Os imigrantes chineses, sua história e sua cultura no Brasil
Por Tiago MB | 24/08/2020 | HistóriaOS IMIGRANTES CHINESES, SUA HISTÓRIA E SUA CULTURA NO BRASIL
Tiago Masutti Brasil
Resumo: O Brasil possui a quarta maior população de chineses e seus descendentes nas Américas, com cerca de 200 mil pessoas, as quais possuem laços históricos com este país. Portugal manteve uma colônia na China durante 450 anos, especificamente em Macau, e os primeiros chineses a aportar aqui foram marinheiros a serviço da Coroa Portuguesa, além de vários homens, mulheres e crianças escravizadas. Já em 1810, quatrocentos imigrantes foram trazidos ao Rio de Janeiro, para trabalhar na agricultura sob contrato. O Brasil era mais orgulhosamente negro, índio e asiático, até que houve um projeto social de embranquecimento do país, em fins do séc. XIX. Legados culturais sino-brasileiros são conhecidos até hoje, como acupuntura, chás, pipas, guarda-sóis, leques e fogos de artifício. As razões da diáspora oriental são várias, entre elas mudanças políticas, estruturais e econômicas na China. Antes dos anos 1960, os imigrantes chineses e seus descendentes eram comerciantes à margem da sociedade. Hoje encontram-se bastante concentrados territorialmente, sendo que 80% residem no Sudeste, e 56% no estado de São Paulo. Dentre estes, a imensa maioria reside na capital paulista. Grande parte da comunidade sino-brasileira possui uma identificação híbrida entre Brasil e China, e muitos consideram-se cidadãos do mundo. Nesse sentido, a imigração chinesa é merecedora de maior destaque na historiografia nacional.
Palavras-chave: imigração; chineses; brasil.
1. INTRODUÇÃO
A imigração forçada ou voluntária está na matriz da formação cultural brasileira. Mas nossa historiografia é escassa ou negligente em relação à imigração oriental, sobretudo chinesa (ROCHA, 2018, p. 112).
O Brasil país possui a quarta maior população de chineses e seus descendentes nas Américas, com cerca de 200 mil pessoas, e sua ampla maioria reside na cidade de São Paulo (OLIVEIRA, [200-?], p. 3). Boa parte deles passou por outras nações do sudeste asiático ou pelo Paraguai antes de se estabelecer aqui (AMORIM, 2016, p. 185; SILVA, 2019, p. 26-7). As razões da imigração são várias, entre elas mudanças políticas, estruturais e econômicas na China (AMORIM, 2016, p. 184).
A diáspora chinesa presente neste país é recente se comparada a de outros lugares do mundo (AMORIM, 2016, p. 184). O primeiro movimento de imigrantes sino-brasileiros se deu antes para países como Filipinas e Indonésia, oriundos da costa sudeste da China, principalmente das atuais províncias de Guandong e Fujian, e, em menor escala, da província de Zhejiang (AMORIM, 2016, p. 185).
Porém, é preciso lembrar que os chineses possuem laços históricos com o Brasil, desde muito antes das migrações voluntárias. Com as grandes navegações e descobrimentos, Portugal manteve uma colônia na China durante 450 anos, especificamente em Macau (COSTA, 2011), e daquela região vieram inúmeros falantes nativos de cantonês para a América do Sul (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, p. 57-9), desde o período colonial brasileiro, seja como marinheiros nas frotas portuguesas, seja como homens e mulheres escravizados (LEITE, 1992, p. 16-29).
Em tempos recentes, após o crescimento econômico e o fortalecimento dos laços entre ambos os países, uma nova leva de imigrantes chineses se estabeleceu no Brasil a partir dos anos 1990, e grande parte da comunidade atual é falante nativa do mandarim, a língua padrão da China, que predomina do norte ao sudoeste do país asiático (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, p. 59). Em sua maioria, contribuem para a economia nacional como empreendedores, seja em restaurantes ou outros tipos de comércio (OLIVEIRA, [200-?]), e também deixam sua marca em nossa cultura, através de características como os fogos de artifício, os leques, as pipas, os quiosques, os pastéis, as famílias e seus agregados, as artes marciais, as ervas e a medicina tradicionais, a filosofia, etc (LEITE, 1992, p. 12-16).
