RESUMO: A impressão que se tem hoje é que a violência e criminalidade, no Brasil, aumenta consideravelmente sem que o Estado (poder executivo e legislativo) possua mecanismo ou condições suficientes para contê-las de forma apropriada. Diante disto, uma parcela da sociedade aponta como causa as ações, ou omissões, dos juízes criminais, que estariam concedendo liberdade indevida e injusta aos delinquentes deste País, independentemente da conduta típica.

Palavras chaves: Violência. Criminalidade. Poder Legislativo. Leis. Juízes. Prisão.

 

ABSTRACT: The impression one has today is that violence and criminality, in Brazil, increases considerably without the State (executive and legislative power) having sufficient mechanisms or conditions to contain them properly. In view of this, a portion of society points to the actions, or omissions, of criminal judges as the cause, who would be granting undue and unfair freedom to delinquents in this country, regardless of their typical conduct.

Keywords: Violence. Crime. Legislative power. Laws. Judges. Prison.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Existe um ditado antigo que diz: “em terra de cegos quem tem um olho só é rei”. E isto muito ocorre em sociedades com grandes populações de baixo nível de escolaridade e informações desencontradas ou distorcidas propagadas aqui e ali; ou até mesmo corrompidas. É o que acontece neste País, quando alguém que tem um pouco a mais de instrução afirma ou expressa coisas perniciosas ou ofensivas acerca de dadas atividades do poder público (no caso, ações do Poder Judiciário, no tocante a institutos como o da Liberdade Provisória, Prisão Domiciliar, das prisões temporárias e das prisões cautelares.

Nos noticiários do dia a dia, locais ou no âmbito nacional, se ouve da boca de testemunhas, vítimas, jornalistas, populares e curiosos o enunciado ou falácia que alega: “a polícia prende e o juiz solta”; “a polícia prendeu, mas a Justiça pôs nas ruas”. Tudo isto sem terem a menor noção da ordem jurídica, do Direito Penal e Processual Penal, de regras de competência, primariedade do réu, de condições atenuantes etc.

Desta forma, os notáveis e incontáveis juízes de Direito vão sendo injuriados, ofendidos ou maculados em sua imagem e seu papel social tão relevante, pois todos estão sujeitos a necessitaram de um juiz e de um tribunal para resguardar um direito seu que foi prejudicado ou negado por outros, inclusive a própria Administração Pública, através dos seus agentes públicos; e também os particulares.

Quando, na verdade, as críticas ou indignações que recaem sobre a magistratura deveriam ser direcionadas às leis (as regras ou normas impostas pela legislação) ou contra seus legisladores que criam os dispositivos de leis que vão ser observados pelo julgador.

 

2. O processo de evolução do processo judicial e da ordem jurídica

A sociedade, em seu processo civilizatório, experimentou e presenciou diversas ordens jurídicas (sobretudo moldada pelas leis, justas ou injustas, conforme o acordos e interesses dos legisladores) e formas de se processas e julgar os acusados. Isto porque o Direito – seja o penal, seja o civil; quer o Direito Processual Civil, quer o Direito Processual Penal – vai assumindo formas e estruturas estatais – melhores ou piores – conforme o jogo do poder e as peças postas pelos “donos do poder”, em cada tempo e espaço territorial.

Houve uma época, na trágica história da humanidade (em parte) que assassinar um homem de pela escura (os escravos de origem africana) era conduta atípica no direito penal, de modo que os juízes não podiam fazer nada para penalizar o senhor daquele escravo; assim como foi também as condições dos servos da Europa Medieval ou do antigo Egito etc. Até que de luta em luta os abusos, as perversidades, as injustiças, os martírios causados pelos governantes do Povo começaram a ser mitigados, para o bem dos mais fracos ou “açoitados” pelos “donos dos Estados” e dos “chicotes”.

