Camilla Canuto Tanios

Thamires Dantas[1]

Resumo: Na atualidade os medos sociais vividos no cotidiano são resultados da forma como a violência urbana se expressa. O estudo em questão buscou identificar a influência da mídia, como forma de expressão dessa violência, sobre o imaginário social e como a sociedade reage em relação a estes.

Palavras-Chave: Mídia. Medo social. Crimes.

1. Introdução

O fato de nossa sociedade conviver, diariamente com uma mídia nem sempre honesta com seus princípios nos levou a desenvolver o presente trabalho. Cujo objetivo foi identificar como a mídia influência no imaginário das pessoas e como estas se deixam envolver por noticias tristes e apelativas, que causam um sentimento de medo no imaginário destas.

O estudo em questão aborda como a influência da mídia contribui para a diminuição do bem estar social e na formação de conceitos maniqueístas, de forma nem sempre convincente com a realidade.

2. Crimes e as mudanças de hábitos sociais

Não se pode negar que o aumento da criminalidade, vem causando mudanças de hábitos da população, e até mesmo se tornando tema de conversas nos mais diversos locais. Mas essa criminalidade não é resultado da pobreza que assola enfim grande parte da população, mais sim da ‘‘desigualdade social que explica tanto a visibilidade do crime, quanto a atitude tomada pelo governo em reação a este’’. (DUARTE, 2005)

À medida que a população vem sendo assolada por crimes, suas vidas vão mudando. O aumento da violência conduziu ao isolamento social da população, que para se proteger dos crimes tem ficado cada vez mais em casa, colocando grades em suas janelas e portas, e cercas elétricas, etc. O medo de ser assaltado ou roubado em casa, no portão, no farol, vem levando essas pessoas a alterarem também suas rotinas e ritmos diários: horários de sair e chegar, evitando circular ou transitar à noite pelas ruas e sozinhos; espera ansiosa de filhos ou outro parente no retorno de atividades noturnas; redução nas relações de vizinhança, entre outros. Observa-se também fechamento de bares e restaurantes famosos, cinemas, casas de show, teatro em horário mais cedo do que faziam anteriormente.  Bairros antes tidos como acolhedores, espaços de relações de sociabilidade, onde as pessoas se conheciam e se sentiam seguras, realizando trocas, já não são os mesmos.  Esse medo, de ser roubado ou furtado em casa ou nos sinais, é um medo que tem contrapartida no real. Por outro lado não se pode deixar de citar que houve um aumento dos serviços prestados a domicílios, pois hoje em dia quase tudo é pedido em casa, como remédios e alimentos. Essas mudanças de certa forma protegem a população, mas ao mesmo tempo isolam estas, já que se privam do contato com vizinhos e com pessoas de classes diferentes por medo.

A mídia possui uma grande parcela de culpa por essas mudanças de hábitos da população. Sempre expondo crimes nos mais diversos lugares e com reportagens às vezes até apelativas, influenciando a população de como determinados locais são perigosos em detrimento de outros. Os jornais locais geralmente colocam os bairros mais pobres como os mais perigosos, o que nem sempre corresponde a realidade, fazendo com que os próprios moradores desses bairros mais pobres acabem achando o mesmo. Dessa forma põem em duvida os sistemas de segurança publica.

 A sensação de medo provocada pela mídia pode até ser saudável na medida em que faz a população adotar medidas preventivas e assumir uma postura defensiva diante dos crimes.  Mas se esse medo estiver incompatível com a realidade do crime na área considerada, merecera atenção das autoridades, pois passara a constituir um fator de diminuição de qualidade de vida e inclusive produzir dano psíquico.

De acordo com Dantas (2003, p19), essa prevenção excessiva não só destrói a qualidade de vida das comunidades como também estabelece um círculo vicioso. Pois as pessoas inicialmente por terem medo se isolam em suas residências. Isso acaba favorecendo certa retração da comunidade para espaços cada vez mais fortificados com muros, grades etc. Assim os espaços públicos vão se tornando cada vez mais vazios e a comunidade acaba que perdendo seu local de socialização. O que por sua vez faz com que os índices de criminalidade aumentem, em uma espécie de circulo vicioso de medo, retração, abandono do espaço publico, tomada de espaço publico pela criminalidade, mais medo, mais retração, e assim sucessivamente.