2. A CHINA NO BRASIL
2.1 MARINHEIROS E ESCRAVIZADOS CHINESES NO BRASIL COLÔNIA
Os primeiros chineses a colocarem os pés no que hoje é o Brasil, de acordo com os registros históricos academicamente aceitos, foram marinheiros a serviço da Coroa Portuguesa, além de vários homens, mulheres e crianças escravizadas, segundo José Roberto Teixeira Leite (1992).
O autor lembra que os portugueses chegaram no Brasil e na China mais ou menos na mesma época e, portanto, vários traços e experiências coloniais acabaram se tornando intercambiáveis entre as duas (ou três), culturas. Por exemplo, havia “troca de informações e rodízio de funcionários” (LEITE, 1992, p. 17). Muitos altos funcionários portugueses, e também marujos, antes de virem para o Brasil, já haviam trabalhado na China e outras colônias portuguesas. O inverso também era comum.
Leite afirma (1992, p. 23) ser possível que vários trouxessem consigo suas experiências, observações e vivências do Extremo Oriente. Também é provável que marinheiros chineses chegassem ao Brasil em navios ingleses, franceses ou holandeses, já que a maioria dos navios que provinham das “Índias Orientais” possuía tripulação asiática. Desta forma, é provável que centenas ou milhares de chineses tenham chegado ao Brasil colonial. Ao menos um relato de um marinheiro chinês, que veio ao Brasil nas frotas portuguesas, foi confirmado em arquivos do país asiático (LEITE, 1992, p. 25-26).
Sabe-se também que alguns poucos homens chineses escravizados estiveram presentes no Brasil no início do séc. XVIII, já que chineses, japoneses e africanos eram usados como mão de obra gratuita na própria metrópole, em Lisboa. Aos orientais, geralmente, cabiam os serviços mais leves, como aqueles de secretaria de seus senhores civis, militares ou religiosos. Porém, muitos eram sequestrados ou vendidos ainda crianças em Macau, costume que teve duração de pelo menos dois séculos, apesar das reiteradas leis proibitivas. Outros menos afortunados faziam favores sexuais ou tinham seus olhos arrancados para servirem à medicina tradicional (LEITE, 1992, p. 26-28).
2.2 CICATRIZES E SIGNOS INTERCULTURAIS ENTRE BRASILEIROS E CHINESES
Conta o historiador José Teixeira Leite (1992, p. 13-14) que, antes do projeto cultural de embranquecimento do Brasil, em fins do séc. XIX, o Brasil era mais orgulhosamente negro, índio e asiático. Os chineses que aqui viviam durante o período colonial e imperial traziam consigo uma cultura milenar muito arraigada. Os imigrantes chineses mais ricos possuíam negros escravizados, assistiam brigas de galo, empinavam pipas e queimavam fogos de artifício. Deixavam as unhas compridas para mostrar que não usavam as mãos para trabalhar e, assim, aparentar nobreza, já que sua cultura ancestral dava demasiada importâncias aos símbolos de status e distinção social. Vestiam seda, usavam guarda-sóis e seus escravos lhes carregavam em palanques coloridos, decorados com dragões e flores.
Além disso, os pais tinham direito de vida e morte sobre as mulheres da casa, que casavam aos 13 anos e permaneciam reclusas e submissas por toda a vida, não podendo nem mesmo sentar-se à mesa com os maridos ou usar talheres. Todos os filhos deveriam obedecer aos mais velhos e, por extensão, à hierarquia e à autoridade. Os imigrantes chineses, na ausência de figuras de autoridade, também prestavam reverência a símbolos ou emblemas, numa atitude que ficou conhecida pelos brasileiros como “salva-paço” (LEITE, 1992, p. 13-14).