Na obra de Alexandre Dumas (leia-se Dimas), “O Conde de Monte Cristo”, o personagem Edmond Dantès é condenado, de boca, pelo magistrado Villefort, sem o devido processo legal, sem direito a defesa, sem ser comunicado à sua família, sem a definição clara do crime, sem a delimitação da pena etc. etc. Vítima dos arbítrios do juiz já referido, Dantès – vítima também da inveja de seu “amigo”, Fernando Mondego, passa 16 anos desaparecido, recluso no Castelo Dif (ou castelo de If, conforme os tradutores), de modo que ninguém sabia seu paradeiro, sendo dado por morto inclusive.

Um dia, finalmente, os revolucionários e intelectuais da França revolveram questionar os abusos praticados pelos principados de sua época, obrigando o Estado a editar normas legais mais claras, objetivas e que se aplicassem aos cidadãos de forma regular e mais justa quando acusados de condutas criminosas ou ilegais.

De uma forma ou de outra os juízes estão decidindo com base em alguma regra legal, sem mandar soltar nenhum aprisionado por sua vontade própria, liberalidade ou razões infundadas.

Como é sabido, em março de 2015 foi aprovada a Lei 13.105, que instituiu o Código de Processo Civil, o qual entrou em vigor em março de 2016. Curioso notar a redação do art. 15 do CPC/2015, nos seguintes termos: “Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas, supletiva ou subsidiariamente.

Uma leitura açodada do dispositivo legal poderia conduzir à equivocada impressão de que as disposições da nova legislação processual civil não poderiam ser aplicadas subsidiariamente, nas lacunas da legislação processual penal. Neste ponto, convém a realização de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico. Ora, a ausência da menção à legislação processual penal no art. 15 do CPC não altera o dispositivo no artigo do CPP em comento.  Por esta razão, continua a ser válida a possibilidade de se recorrer à analogia para suprir as eventuais lacunas da legislação processual penal, razão pela qual nada obsta que se recorra, se for o caso, à legislação processual civil.[1]

 

3. O juiz como aplicador das normas legais

Certamente, os juízes decidem todos os feitos ou causas jurídicas que chegam em suas comarcas, varas ou tribunais. Mas não estamos num estado absolutista. De modo que os magistrados tomam decisões judiciais sempre invocando algum disposto legal, seja ele do Código Penal e de Processo Penal, seja ele da Lei de Execuções Penais, seja ele da própria Constituição Federal. Ou de alguma legislação especializada como, por exemplo, a lei de entorpecentes e a lei de prisão temporária.

Não é conforme sua vontade pessoal e suas particularidades que os doutos julgadores estão pondo em liberdade os delinquentes ou criminosos que afrontam a sociedade e a ordem jurídica. Isto porque um juiz invocará, no mínimo, a analogia, os princípios gerais do Direito e os costumes. Ou mesmo, quiçá, as disposições legais de um tratado internacional para fundamentar sua decisão, como muito bem lhe impõe a Carta Política ao discorrer sobre o Poder Judiciário.

Vejamos o que dispõe a lei que trata da prisão temporária (Lei nº 7960/89), como disposições penais gerais aplicadas – na ausência de lei específica – aos crimes em geral. Assim estabelece a referida lei:

                                  [...]

Art. 2° A prisão temporária será decretada pelo Juiz, em face da representação da autoridade policial ou de requerimento do Ministério Público, e terá o prazo de 5 (cinco) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.[2]

 

Ora, aquele que estiver na condição de investigado ou inquirido, ou denunciado pelo Ministério Público (dos Estados ou da União) e seja preso em virtude destas condições, terá sua prisão relaxada ou anulada de pleno direito, caso o delegado de polícia ou os promotores de Justiça não apresentem elementos probantes da conduta típica do indiciado, do denunciado ou, ainda, do já então processado e réu no processo penal.

Ainda que o acusado tenha cometido o crime mais horrendo ou aviltante e a autoridade policial saiba disto, mas sem conseguir provas robustas, o juiz será obrigado colocá-lo em liberdade, sob pena de ser acusado por abuso de autoridade, na forma da lei. Tenha, o investigado, cometido os crimes de furto, roubo, latrocínio, estupro...homicídio etc., o magistrado o estará libertando porque existem dispositivos legais que o obrigam a isto. Não pode haver no Direito Pena e no Processual Penal qualquer acusação condenação sem provas “sólidas” e pertinentes.

