OS FRADES E OS PORCOS

 

O domingo já estava no seu findar, eram vinte e três horas e três minutos. A maioria dos frades já estava recolhida em suas celas, no convento franciscano; também era uma noite fria, pois chovia continuamente. Foi no momento em que atravessei o claustro rumo ao bebedouro a fim de refrescar a garganta, quando na penumbra do corredor encontrei Frei Tônho. Ele logo me arguiu se durante a tarde, quando joguei a lavagem na pocilga, eu a havia trancado corretamente. Fiquei preocupado com tal questionamento, mas Frei Tônho justificou que a alguns minutos vira os nossos dois porquinhos correndo pelo sombrio terreiro. Chegou-nos a dúvida se realmente eu havia fechado devidamente o chiqueiro, evidenciei minha convicção de tê-lo fechado, ou se haviam ladrões de porcos no quintal, que porventura tenham cortado a cerca de arame farpado que prendiam os emporcalhados animais. Juntou-se ao Frei Tônho e a mim, o Frei Paul que tomou conhecimento do problema e envolvendo-se na questão. Resolvemos enfrentar frio e chuva, para averiguarmos; assim tomamos alguns instrumentos imprescindíveis para a causa: lanterna, terçados, caixa de fósforos, e alguns foguetes de doze tiros. Destrancamos o portão dos fundos conventuais, eu, Tônho e Paul, e este logo ponderou: “- Como está chovendo, e a situação é perigosa, vamos todos tirar a sandálias e as camisas!”, deu a ideia e fora logo se livrando de suas citadas vestes e correndo para debaixo do toró. Aí eu disse: “- Eu é que vou fazer também isso?! Não. Obrigado, estou bem assim!”. Tônho também permaneceu com as suas vestes. Sem mais delongas nos dirigimos à pocilga. Lá chegando, na calada da noite; iluminamos o local com a lanterna e verificamos os arames cortados e a ausência dos animais. Empiricamente, chegamos à hipótese correta; os porcos estavam soltos e haviam ladrões no quintal. Em poucos segundos Tônho e Paul encaixaram um foguete numa haste seca de bambu, e no segundo palito riscado acendi o pavio, viu-se o clarão ígneo debaixo das mangueiras, seguido de doze fantásticos estrondos, que afugentaram os ladrões e acordaram os frades que repousavam, mas dos frades desceram apenas os freis Edis e Nilo, naquele momento, e juntaram-se à nossa empresa: capturar os porquinhos e trancafiá-los na lavanderia. Em um dos lados do convento, abaixo da janela do prior, próximo ao acerolal, encontramos os fugitivos suínos; de imediato realizamos várias tentativas, má sucedidas, de cercarmos e prendermos à mão-limpa, aqueles bravos animais. Só conseguimos nos sujar na lama, banharmos na chuva e enraivar-nos, ainda com razão porque os demais confrades pareciam fazer pouco caso de nossa aventura. Mudamos de estratégia. Decidimos afugentar os porcos, cada animal por seu turno, do acerolal até a garagem, para os encurralarmos entre o Gow e a parede lateral da garagem, os amarrar com um velho cordão franciscano e os aprisionar na lavanderia. Iniciamos a execução da estratégia com o suíno alvo, este era mais lerdo, e a estratégia fora realizada com êxito até o encurralarmos entre o carro e a parede. Seguramos o animal nas suas patas e orelhas, enquanto Edis ocupava cinco minutos para, dificultosamente, executar uma boa amarração nas patas e tronco do incomodado animal. Coisa não muito promissora, pois estando amarrado o animal o soltamos, esse mal começou a se contorcer, a corda caiu por terra. Paul ficou com muita raiva e prendeu-se firmemente ao tronco do bicho, assim nós logo imobilizamos o porco, que em meio aos seus estridentes gritos fora levado à porta da lavanderia, no entanto a porta da lavanderia estava trancada – surgia outro problema, sorte que ouvimos Marina Elale. Nilo disse: “- Hum! A cantora preferida de Frei Lisboa”. A melodia era oriunda da cozinha, era ninguém mais que o Frei Pitter com o seu mp3. Chamamos Pitter, e este não dissimulando desconhecer o caso, acudiu-nos mesmo com o seu roupão branco. Incumbimo-lo de abrir a lavanderia e servir-nos de porteiro até aprisionarmos o segundo suíno. Aprisionamos o porco alvo com sucesso. Retornamos, exceto Pitter, ao acerolal, objetando executar a mesma estratégia com o suíno vermelho – porém esse, sendo mais bravo e esturrão, tapeou-nos, não entrando na garagem e passando direto para as proximidades da pocilga.  Aí, além de molhados e sonolentos, já eram duas horas de segunda feira, ficamos com mais raiva. Chegando às proximidades do chiqueiro, procuramos por entre os matos e encontramos o bravo animal, escondido num canto do muro conventual. Rapidamente o cercamos, porém aquele pulou entre nós e com um medonho ronco, escapou. Em uma nova tentativa, compartilhada por Paul e Tônho, enquanto este focava a luz da lanterna nos olhos do animal, Paul pulou por sobre as costas do bicho, agarrando-o firmemente por seu bucho; mas como o porco estivesse molhado e liso, e também desse um coice seguro no peito de Paul, mais uma vez conseguiu escapar. Paul caiu frontalmente na lama, por outro lado o suíno já estava mais cansado. Em nova tentativa, agora com quadro frades, Frei Paul sugeriu ao cercarem o porco: “- Logo que o cercarmos, todo mundo pula e cada um agarra numa pata dele!”. Mas no momento X, ninguém teve a coragem, a não ser o idealizador, que só conseguiu afugentar e amedrontar mais o animal, que já estava estressado e fatigado. Numa ultima tentativa fracassada, todos cercamos o porco que, acuado e desesperado, chocou sua cabeça contras as canelas de Edis, derrubando-o de susto e conseguindo escapar do círculo. Quando faltavam vinte minutos para as duas horas, enfim, Paul e Tônho agarraram o animal com firmeza, todos pegamos em algum membro do suíno e o imobilizamos – particularmente, imobilizei a boca do bicho prendendo seu focinho com um pedaço de cano de calha, logo o animal nem grunhia e nem ameaçava morder. Levamos o caçado animal, e com o auxílio de Pitter o trancamos na lavanderia. Logo o prior desceu e, explodimos mais dois foguetes, acordando a vizinhança. Trabalho concluído! Fui dormir.