As mulheres chinesas no Brasil tinham muitos filhos, e sua medicina tradicional era mais próxima da feitiçaria que da ciência (LEITE, 1992, p. 14-15). Frequentemente recorriam a fórmulas com ossos triturados, sangue, fezes humanas, gorduras de cadáveres, minhocas, pó-de-coruja ou de gatinhos recém nascidos, moscas trituradas, trapos de camisas de defunto ou baços de carneiro. Em festas, eram servidos inúmeros pratos, e os convivas deveriam arrotar para demonstrar satisfação com o banquete para os anfitriões. No final do séc. XIX, os homens sino-brasileiros tinham enorme fetiche pelos pés femininos, que deveriam ser pequenos. Jogavam o jogo das flores ou do bicho, e as mulheres estavam sempre de leques e sombrinhas. E, para dormir, as crianças orientais usavam robes estampados com dragões em cores amarela e vermelha.
Também era marcante a cultura material dos imigrantes chineses no Brasil, incluindo “móveis, lacas, têxteis, marfins, brinquedos, jogos, enorme quantidade de porcelana [...], pinturas, tudo trazido através de Goa e em certos casos direto de Macau ou de outros portos da China”. Muitas casas rurais possuíam telhados, jardins, estátuas de dragões ou outros animais (para proteger do mau olhado) e decoração típica chinesa. Até mesmo igrejas católicas chegavam a possuir estátuas de santos cristãos com traços orientais (LEITE, 1992, p. 15).
A impressão que os chineses no Rio causava nos estrangeiros era notória, principalmente em relatos de viajantes como o pintor alemão Rugendas e outros (LEITE, 1992, p. 29-30). O jovem artista francês Edouard Manet, ainda jovem, relatou que as mulheres brasileiras usavam o cabelo penteado “à moda chinesa” (LEITE, 1992, p. 43). Gilberto Freyre (LEITE, 1992, p. 44-5) observa que as fotos antigas sempre demonstram que as filhas e esposas família tinham um aspecto cultural mais asiático que os homens: enquanto estes, em fins do séc. XIX, já eram mais ocidentalizados, urbanos, de bigodes e barbas, aquelas pareciam mais rurais e orientais, mesmo quando brancas, seja pelo traje, seja pela fisionomia triste semelhante às mulheres chinesas segregadas.
2.3 A IMPORTAÇÃO DE MÃO DE OBRA “CHIN” NO BRASIL IMPÉRIO
As razões da diáspora chinesa são várias, entre elas mudanças políticas, estruturais e econômicas na China (AMORIM, 2016). Conta-se que, em 1810, quatrocentos imigrantes chineses chegaram ao Brasil, no Rio de Janeiro, já sob regime de contratação. Vindos da colônia portuguesa de Macau, aportaram em nosso país para plantar chá, no atual bairro do Flamengo, no Rio de Janeiro. Foram trazidos durante o reinado de D. Pedro I, que estava preocupado com o aumento do preço do chá praticado pela Inglaterra. Para chegar aqui, viajavam mais de 45 dias de navio, atraídos pela disponibilidade e quantidade de terras para trabalhar (LANDIM, 2010).
Este foi o primeiro montante significativo a aportar ao país. Já na segunda metade do séc. XIX, chegaram as primeiras levas na casa dos milhares, com contratos de trabalho de longo tempo (AMORIM, 2016). O chinês, antes de 1870, era visto com alguma simpatia pelos brasileiros, porque aceitavam fazer serviços pesados na agricultura por pouco dinheiro, sendo considerado adequado para substituir a mão de obra escravizada de africanos e descendentes (LIMA, 2019).
Nas últimas décadas do Império do Brasil, a imigração torna-se um tema central na vida cultural do país. Em 1870, a chamada Sociedade Auxiliadora da Indústria Nacional dá início à “questão chinesa”, discutindo a importância e pertinência da importação mais efetiva de mão de obra para os capitalistas nacionais, focando nos chineses. A partir do parecer elaborado, o governo decretou uma garantia para a vinda de milhares de chineses para trabalhar no Brasil, porém isto acirrou os ânimos da alta sociedade, mesmo levando em conta que o parecer não recomendava a fixação dos chineses ao nosso solo e ainda afirmava que o anglo-saxão seria o tipo ideal de imigrante (LIMA, 2019).