Nos termos do art. 9º da Lei 8.038/1990, nas ações penais originárias, “a instrução obedecerá, no que couber, ao procedimento comum do CPP”. Por sua vez, dispõe o art. 400, § 1º, do CPP, que “as provas serão produzidas numa só audiência, podendo o juiz indeferir as consideradas irrelevantes, impertinentes ou protelatórias”. Logo, o objeto da prova são os fatos pertinentes, vale dizer, que, essencialmente, digam respeito à imputação, e relevantes, ou seja, que possam influenciar no julgamento da causa.[3]

 

Do mesmo modo vejamos o que preceitua as disposições legais da prisão temporária, no âmbito da lei de entorpecentes, ao dispor sobre os prazos inquisitórios para conclusão de um inquérito por tráficos de entorpecentes, na forma da Lei 11.343, de 23 agosto de 2006.

Art. 51. O inquérito policial será concluído no prazo de 30 (trinta) dias, se o indiciado estiver preso, e de 90 (noventa) dias, quando solto.

Parágrafo único. Os prazos a que se refere este artigo podem ser duplicados pelo juiz, ouvido o Ministério Público, mediante pedido justificado da autoridade de polícia judiciária.[4] (Grifo meu).

Pois bem, o próprio juiz tem uma obrigação legal a ser observada quanto à privação de liberdade do indiciado, não podendo ele deixar o implicado criminalmente na condição de preso por tempo indizível, conforme se faziam nos tribunais do passado (eclesiásticos, ou judiciais; da igreja, ou do Estado), onde os seres humanos eram entregues aos porões e aos ratos. Como ocorre tanto no “Conde de Monte Cristo” como no excelente filme “Sombras de Goya” – narrativas ou episódios da terrível inquisição espanhola.

Passados tais (30 ou 90 dias, com suas prorrogações), sem a conclusão da peça inquisitorial, certamente o defensor ou procurador do acusado ou suspeito ajuizará petição apropriada (habeas corpus) para libertar ou preso, invocando os preceitos supracitados, não podendo o julgador se negar a atender o pedido do advogado do inquirido.

Do mesmo modo, quando a promotoria de justiça recebe a peça inquisitorial também tem prazos a serem observados, pois a denúncia promovida pelo parquet observar aos ditames do Código de Processo Penal que dispõe da seguinte forma:

Desta feita, se os prazos fixados no artigo supra forem superados sem o maArt. 46. O prazo para oferecimento da denúncia, estando o réu preso, será de 5 dias, contado da data em que o órgão do Ministério Público receber os autos do inquérito policial, e de 15 dias, se o réu estiver solto ou afiançado. No último caso, se houver devolução do inquérito à autoridade policial (art. 16), contar-se-á o prazo da data em que o órgão do Ministério Público receber novamente os autos. [...][5]nuseio do procedimento próprio para a pronúncia do douto julgador, o réu, inequivocamente, terá recurso impetrado por seu defensor ou patrocinador a fim de restaurar a sua liberdade, recurso ou pedido este que não poderá ser negado pelo juiz legalmente. Logo os membros do Poder Judiciário estão pondo “marginais” – em todos os sentidos e níveis de crimes – em liberdade por obedecerem a ditames legais e não porque querem libertá-los ao seu bel prazer. Como acreditam este ou aquele jornalista, policiais, profissionais liberais de outras áreas, leigos...as massas em geral.

