavras.  

REFERÊNCIAS  

Alves, Ieda Maria. Neologismo: Criação lexical. São Paulo: Ática, 2002.  

Couto, Mia. Cada homem é uma raça. Lisboa: Caminho SA, 1990. 

https://www.dicio.com.br/  

https:// www.dicionarioinformal.com.br  

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https://www.normaculta.com.br/composicao-por-justaposicao/