O assunto chegou a ser discutido na imprensa. Os fazendeiros queriam pessoas que trabalhassem muito e ganhassem pouco, e lhes parecia que os chineses se assemelhavam aos negros neste quesito. Era uma espécie de transição entre trabalho escravo e livre. Transição sem sobressaltos, para posterior mão de obra “civilizada” (LIMA, 2019).
Os abolicionistas se opunham pois acreditavam que isto seria uma nova escravidão. Grupos articulados se opunham à importação de “chins”. No periódico chamado “A Imigração”, favorável à imigração europeia, os chineses e sua civilização eram duramente ofendidos. A maioria dos grupos considerava os chineses inferiores aos europeus, e que, portanto, não deveriam se misturar aos brasileiros. Alguns grupos minoritários não se importavam com questões raciais, mas focavam no novo tipo de escravidão que poderia estar sendo promovida com os chineses. Também se preocupavam com um excessivo choque cultural, supostamente maléfico para ambos (LIMA, 2019).
A gritaria deu resultados e o fluxo migratório de chineses não foi grande no Brasil, até mesmo por denúncias internacionais de escravidão, através da imprensa e da diplomacia. Após acalorados debates durante a década de 1880 e a proclamação da República, em 1890 foi promulgado o Decreto 528, bastante revelador da consciência racista das elites brasileiras. Ele restringiu a imigração de africanos e asiáticos à autorização do congresso nacional e incentivou a contratação de imigrantes europeus. Ainda em 1892 foi promulgada a Lei 97, que finalmente permitia a entrada de imigrantes japoneses e chineses, tornando praticamente sem efeito o decreto anterior. No entanto, uma política mais favorável à imigração branca durou na prática até o governo Getúlio Vargas (LIMA, 2019).
Observa-se, desta forma, que houve muito preconceito racial para com a imigração oriental, de forma que sua vinda não foi incentivada. Estatisticamente, o número de chineses vindos para cá foi pequeno em comparação a outros grupos. Porém, é um número revelador do projeto embranquecedor da nação, promovido pelas elites brasileiras (LIMA, 2019).
2.4 GUERRAS E TURBULÊNCIAS: CHINESES EM FUGA DA TERRA NATAL NO BRASIL REPÚBLICA
A imigração de chineses diminuiu muito durante a Primeira República (1889-1930) (ROCHA, 2018, p. 115-16). Já a partir de eventos como a Guerra Sino-Japonesa (1931-1945), a Revolução Comunista (1949), a ditadura na Indonésia (onde muitos chineses viviam nos anos 1960), a retirada de Taiwan da ONU (1971) ou a devolução de Hong Kong à China (1997), a imigração sino-brasileira teve picos. Entre os chineses vindos para cá, muitos eram técnicos e industriais (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, pág. 58).
Após a Revolução Comunista (ROCHA, 2018, p. 112) aumentou o fluxo de imigrantes, predominando entre eles a ideia de integração ao Brasil, motivada pelo novo regime político na China, que deixou muitos deles com medo de voltar. Para os taiwaneses (também considerados chineses), entre as décadas de 1960-70, houve semelhante insegurança num possível retorno, devido às rivalidades entre a China continental e a ilha de Formosa, de onde provinham (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, pág. 59).
Até os anos de 1950, a maior parte dos imigrantes era de Cantão (Guangdong), Xangai e Shandong. Desta forma, os principais dialetos falados pelos chineses eram o cantonês (predominante na costa sul), seguido do xaiganês (costa leste). O mandarin (centro e norte da China), língua oficial do país, costumava ser apenas a terceira língua mais falada entre eles. Depois, vinham os taiwaneses com os dialetos taiwanês (minnan) e keija (hakka). Muitos também falavam indonésio. Já nos anos 1990, a maioria dos imigrantes volta a ser de Hong Kong e da China Continental, trazendo com eles os mesmos dialetos citados anteriormente (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, pág. 59).
A historiadora Elaine Rocha (2018, p. 115) afirma que encontrou muito silêncio e assuntos proibidos numa certa família de sino-brasileiros. O patriarca teria sido criado na província de Guangdong, próximo a Hong Kong. Fugiu das políticas comunistas em 1958, época do Grande Salto para a Frente, de Mao Zedong.