[...] Ultrapassado, em muito, o prazo previsto nos artigos 10, caput, e 46, ambos do CPP, é de se reconhecer o constrangimento ilegal para o réu cautelarmente preso, advindo do excesso de prazo para o oferecimento da denúncia. Ordem concedida. (Habeas Corpus nº 99.701-AL, STJ, 5ª Turma, Rel. Min. Félix Fischer, julgado em 9.9.2008, publicado no DJ em 3.1.2008.[6]

Houve um tempo, na nossa ordem jurídica, que quando um réu era condenado pelo Poder Judiciário, mesmo pelos crimes mais abomináveis, tinha direito a um recurso chamado de protesto por novo júri. Os artigos 607 e 608 da redação antiga do Código de Processo Penal trazia os benefícios de tal recurso, próprio para a defesa, quando o processado fosse condenado a reclusão igual ou superior a 20 anos. A nova redação da Lei 11.689, de 2008, foi quem pós fim a tal benesse que revoltava a muitos profissionais do Direito e às vítimas das famílias. Ora, desta forma podemos salientar que não era o juiz que tinha culpa pelo novo julgamento concedido ao condenado, mas sim os dispositivos legais que o legislador impôs aos juízes e ao insigne Ministério Público.

Está era a redação dada pelo CPP editado em 1941, legislação tal que foi passando por reformas ou acréscimos aqui e ali.

 Art. 607. O protesto por novo juri[7] é privativo da defesa, e somente se admitirá quando a sentença condenatória for de reclusão por tempo igual ou superior a vinte anos, não podendo em caso algum ser feito mais de uma vez.

      § 1º Não se admitirá protesto por novo juri, quando a pena for imposta em grau de apelação (art. 606).

      § 2º O protesto invalidará qualquer outro recurso interposto e será feito na forma e nos prazos estabelecidos para interposição da apelação.

      § 3º No novo julgamento não servirão jurados que tenham tomado parte no primeiro.

     Art. 608. O protesto por novo juri não impedirá a interposição da apelação, quando, pela mesma sentença, o réu tiver sido condenado por outro crime, em que não caiba aquele protesto. A apelação, entretanto, ficará suspensa, até a nova decisão provocada pelo protesto.[8]

Assim, expressar que “a polícia prende e o juiz” ou “a polícia prende e a Justiça solta” é um discurso falacioso, sem propriedade, fundado em discursos distorcidos de outras pessoas, que podem formar um juízo de valor, sem observar a importância de um juízo de verdade dos enunciados ou palavras proferidas no calor das emoções ou dos anseios humanos. Os juízes (do menor ao maior grau de jurisdição) não estão aí para pôr em liberdade acusados de práticas de furto, roubo, organização criminosa, estupro, latrocínio, homicídio etc. Os comuns, os leigos, as multidões podem até julgar apressadamente e sem critérios nem regras nenhuma, usando, para tanto, seus anseios, emoções e paixões. Os magistrados ainda têm as leis, justas ou injustas, criadas pelos seus legisladores.

Até 2019, os condenados a pena privativa de liberdade eram transferidos para um regime menos rigoroso após o cumprimento de 1/6 da pena no regime anterior, nos termos da Lei 7.210, de 11/07/1984 (já com nova redação, dada pela Lei nº 13.964, de 2019); ressalvados os crimes com regime diferenciado, elencados na lei de crimes hediondos, a qual prevê tempo de reclusão um pouco maior para os delitos previstos naquele diploma legal (Lei nº 8.702, de 25/07/1990).

 

Art. 112. A pena privativa de liberdade será executada em forma progressiva com a transferência para regime menos rigoroso, a ser determinada pelo juiz, quando o preso tiver cumprido ao menos um sexto da pena no regime anterior e ostentar bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento, respeitadas as normas que vedam a progressão.

§ 1o A decisão será sempre motivada e precedida de manifestação do Ministério Público e do defensor.

§ 2o Idêntico procedimento será adotado na concessão de livramento condicional, indulto e comutação de penas, respeitados os prazos previstos nas normas vigentes.[9]

Então tomemos, como exemplo um réu processado e julgado na forma da lei processual penal, com direito a defesa, em respeito ao devido processo legal, que foi condenado a 30 anos de reclusão, em regime fechado, com sentença transitada em julgado; isto com uma redução da pena que incialmente era de 45 anos, mas foi reformada pelos tribunais a quem, em grau de recurso. Só que, passados 5 anos o criminoso foi posto em liberdade, sendo visto por todos, os quais passaram a apressar a máxima (distorcida) supracitada: “a polícia prende e a justiça solta”. Infelizmente, pessoas que não entendem de processos e procedimentos judiciais ou processualista que se prestam a adjetiva a magistratura e o Poder Judiciário com palavras torpes ou descabidas, pois “fundadas” nos achismos coletivo.

