Volta e meia aparecem no noticiário tristes notícias sobre intolerância religiosa, as quais nos revelaram a face oculta do mal que pretende se instalar no universo protestante.

Aleatoriamente reporto duas delas à guisa de podermos aprofundarmo-nos em comentários. Em uma, dois rapazes "evangélicos", gritando palavras de ordem dignas de uma bestial intolerância religiosa, feriram gravemente, a pedradas, uma menor de idade que saía de um centro espírita de candomblé, vestida a rigor, ou seja, de roupas cultuais brancas. Na outra, três homens empunhando Bíblias (supostamente "evangélicos"), atacaram, também a pedradas, um conhecido centro espírita e, de igual modo, gritando palavras de ordem.

Antes de prosseguirmos, cabe um esclarecimento quanto ao termo "evangélico", hoje totalmente em desacordo com o conceito original.

Originalmente, o termo "evangélico" era utilizado pelos cristãos luteranos, sobremodo imigrantes alemães que, por volta de 1825, chegaram ao Brasil. Já o designativo "protestante" não surgiu, como é comum explicar-se, com a atitude desafiadora do monge agostiniano-eremita Martinho Lutero ao fixar suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517, na porta da Igreja do Castelo de Wittemberg – Alemanha, motivado, primeiramente, por razões religiosas, mas também impulsionado por razões políticas e sociais.

De fato, o termo "protestante" foi utilizado inicialmente em 19 de abril de 1529 para referir-se aos cinco príncipes da "nova fé" e catorze cidades partidárias de Ulrico Zuínglio[1],ao apresentarem uma "Apelação" e um protesto formal e oral, o qual resumia a "Apelação" contra a Dieta de Espira[2], realizada em fevereiro de 1529.

Atualmente é equivocado utilizar-se o termo "evangélico" como sinônimo de protestante ou "crente" porque todos os católicos (romanos, ortodoxos, maronitas, etc.), os kardecistas, os mórmons e muitas outras religiões possuem evangelhos o que os identifica, também, como "evangélicos".

A maioria, senão a totalidade, daqueles que se intitulam "evangélicos" são oriundos das inúmeras igrejas neopentecostais cujas doutrinas são formadas de um amontoado de doutrinas e dogmas das igrejas protestantes históricas e/ou tradicionais e das reformadas (pentecostais) misturadas à concepções próprias contraditórias e/ou descabidas de qualquer embasamento bíblico, com uma "teologia" equivocada, resultando numa verdadeira colcha de retalhos, sem fundamento algum.

Isto posto, retornemos à nossa questão principal: a análise dos fatos narrados nas notícias supramencionadas, à luz da Palavra.

O maior e principal legado que Jesus nos deixou foi o amora Deus e ao próximo – através do qual deveremos pautar todos os movimentos de nossas vidas (Mt. 22:37-39).

E quem é o próximo realmente? O próprio Jesus nos responde em Lc. 10:29-37, com destaque para o final deste último versículo.

Ora, se nós cristãos entendemos ser a Bíblia o nosso código de conduta e de ética, o nosso verdadeiro "Manual do Fabricante" (onde encontramos todas as respostas que necessitarmos), pretendendo espelharmo-nos em seus ensinamentos e buscando, como nas palavras de Paulo, sermos imitadores de Cristo (Ef. 5:1-2), de que outro modo agir senão com tolerância para com o próximo, ainda que de diferentes modos, crenças e opiniões?

Não podemos nos esquecer de que tolerância é um dos ingredientes do amor (I Co. 13:7), aliás, neste capítulo de I Coríntios, sobremodo nos versículos de 1 a 8, nos é demonstrada a forma pela qual devemos exercitar o amor, mormente para com o próximo.

É inconcebível que pessoas que se intitulam "evangélicas" pratiquem violência motivada por intolerância, em especial a religiosa, contra outras pessoas. Não há desculpas para tal ato. Antes, se assim agem é porque, no mínimo, seguem a opinião de seus "pastores" na intransigência de opiniões.

Claro que parte da responsabilidade por tais acontecimentos cabem àqueles "pastores" que, via de regra, são ignorantes sobre teologia bíblica, cristologia, hermenêutica, exegese e por aí vai, visto não possuírem o mínimo de conhecimento das Escrituras e, por ignorância ou escusos interesses, as interpretam a seu bel-prazer. Para estes, o próprio Jesus nos alertou sobre sua existência e modo de agir (Lc. 21:8) e para eles já está determinado seu decreto (Mt. 7:21-23).

Todavia, a maior parte da responsabilidade cabe aos frequentadores e seguidores de tais "pastores", pois não conhecem e não leem um versículo sequer da Bíblia preferindo, até mesmo por comodidade, seguir estritamente o pensamento dos mesmos, sob uma tola máxima atual de que "meu pastor é o profeta de minha geração", contrariando admoestações explícitas na Palavra, principalmente, o disposto em Isaías 5:13, em especial na primeira parte do versículo; em Oséias 4:6, destacando-se, também, a primeira parte do versículo, bem como a de Paulo em Rm. 12:1.

O próprio Jesus nos ensinou que conhecendo a verdade seremos libertos por ela (Jo. 8:32) e onde se encontra tal verdade senão na própria Palavra de Deus (Js. 1:8).

Portanto, a falta do conhecimento da Palavra, que redunda na falta do capacete e da espada para o combate diário (Ef. 6:17) trazem, para esses "evangélicos", tanto a insensatez de seus atos como a mancha espúria sobre os demais cristãos, oportunizando a mídia a expor-nos, de modo vil, à sociedade que se volta contra todos os "crentes", generalizando tal conduta.

Nunca houve espaço em nosso povo para uma intolerância desta magnitude e, num tempo em que atravessamos dificuldades de todos os lados, despropósitos como este podem ser o estopim de atos violentos generalizados que fugirão ao controle tal como se verifica em outros países, sobremaneira, do Oriente Médio.

É necessário que estes "pastores" sejam alertados para seu proceder como "líderes" de seus rebanhos mas, principalmente, que seus seguidores, os que se intitulam, equivocadamente, de "evangélicos", se deem ao trabalho de conhecer a Palavra e buscar praticá-La, a entenderem que o cerne do Evangelho que proclamamos é o amor, em toda a extensão da palavra.

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[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Ulrico_Zu%C3%ADnglio

[2] Protestantes, evangélicos e (neo) pentecostais: história, teologia, igrejas e perspectivas; org. Zwinglio Mota Dias, Rodrigo Portella e Elisa Rodrigues. 18ª Ed., São Paulo: Fonte Editorial, p.34.