Essa segunda leva de imigrantes chineses pós-1949 (após a primeira onda, no séc. XIX) algumas vezes passou por Taiwan antes de emigrar definitivamente. Vários chineses no Brasil foram para a agricultura, e muitos outros trabalhar com comércio, em bares, restaurantes, pastelarias, ou atuar como profissionais liberais (ROCHA, 2018, p. 115-16).
Antes dos anos 1960, os imigrantes orientais eram comerciantes à margem da sociedade (AMORIM, 2016, p. 186). De 1960 até os anos 2000, somente Brasil e Panamá tiveram expressivo aumento no número de chineses, presumindo-se esta intensificação ao final do séc. XX, devido ao desenvolvimento econômico de ambos e ao estreitamento de relações entre Brasil e China, ainda mais no início do séc. XXI (AMORIM, 2016, p. 187-88).
Na década de 1980, houve o caso de cerca de 500 chineses refugiados em Moçambique que vieram se estabelecer em Curitiba, onde abriram uma escola, na qual se ministravam aulas de chinês durante 5 dias por semana, frequência que foi diminuindo pelo desinteresse dos alunos, até a escola ser finalmente fechada. Ao contrário de Moçambique ou Indonésia, aqui os imigrantes sino-brasileiros parecem ter se integrado com maior relevo à sociedade (JYE; SHYU, JÚNIOR, 2009, pág. 62).
2.5 SÉC. XXI: OS CHINESES E SEUS DESCENDENTES EM NÚMEROS
De 2000 a 2014, os chineses foram o quarto grupo de estrangeiros que mais se estabeleceu no Brasil, com 37417 chineses, representando 4,6% do total de imigrantes do período, ficando atrás apenas de bolivianos, norte-americanos e argentinos (AMORIM, 2016, p. 188).
Hoje, os sino-brasileiros são bastante concentrados territorialmente, sendo que 80,7% residem no Sudeste, e 56,6% em São Paulo. Dentre estes, a imensa maioria reside na capital paulista. A maioria dos chineses utiliza avião para chegar ao Brasil (82,6%). São Paulo e Rio de Janeiro são os estados mais comuns de chegada. Aproximadamente 8,9% optam por ônibus, sendo Paraná e Mato Grosso do Sul as vias de entrada mais comuns (através de Paraguai ou Bolívia). A maioria destes (68,9%) chega antes ao estado do Paraná (AMORIM, 2016, p. 190-194).
Cerca de 5,3% deles aportam em navios, principalmente na Paraíba (34% do total de navio). No período 2000-14, o estado de São Paulo recebeu 21173 chineses; Rio de Janeiro, 7408; e 1364 em Minas Gerais. A maioria se concentra nas regiões metropolitanas das capitais estaduais (AMORIM, 2016, p. 190-194).
Em 2009, ano em que foi concedida anistia aos estrangeiros residindo no Brasil, foi registrada a maioria dos imigrantes chineses. No Sudeste, 39,12% dos sino-brasileiros são do sexo feminino, e 60,88% masculino. A maioria (mais de 60%) está na faixa de 25 a 44 anos. Cerca de 54,8% são casados e 42,6% solteiros, 0,5% viúvos, 0,4% divorciados e 1,3% em outras situações (AMORIM, 2016, p. 190-194).
2.6 IDENTIDADE, ALTERIDADE E HIBRIDISMO CULTURAL NA COMUNIDADE SINO-BRASILEIRA
De acordo com o Instituto Sociocultural Brasil-China (Ibrachina, [201-]), os chineses formam praticamente 5% do número de imigrantes registrados no Brasil. Porém, eles ainda enfrentam grandes obstáculos, como diferenças culturais, questões sociais e a barreira linguística, devido a imensa diferença entre o português e o mandarim. Neste sentido, mesmo com a suposta receptividade dos brasileiros, os orientais ainda passam por algumas dificuldades.
Sendo o idioma uma barreira importante, muitos chineses ainda convivem somente na sua comunidade, compartilhando as mesmas culturas e origens. Todavia, mesmo nesses casos, ainda se observam algumas trocas culturais com os brasileiros. É possível perceber hoje que a maioria desses imigrantes já fala português, porém ainda é comum muitos apresentarem um forte sotaque estrangeiro (LANDIM, 2010).