Como poderia o juiz deixar o condenado 6, 7, 8 anos ou mais no regime fechado se, por imposição da lei e do legislador, ele deveria mudar do regime fechado para o semiaberto, pois já havia cumprido 1/6 da sua pena de origem? Como os brasileiros gostariam que fosse.

Vejamos uma situação que vez ou outra aparece na mídia, levando o julgador do processo a ser “alvo” das mais diversas falácias e impropérios, sem que as multidões entendam a respeito dos processos de das normas da lei.

Imaginemos que um jovem é detido pela polícia ostensiva (PM), conduzido até a delegacia de polícia da circunscrição local, onde é autuado em flagrante e acusado de homicídio doloso, nos termos do art. 18, I, c/c. art. 121 do Código Penal[10] – assumindo o risco de produzir o resulta morte – acusação esta já formulada na denúncia do Ministério Público, o qual, cumprindo seu notável papel ou função social e institucional, remeteu os autos do inquérito e da denúncia para o juiz que irá processa e julgar o suposto réu. Porém, no “caminhar” do processo, o magistrado, examinado os autos de forma minuciosa ou detalhada percebe possíveis e naturais enganos, ou percepções equivocadas, cometidos na apuração da inquirição e na denúncia, condições estas notadas também pela defesa do réu, que suplica ao julgador da lide a soltura do seu cliente, uma vez que a qualificação típica cabível para o fato era por homicídio culposo, nas disposições do Art. 18, inciso II, c/c. Art. 121, parágrafo 3º, do mesmo diploma já referido acima.

Desta feita, as polícias “detiveram”, ou mesmo prenderam, ainda que de forma equivocada, mas o Poder Judiciário foi obrigado a pôr o preso em liberdade por que sua conduta não se emoldurava, de forma inequívoca, na tipificação penal do homicídio doloso, ainda que sem agravantes.

Suponhamos, ainda, a prática de um furto qualificado (nas condições do Art. 155, § 1º, CPB)[11], é confundido com um roubo (Art. 157, CPB) nas primeiras leituras ou percepções do fato realizadas pelas as polícias militar e civil, registrado nos seus boletins de ocorrência e/ou inquérito, sendo este último enviado para o douto julgador que apreciará e decidirá o caso, conforme os relatos da denúncia do parquet e as provas apresentadas na forma da lei. Contudo, ao se debruçar diante da narrativa dos fatos constantes nos autos da peça inquisitorial e da denúncia (acusação), o juiz vislumbra condições que, na verdade, enquadra a conduta típica como furto qualificado, o qual tem a pena reduzida e outras condicionantes ou implicações. Neste caso, o patrocinador do réu já iria peticionar ao magistrado do processo que colocasse seu cliente em liberdade, aplicando-lhe penas restritivas de direitos (Art. 43 e c/c. Art. 44, I, CPB)[12], uma vez que penas privativas de liberdade inferior a 4 anos permitem tal benefício. Daí, temos mais um exemplo de o porquê “a polícia prender e o juiz solta”. Em virtude dos permissivos legais, que só podem ser reformulados pelo legislador ordinário.

Ou o insigne juiz solta – mesmo contra a sua vontade, quiçá – ou ele pode ser processado penalmente, consoante as disposições da nova lei de abuso de autoridade (Lei Nº 13.869, de 5 de setembro de 2019)[13]no seu artigo 2º, inciso IV.

Ainda que alguns juízes, aqui e ali, de fato, ponham em liberdade determinado criminoso, por falta de prudência, ou experiência, ou mesmo porque se corrompeu, isto não torna legítimo nem verdadeiro afirmar “que a polícia prende e o juiz solta”, pois este enunciado ou “máxima” negativa generaliza, nivelando todos os magistrados.

