Os limites de um rio são as suas margens; os nossos, a bússola da vida

     Durante muito tempo as palavras continuarão sendo objeto da interpretação que o contexto impõe, porém é preciso se ter dimensão das versões que que as palavras possuem e a compreensão que as mesmas traduzem, sugerem, significam. O tempo se encarrega permanentemente, de trasladar o sentido de quaisquer expressões humanas como instrumento de entendimento e meios para que o diálogo, o acordo, os embates, os conflitos, as pelejas, os desafios sejam travados e, de preferencia, que satisfaçam às expectativas dos seus agentes.

     As fábulas, as anedotas, os “causos” trazem, em si, marcas das mais variadas fases de evolução ou involução da espécie humana, no seu difícil desafio de perpetuar o homem como aquele, de fato, age sobre as demais espécies vivas, com sendo o que pensa, o que busca entender, o que sabe a hora de recuar para melhor avançar. Aquele que é, em quaisquer tempos, capaz de criar ferramentas e instrumentos que facilitem as engrenagens do mundo, sem jamais se tornar refém de das invenções, das descobertas, da tecnologia e da inteligência artificial, sem se permitir ser refém dos mesmos. Valendo-se mais uma vez de situações que confirmam a necessidade de se ter em mente a importância de se respeitar os limites que são parâmetros para o entendimento entre quem impõe limites e quem os recebe; quem impõe porque os tem e os respeita; quem impõe para se impor, transformando limites em barreiras, não em margens.

      Conta-se que certa vez, uma gerente de um banco comercial convidou um conhecido seu, para que abrisse uma conta em sua agencia. O cobiçado cliente pediu um tempo. Alguns dias depois, ele voltou a ter com a amiga gerente e foi taxativo: só aceito abrir uma conta aqui na sua agencia se for uma conta especial, sem limites em todos os serviços oferecidos. A gerente pensou um pouco e respondeu que tudo bem, que ele teria uma conta sem limites. Assim, a conta foi aberta e o novo cliente saiu muito satisfeito com a conquista. O tempo passou e, um dia ele precisou sacar valores além do seu saldo disponível. Ficou pensativo e lembrou que havia pedido uma conta sem limites de crédito, ele poderia sacar o que precisasse, seu crédito era garantido: emitiu cheques que voltaram sem fundos e sua conta precisou ser encerrada.  Surpreso voltou à gerente e demonstrou todo o seu descontentamento pela decepção que ela provocara: ele pedira uma conta sem limites de créditos, de saques, de pagamentos...A gerente, sem alterar nenhum gesto esclareceu: você pediu uma conta sem limite. Assim foi feito. Nenhum limite de crédito. Assim, você pediu. Ele, na verdade, queria sem limites, que poderia sacar, pagar, retirar quanto quisesse que o banco cobriria. Quantas vezes, situações dessa natureza comprometem diálogos, interpretações, acordos e comandos? 

        O estabelecimento de limites é sensível para quem estabelece e para quem os recebe. Não se trata de, em nome da educação, impor barreiras, evidenciar que há quem manda e há quem obedece, estabelecer que há um que ensina e um que aprende, mas reconhecer que todo limite está  conectado com o autoconhecimento, fazendo do cuidado que precisa existir entre os protagonistas de um processo de crescimento humano, a conexão que ampliam espaços e oportunidades para todos: os que definem os limites como caminhos para o futuro;  os que recebem os limites como orientações para uma vida segura e produtiva em todos os sentidos.

       Não basta dizer NÃO para que uma criança entenda a linguagem dos limites. Quem diz NÃO para uma criança sabe ouvir NÃO do outro, da realidade, do mundo. Aprender a definir os próprios limites é começar a dizer NÃO sem a culpa de estar decepcionando alguém constantemente. No trecho “Diálogo x  compreensão” são levantadas fortes razoes para se evidencie ser inócua esperar resultados de discussões, debates, proposições ou propósitos sem a capacidade de sejam compreendidas as linhas e as entrelinhas do que se pretende propor, impor, ensinar, transmitir, ordenar, pedir, ensinar, aprender. Na construção do pensamento linguístico, precisam ser dimensionados os limites. Muitas vezes, cabe questionar a seguinte situação: quando se diz que faltam limites nas crianças e nos jovens, a partir de algumas atitudes que nos surpreendem, cabe um questionamento: quem falhou no lidar com os limites, os pais ou os filhos? No dia a dia, assistem-se a situações que se poe em dúvida, se os adultos que são exemplos formativos para os filhos, agem sempre observando e respeitando s limites que a vida impõe.