Há também um certo grau de timidez entre alguns chineses, sobretudo naqueles que falam mal o português. Alguns estudaram na USP (Universidade de São Paulo) e formam grupos de amigos para jogar partidas de futebol entre si. Outros já lançaram-se até mesmo a candidaturas políticas, pois acreditam que a comunidade sino-brasileira necessita de representantes (LANDIM, 2010).
Na capital paulista, o bairro da Liberdade costuma reunir muitas tradições orientais. Entre elas, costumeiramente também é celebrado o Ano Novo Chinês, que tornou-se um evento importante para a cidade e já faz parte do calendário oficial do município. O evento, que apresenta atrações como música, artes marciais, dança e gastronomia, atrai milhares de pessoas todos os anos, tanto brasileiros quanto chineses (EMBAIXADA…, 2008).
Ainda é comum a existência de uma espécie de máfia chinesa em São Paulo, responsável por cobrar propinas dos imigrantes recém chegados, que falam mal o português e arriscam a sorte no pequeno comércio. Mas, para além da venda de importados da China (muitos deles ilícitos), sobretudo na tradicional Rua 25 de março, também na capital paulista, muitos sino-brasileiros hoje são grandes empresários e acionistas, alguns relacionados a alta tecnologia, monocultura de soja e indústria de alimentos, ou profissionais liberais, como médicos e advogados, e consideram o Brasil o lugar das oportunidades para quem quer trabalhar. A intensificação do comércio entre os dois países criou mais oportunidades para a comunidade chinesa presente neste país (LANDIM, 2010).
Até os anos 1970, eles eram a maioria dos donos de pastelarias em São Paulo (LANDIM, 2010). De acordo com Marcos de Araújo Silva (2008, p. 188-192), hoje “muitos integrantes da sociedade local brasileira desenvolvem laços de ‘parentesco simbólico’ com os imigrantes chineses (e vice-versa)”. Os brasileiros também costumam participar das atividades comerciais dos chineses (como venda de produtos ou restaurantes), com base na lealdade e confiança. Todavia, esferas supostamente fraternais, empreendedoras e prósperas também convivem com alguma dose de autoexploração, exclusão e competição entre patrões e funcionários desses estabelecimentos.
Parte do sucesso dos chineses no Brasil pode ser explicada pela tradicional dedicação aos estudos da sua comunidade, que busca sempre estar atualizada e diplomada nas melhores universidades, sejam brasileiras, chinesas ou norte-americanas. A acupuntura também foi trazida por eles, e hoje já está incorporada às nossas instituições de ensino superior, sendo uma especialidade médica reconhecida. Melhorar de vida é uma espécie de obsessão para os imigrantes, que ainda assim permanecem apegados às superstições do extremo oriente, como utilizar bastante o número 8, principalmente em placas de carro, pois o seu som em mandarim lembra a palavra prosperidade (LANDIM, 2010).
Muitos asiáticos vivenciam uma religiosidade budista ou protestante em contato interétnico com a comunidade brasileira. Para grande parte dos chineses ou descendentes, existe algo que se denomina “tornar-se brasileiro”, e muitos se consideram imigrantes e brasileiros ao mesmo tempo. Isso está relacionado à importância de alguns fatores para cada um, como: direitos políticos gerados pela identidade brasileira; interesses particulares; memórias e experiências afetivas no Brasil ou na China e Taiwan; e adaptação do comportamento a diferentes papéis sociais (SILVA, 2008, p. 188-192).
Para tantos outros chineses e descendentes ocorre grande tensão “entre as ideias de uma identidade chinesa imaginada [...], uma identidade brasileira e uma identidade híbrida”. Entre eles há uma espécie de identidade aberta e transnacional, construída nas suas relações com a sociedade brasileira. É importante destacar que cada sino-brasileiro apresenta um nível e uma forma diferente de vivência dessa identidade, de acordo com a capacidade sócio-econômica, gênero, religiosidade e tempo de permanência no Brasil.