O Poder Judiciário não está realizando concursos públicos difíceis, ao extremo, em todo País, para selecionar os melhores candidatos a uma vaga na magistratura (federal ou estadual), e, uma vez investidos nos cargos efetivos da Administração Pública, se passarem para conceder liberdade, ilegal e ilegítima, aos algozes da sociedade, ou dos cidadãos. Com certeza, nenhum tribunal está se prestando a prejudicar ou afugentar o povo com os delinquentes sociais e magistrados adeptos da condescendência criminosa, no sentido de estarem favorecendo àqueles e seus delitos lhes concedendo liberdade em dissonância com a ordem legal.

Quando um julgador judicial não tiver as disposições de uma lei para decidir, no stricto sensu, uma demanda jurídica de sua competência ele terá, no mínimo, um princípio geral do Direito, exempli gratia, princípio da paridade das armas, princípio da dignidade da pessoa humana, princípio da identidade física do juiz, princípio da insignificância, princípio do favor rei, princípio do promotor natura, princípio do juiz natural, enfim.

É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova, já que documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.[14]

 

4. A responsabilidade do legislador na trivialidade do crime

É sabido que desde Aristóteles, com suas obras magníficas (A política, A Constituição de Atenas, O governo etc.) passamos a ter um escorço do poder e da organização do Estado, no tocante à existência e organização dos três poderes. Mesmo que tenham sido o barão de Montesquieu, no seu “O espírito das leis”, que tenha esquadrinhado melhor as atividades e competências dos poderes estatais no processo da Revolução Iluminista, ou Revolução das Luzes, ou, quiçá, Revolução Francesa (1789).

E, na divisão tripartida do poder do Estado, escrever e editar normas legais para conduzir e organizar os homens e as instituições ficou a cargo do Poder Legislativo e seus legisladores (escrevedores e/ou editores), desde a Lex Legum ou Lex Fundamentalis às leis abaixo desta (lei ordinária, lei complementar, lei delegada etc.), como se percebe na redação do artigo 59 da Carta da República de 1988.

Tradicionalmente, como se sabe, a incumbência de redigir e editar as leis gerais, que devem reger a sociedade, encontra-se atribuída ao Poder Legislativo. A edição das normas nacionais, que obrigam a todos os que se encontram no território nacional, é incumbência própria do Poder Legislativo central.[15] 

Ora, a sociedade precisa ser ordenada e está ordem é posta pelas leis, mas estás leis devem ser justas, pois se assim não for elas iram promover injustiças e revoltas populares.

Quando a população se manifesta ofendendo ou desacreditando da magistratura como um todo, ou adjetiva seus membros com vocábulos impróprios, ela está cometendo um equívoco, já que o povo deveria, isto sim, reivindicar dos seus representantes legais (deputados federais – art. 45 c/c § 1º, CR/88) reformulação ou atualização das leis penais e processuais penais. Isto com o escopo de punir séria e justamente os delinquentes que estão afrontando as instituições da República, o estado democrático de direito e os cidadãos que se sentem oprimidos pela violência da criminalidade.

Dentre outras matérias, previstas na Norma Mãe, legislar sobre direito penal e processual é de competência privativa da União, através do legislativo federal (senado e câmara dos deputados), ao qual a sociedade deveria cobrar leis penais e processuais mais elevadas ou mais severas, seja para as penas de detenção, seja para a penas de reclusão (arts. 33 a 36 e seus §§, do CPB). Além de reformulação dos dispositivos da legislação penal extravagante, verbi gratia, lei que dispõe sobre entorpecentes (Lei 11.343, de 23/08/20066) e lei que dispõe sobre as organizações criminosas (Lei 12.850, de 2/08/2013).