        Um caso típico, retoma mais uma vez a termos linguísticos utilizados para definir situaçoes ou objetos. No transito é muito comum e oportuna, a placa “DEVAGAR QUEBRA-MOLAS, brincando com a vírgula, com um pouco de humor, a criança-passageira, pode interpretar, como “devagar, quebra-molas”, uma inversão do que se pretende limitar. Mas ainda que lida e interpretada corretamente, a placa apela para o prejuízo material das molas danificadas, do que de fato, o objetivo de se dirigir com os limites necessários. Quando o adulto reduz a velocidade do seu automóvel, coloca em primeiro plano a defesa do objeto, o cuidado com o material, depois, se for posto em discussão evidencia-se, timidamente, o objetivo: observar os limites da segurança, da razão, da lei, do bem-estar.   

        Para que o adulto reduza a velocidade dos seus atos é preciso de quebra-molas. Nesse caso, o limite imposto é barreira, é mordaça, é castração. Não se discute esse tipo de limite, nascido de capricho, de mando, de comendo, de imposição, mas de oportunidades para que esses chamados limites sejam concebidos, construídos e repassados por meio do exemplo, do comprometimento de suas razoes onde todos alcancem-nos como instrumento do autoconhecimento.

        Foi com esse olhar que nos veio à mente, o trecho “Brincando de gato e rato”. Ali se discute, se experiencia as competências de cada protagonista: O sarcasmo do cachorro, as artimanhas do gato e ou a defesa do rato. Ali, os limites que o cachorro passou para o rato era um salvo-conduto que funcionou por um certo tempo. Mas o gato estava atento, precisava atualizar-se. E aprendeu a latir para conseguir os seus objetivos e provar que quem não aprende, continua errando.  As crianças são espertas, elas aprendem com muita facilidade e, quando lhe convém, buscam saídas que surpreendem a qualquer mestre. Aprende-se quando se quer. Para se livrar do que lhe parece amarras, pela forma como são impostas as normas do conviver, a imaturidade da criança se transforma em salutar esperteza que a caracteriza e encanta. Sempre nos surpreende. É preciso estar atento, não para enfrentar, mas para argumentar de forma clara e honesta sobre as razoes que levam a vida a impor regras e normas que nos serão benéficas, hoje e sempre. 

      O tempo que o tempo faz” nos sugere uma provocação que merece destaque: de que modo, o tempo é objeto de racionalidade para que adultos entendam que o tempo de ensinar é agora; enquanto o tempo de aprender está passando e já dispomos de resultados preocupantes quando se discute o futuro  das sociedades modernas que precisam assumir o comando cumulativo de tantas conquistas, tantas descobertas que chegam a ser coroadas com os passos iniciais da inteligência artificial. A criança, o adolescente e o jovem precisam ser senhores do seu tempo a parti de lições passadas pelos seus pares: pais e formadores. A procrastinaçao está em evidencia para todos os segmentos. Mas se a criança assiste, a todo instante, a adultos agindo como senhores do tempo, mesmo que para isso prejudiquem a racionalidade de que o tempo não para ,as lições podem até se repetir, mas o tempo não volta e dele depende quaisquer sonhos em nome da formação de adultos do ontem, do hoje e do amanha. Aprender a administrar o tempo é autogerenciar a captaçao de conhecimentos para melhor agir, para melhor ter e vir a ser.  Na perspectiva de se estabelecer normas de uma convivência pacífica e salutar para crianças e adultos, independente  das condições de vida que cada grupamento familiar está sujeito, um repertorio de alternativas precisa ser buscado a fim de assegurar o fortalecimento de valores que atuação como instrumentos e vida, ferramentas de sobrevivência.

            Em um tempo em que o radicalismo das ideologias povoam o imaginário daqueles que detem, de certo modo, o poder, urge que se busquem lições exemplos que retratem elementos de sustentação de parâmetros bem fundamentados sem prejuízos organizacionais das sociedades tidas como evoluída, mas fragilizadas. Um dos mais evidentes espaços de qualificação para justificar comportamentos humanos nasce da  distancia que existe entre o por que o TER atrai mais as pessoas do que o SER. Ter, pode vir a ser consequencia de ações de outras pessoas que vieram a agiram antes de nós.. Pode-se ter por meio de compra, sorteio, presente, empréstimo, cessão... Para as sociedades modernas, como foi através dos tempos o ter pode significar quaisquer sentimentos ou justificativas mas jamais se sobrepujará sobre o ser. O valor do ter precisa advir do valor do ser. No recorte “aprender a ser”  respira-se a necessidade  de se promover autonomia pela expressão do sentimento de protagonista,  onde vence aquele que sente, que pensa, que aprende que é preciso aprender a ser para ter o que lhe pertence por direito É possível ter sem ser; mas ser é razão para ter.

  • Sebastiao Maciel Costa