Quinhentos anos após as grandes viagens marítimas dos portugueses, vivemos em um mundo altamente globalizado e intercultural. Neste sentido, boa parte da comunidade sino-brasileira já não se considera nem brasileira nem chinesa, mas sim “cidadã do mundo” (SILVA, 2008, p. 188-192).
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil pode ser considerado um dos grandes caldeirões culturais do mundo. Aqui, inúmeros povos, raças, etnias, origens e culturas convivem lado a lado desde o início da colonização. Em diferentes níveis, sempre estivemos juntos numa grande mistura, mesmo que espalhados por um vasto território. Ora essa mistura se deu de forma conflituosa para todos, ora catastrófica para um dos lados; já em alguns outros momentos, houve harmonia e integração. E essa história de lutas e conquistas continua a ser escrita dia a dia, permanentemente.
Seja como for, as narrativas históricas sobre a formação deste país não podem mais negar aos asiáticos - da Palestina e Turquia ao Extremo Oriente - o seu papel relevante para a construção do mosaico gigante pela própria natureza, composto de pessoas de todas as partes do mundo, chamado Brasil. Observa-se que, no entanto, os livros de História do Brasil ainda são, geralmente, bastante omissos em relação a esse tipo de formação cultural de nossa pátria, sobretudo no que diz respeito ao imigrante chinês.
Como vimos, os chineses são também parte indissociável dessa amálgama cultural brasileira, com contribuições notáveis à nossa sociedade, seja na economia, na política, nos hábitos, na mentalidade, na medicina ou nas artes. Tal como ocorre com outras etnias, em números absolutos ou relativos, a população sino-brasileira é significativa e, por isto mesmo, merece figurar na historiografia nacional com um papel mais importante do que aquele com o qual tem sido retratado ou, muitas vezes, esquecido, pelos historiadores. Neste sentido, esperamos que este artigo de revisão seja uma contribuição introdutória para aqueles interessados em se aprofundar no tema.
REFERÊNCIAS
AMORIM, Marcela S. M. A. O imigrante chinês no Brasil e no Sudeste: Uma análise dos dados do Censo demográfico (2010) e SINCRE – Polícia Federal (2000 a 2014). Caderno de Geografia, v. 26, n. especial 1, 2016. Disponível em: . Acesso em 29 set. 2019.
COSTA, João Paulo. Macau, porta de acesso ao império dos chins. National Geographic Portugal, 2011. Disponível em: . Acesso em 12 set. 2019.
EMBAIXADA DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. Relações Culturais Sino-Brasileiras. 2008. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2019.
INSTITUTO SOCIOCULTURAL BRASIL-CHINA (IBRACHINA). Dia Nacional da Imigração Chinesa no Brasil. [201-]. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2019.
JYE, Chen Tsung; SHYU, David J. Y.; JUNIOR, Antonio J. B. de Menezes. Os imigrantes chineses no Brasil e sua língua. Synergies Brésil, n. 7, 2009, p. 57-64. Disponível em: . Acesso em 3 set. 2019.
LANDIM, Raquel. Chineses no Brasil vão muito além da Rua 25 de março. O Estado de S. Paulo, 3 jul. 2010. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2019.
LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil. Tese de Doutorado, Unicamp, Campinas - SP, 1992. Disponível em: . Acesso em 3 set. 2019.
LIMA, Silvio C. S. Os filhos do império celeste: a imigração chinesa e sua incorporação à nacionalidade brasileira. Rede da Memória Virtual Brasileira, 2019. Disponível em: . Acesso em 3 set. 2019.
OLIVEIRA, Jayr Figueiredo de. Gestão estratégica sem limites: o perfil empreendedor dos imigrantes chineses no Brasil. USP, São Paulo, [200-?]. Disponível em: . Acesso em 30 set. 2019.
ROCHA, Elaine Pereira. Imigrantes chineses no Brasil: história e memórias de família. Revista de Ciências Humanas e Sociais, v. 4, n. 2, jan.-jul. 2018. Disponível em: . Acesso em 30 set. 2019.
SILVA, Marcos de Araújo. Guanxi nos trópicos: um estudo sobre a diáspora chinesa em Pernambuco. Dissertação de Mestrado, UFP, Recife, 2008. Disponível em: . Acesso em 3 set. 2019.