Entre as atribuições do Congresso Nacional encontram-se competências legislativas e deliberativas. As competências legislativas atribuídas ao Congresso Nacional são para dispor a respeito das matérias de competência da União (CF, arts. 22 e 24), em especial as elencadas no art. 48 da Constituição. Neste caso, como as matérias são veiculadas por lei, exige-se a sanção do Presidente da República [...][16]

As críticas, repúdios, cobranças etc. proferidas contra as pessoas da magistratura nacional (ao deferirem a liberdade provisória, o relaxamento da prisão e revogação da prisão) como se vê nos noticiários do dia a dia, deveriam ser direcionadas para as leis e/ou legisladores que vão moldando ou construindo a ordem legal conforme suas convicções, anseios e interesses; ou outra coisa que o valha. Deixando, quiçá, os interesses e necessidades sociais e dos seus eleitores para planos outros.

Desde os anos 90 foi editada a Lei 8.069, mais conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), qual em suas dezenas, ou centenas, de artigos os quais só tratam o dispõem de direitos das crianças e dos adolescentes, sem lhes impor nenhum dever, responsabilidade, compromisso, de forma que os pais tiveram seu pátrio poder debilitado. Mesmo que, no Código Civil, livro IV (Do Direito de Família), o artigo 1.634, IX, aparente dá algum poder aos pais, para exigirem respeito e obediência dos seus filhos. Não se sabe como, de fato, os pais vão exercer seu poder familiar com crianças e adolescentes “intocáveis”, visto a textualidade protetiva ao excesso dada pelo ECA. Protegidos pela redação legal, jovens começam a delinquir bastante sedo (já que seus ascendentes não têm autoridade sobre eles) de modo que, ao chegar a maior idade, já possuem registros criminais anteriores, os quais nunca foram punidos de forma mais justa e firme pelo jus puniendi do Estado.

Desta forma, com a omissão – ou inexistência – da lei, no tocante à aplicabilidade de normas legais fortes e compensatórias, de fato, em relação aos crimes praticados em todo território nacional (banalizados nos jornais locais ou em âmbito nacional), os mais desavisados ou apressados têm como mais fácil balizar ou criticar os juízes, sejam nas instâncias de primeiro grau, sejam nos tribunais, conforme o caso.

Infelizmente, às vezes, a omissão, ou inércia legislativa, é tamanha com para com os cidadãos – na proteção e garantia de seus direitos – que na Marga Charta de 1988 se trouxe a “figura” do Mandado de Injunção, instituto jurídico este (ou ação constitucional) que tem por objetivo chamar a atenção do legislador ordinário para a propositura de lei apropriada, visando a efetividade de direitos dos governados (a população em geral ou categoria profissional).

Assim expressa, e impõem, o texto da CR/88 no tocante à tal ação de cunho constitucional, ainda que nem sempre seja ajuizada e seus interessados fiquem no prejuízo: Art. 5º - “LXXI - conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”.

Entidades sindicais dispõem de legitimidade ativa para a impetração do mandado de injunção coletivo, que constitui instrumento de atuação processual destinado a viabilizar, em favor dos integrantes das categorias que estas instituições representam, no exercício de liberdades, prerrogativas e direitos assegurados pelo ordenamento constitucional. (MI 472, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 6-9-2005, Plenário, DJ de 2-3-2001).[17]

 

 

5. Conclusão

 

Uma fração da sociedade condicionou-se a multiplicar em suas falácias “que a polícia prende e a Justiça solta”, como se o poder judiciário e seus egrégios julgadores estivessem promovendo a soltura de prisioneiros – a seu bel-prazer e arbítrio –  de todo tipo de escória ou malfeitores, com as mais repugnantes ações delituosas contra os ditos pacatos ou indefesos cidadãos.

A questão, indubitavelmente, é que tal “discurso” é desprovido de veracidade e substância (força), pois os juízes, aqui, ali e alhures, em casos isolados, concedem liberdade provisória – ou definitiva, de acordo com a dinâmica e procedimentos do processo – porque a legislação brasileira está permitindo tal ato processual, norteando e submetendo as decisões judiciais aos limites e enquadramentos normativos do Direito Penal e Processual Penal. De modo que, ainda quando não houve uma regra fixada num diploma legal, existirá um princípio geral do Direito (mesmo que muitos deles já tenham positivados pelo legislador ordinário ou constituinte).

