OS HEREGES SÃO OS OUTROS, E QUEM DISCORDAR SE ENCONTRA NA MESMA CATEGORIA

Pelo fato do livro sagrado do Cristianismo não ser claro a respeito de alguns assuntos (ex: dias da criação, dilúvio, cronologia dos juízes e reis, detalhes da segunda vinda de Jesus), é comum desde a era apostólica haver divergências entre cristãos a respeito do que é realmente correto no Cristianismo.

Uma palavra na Bíblia para a qualificação de alguém que segue ou crê em algo diferente de outra pessoa, é "seita" (que compartilha da mesma raiz com as palavras "herege" e "heresia").

Seita é utilizado de maneira pejorativa em alguns textos (At 5.17; 15.5; 24.5; 24.14; 28.22), sendo que nos dois primeiros o ponto de vista judeu é qualificado como seita, e nos demais o ponto de vista cristão é tido como tal.

O que se pode apreender? Que desde a era apostólica a qualificação de alguém ser um herege (i.e. fazer uma escolha supostamente nova em termos doutrinários) existia. Por vezes certa, por vezes errada (e aqui já deixo claro que considero a visão cristã correta).

Porém, com o passar dos anos, com a institucionalização da igreja, com a realização de concílios e a crescente divisão de igrejas que abraçavam o rótulo de Cristianismo, o uso de seita, heresia e herege ficaram banalizados. Não havia mais espaço para uma reflexão séria sobre determinado assunto (o Concílio de Niceia durou cerca de três meses discutindo a cerca a eternidade de Jesus, com um detalhe, mais ou menos 318 bispos realizando discussões sobre esse assunto); bastava apenas alguém discordar do pensamento pertencente a chamada "Ortodoxia", ou não concordar em algum ponto não tão claro nas Escrituras, que a pessoa automaticamente era um herege, alguém que merecia ser excomungado, que se não mudasse de opinião iria para o inferno.

Só que esse havia ainda está presente. Basta alguém discordar a cerca da literalidade dos 6 dias escritos em Gênesis 1, que tal pessoa é passível de ser rotulada por herética. Basta alguém discordar que o dilúvio foi global (terraplanistas não passarão) que se torna possível alvo do rótulo de herética. Basta alguém afirmar que o milênio descrito em Apocalipse 20 é simbólico que fica na mira da flecha da heresia.

Mas note que sempre a acusação de heresia é para alguém, nunca para si próprio (ao menos que a pessoa mude de opinião e seja radical com a que ele antes tinha). É mais fácil querer manter a pompa de possuir a interpretação correta de alguma parte das Escrituras, do que ter a humildade de reconhecer que o outro pode estar certo, e que é preciso colocar em discussão tal aspecto. Se a Escritura não é tão clara a respeito de algo (e em algumas coisas não é), por que não refletir sobre? E se Deus quiser usar essa reflexão para que o assunto fique mais claro? No decorrer da história da igreja tem sido assim.

Em tempo, Billy Graham teve uma discordância com outro gigante cristão, o falecido David Martyn Lloyd-Jones (a respeito da presença de liberais e católicos romanos compartilharem a tribuna com ele, e pela presença de "apelos" nas suas cruzadas); o próprio Lloyd-Jones teve discordâncias com o falecido líder anglicano John Stott acerca do inferno; John Wesley e George Whitefield discordavam a cerca de como se dava a salvação no ser humano; Lutero, Zwinglio e Calvino discordavam entre eles acerca da Ceia do Senhor.

Por que acusar de herege alguém sem antes tentar entender o porquê da pessoa pensar daquele jeito? Sem antes analisar nas Escrituras se o posicionamento da pessoa faz sentido, e se, porventura, é correto? É mais fácil taxar de herege, pois isso demanda menos tempo, e menos esforço intelectual.

Se você acha que Billy Graham não foi salvo, ok. Se Stott, Edwards, Calvino, Lutero não irão compartilhar das alegrias celestiais, prometidas a quem depositou sua fé em Cristo (e apenas isso!), ok. Mas não chame eles ou outra pessoa qualquer (pela qual Jesus morreu) de herege, de filho da perdição, sem antes analisar Escrituristicamente, logicamente o posicionamento dela. E cuidado para não ficar vendo de longe por algum tempo as mesmas pessoas rotuladas no ceu, enquanto si mesmo sofre as agonias destinada aos incrédulos.