As declarações, alegações, ou discursos dirigidos contra a persona dos juízes singulares, desembargadores ou mesmo ministros dos Tribunais ad quem são, por um lado, ilegítimos, por outro, injustos, pois generalizam a profissão, nivelando todos os meritíssimos e suas cortes, uma vez que ninguém é igual a ninguém; nem mesmo os chamados gêmeos univitelinos, pois, no mínimo, serão diferentes em suas impressões digitais; e mais ainda nos seus costumes, hábitos, ações, desejos, projetos etc.

Assim, é a composição do conjunto de leis penais, sobremaneira, e suas disposições ou redações (boas ou más, justas ou injustas) que vai determinar os beneplácitos que irão recair sobre a delinquência brasileira (juvenil ou adulta), aplicadas pelos julgadores pátrios nos casos concretos, ainda que em desacordo com entendimento, caráter, senso de justiça, personalidade destes. Aqueles que presidem cortes e processos penais não podem ser responsabilizados, ou censurados, ou, ainda, apontados pela criminalidade crescente de um país com legislação ultrapassada ou desatualizada, em virtude de legisladores inertes ou descompromissados a segurança e proteção dos seus representados. 

 

 

 

Referências Bibliográficas

 

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[1] TÁVORA, Nestor. Código de Processo Penal Comentado. 8ª Ed. rev., ampl. e atual. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 31.

[2] Vade Mecum JusPodivm 2019.  Salvador: JusPodivm, 5ª. Ed. 2019, p. 1355.

[3] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Coletânea temática de jurisprudência: direito penal e processual penal. 3ª ed., 2v. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2017, p. 641.

[4] Vade Mecum JusPodivm 2019.  Salvador: JusPodivm, 5ª. Ed. 2019, p. 1791.

[5] PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 9ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2017, p. 116.

[6] PACELLI, Eugênio; FISCHER, Douglas. Comentários do Código de Processo Penal e sua Jurisprudência. 9ª ed., revista e atualizada. São Paulo: Atlas, 2017, p. 117.

[7] Muito embora a palavra júri tenham acento na sua grafia correta, dada pela norma padrão, no texto original do qual extraímos a citação ela foi grafada sem o acento agudo; e deixamos desta conforme o texto de origem.

[8]Legislação Informatizada - DECRETO-LEI Nº 3.689, DE 3 DE OUTUBRO DE 1941 - Publicação Original. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-3689-3-outubro-1941-322206-publicacaooriginal-1-pe.html. Capturado em: 24 out. 2022.

[9] Esta é a antiga redação da Lei 7.210 de 11 de julho de 1984 (Execuções Penais), já reformulada atualmente desde 2019.

[10] Vade Mecum JusPodivm 2019.  Salvador: JusPodivm, 5ª. Ed. 2019, p. 500.

[11] Idem, p. 505.

[12] Idem, p. 493.

[13] A referida lei, ao que aparenta, só foi produzida e colocada na ordem jurídica pátria depois que alguns “poderosos chefões” dos demais poderes (executivo e legislativo) e milionários, ou bilionários, começaram a ser investigados, denunciados, processados e condenados, conforme o princípio do devido processo legal, pelo Poder Judiciário, como formar de mitigar, enfraquecer ou atemorizar os membros do referido poder, no combate à corrupção política ou a politicagem deste País. Com penas mais duras ou maiores, a atual lei – 13.869/19 – nem se compara com a anterior, que era um faz de conta ou uma brincadeira legislativa brasileira (Lei 4.898, de 9 dezembro de 1965).

[14] Brasil. Supremo Tribunal Federal. Coletânea temática de jurisprudência: direito penal e processual penal. 3ª ed., 1v. Brasília: STF, Secretaria de Documentação, 2017, p. 21.

[15] TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional. 18ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 1236.

[16] NOVELINO, Marcelo. Curso de direito constitucional. 14ª ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2019, p.663.

[17]Brasil. Supremo Tribunal Federal (STF). A Constituição e o Supremo. 3ª ed. Brasília: Secretaria de documentação, 2010, p. 381.