3. A mídia e a reprodução do medo social

O medo é uma emoção que visa instintivamente proteção contra quaisquer formas de perigo e pode servir de sinal de alerta a qualquer ação imprudente. De acordo com BAIERL (2004) em seu livro ‘’Medo Social’’:

O medo social é um medo construído socialmente, com o fim último de submeter pessoas e coletividades inteiras a interesses próprios e de grupos, e tem sua gênese na própria dinâmica da sociedade. Medo produzido e constituído em determinados contextos sociais e individuais, por determinados grupos ou pessoas, com vistas a atingir determinados grupos ou pessoas, com vistas a atingir determinados objetivos de subjugar, dominar e controlar o outro, e grupos através da intimidação e coerção. Esse medo leva determinadas coletividades territorializadas em determinados espaços a temer tal ameaça advinda desses grupos (BAIERL, 2004, p. 48).

Seja ele individual ou coletivo, o medo é um fenômeno de paralisação do censo normal da vida, pois altera o cotidiano das pessoas, causando sensação de insegurança e fragilidade. Desse modo o medo explorado de diversas maneiras serve para manipular, coagir, direcionar condutas, ou seja, explorar o ser humano de acordo com a vontade de quem tem o poder de gerá-lo.

O medo do crime pode ser considerado como uma reação emocional caracterizada por uma percepção de perigo e consequentemente ansiedade produzida por uma ameaça remota ou eminente, indicada por fatores percebidos no ambiente, tais como as notícias de ocorrência de homicídios, estupros, arrombamentos etc. ‘‘A percepçao do medo pode ser ainda baseada tanto em fatores reais quanto imaginários ’’(DANTAS; PERSIJN; SILVA JUNIOR, 2006).

Com o aumento da criminalidade e consequentemente o alarde feito pela mídia em relação a esta, a pessoas tem a impressão que cada vez mais aumentam os números de atos violentos, e que o mundo esta cada vez pior. O que não condiz, pois se verificarmos a evolução das sociedades é possível notar as melhoras nas taxas de expectativa de vida ao longo dos séculos.

A mídia tem como sua principal função servir de suporte pra democracia e também por ser responsável pela divulgação de conhecimento, e do que ocorre em todo o mundo. Mas a mídia, tanto falada quanto escrita, não se concentra em todos os assuntos do mundo, somente nos mais importantes ou convenientes para a camada mais alta da sociedade. Tanto as mídias faladas quanto a escrita expõem a população uma situação de criminalidade alarmante. Os jornais apresentam em suas pautas sempre crimes horríveis, com reportagens apelativas, em vez de publicar crimes que realmente causam danos a sociedade, como corrupção, dentre outros. As novelas de forma diferente dos jornais também apresentam essa influencia na população, apresentando em seu roteiro crimes, e seus autores, quase sempre, pertencentes a classes baixas da sociedade, moradores de favelas e negros, o que gera na sociedade em geral certo ‘’preconceito’’, advindo de uma rotulação criada pela própria mídia[2].

De acordo com o filosofo alemão Alessandro Baratta, os delitos que mais lesam a sociedade são os cometidos por pessoas de classes mais altas, os chamados: ``crimes de colarinho branco´´. Como exemplo desses crimes tem os delitos ecológicos, crimes contra a saúde pública, publicidade enganosa, corrupção etc. Mas o que prevalece na opinião publica são os crimes das classes sociais mais baixas, que são protagonizados pelos criminosos e seus estereótipos. Assim Baratta cita a questão da privacidade no ambiente doméstico, onde os crimes de lesões corporais e violência sexual ganham mais visibilidade nos bairros mais pobres, pois a privacidade é menor. Já nos bairros ricos esses casos são mais facilmente encobertos. Desse modo a mídia atua na construção dos fatos, enfocando em certos fenômenos e bairros criminais, criando uma percepção imaginaria diante deste. A criminalidade é dessa forma socialmente construída pelos meios de comunicação, assim Baratta propõe ainda que os cidadãos participem de processos democráticos de produção de informações sobre a criminalidade e deixem de ser expectadores.

Cada dia mais a mídia vêm se transformando em um instrumento de poder, pois os sistemas de vigilância da mídia permitem que, a cada momento mais, a sociedade e os cidadãos sejam controlados e acompanhados em seu cotidiano. Os meios de comunicação tem se tornado tão comum ao cotidiano das pessoas, que suas características de mediador e refletor da sociedade têm sido aceitas sem questionamentos. ‘’Assim, a imprensa apesar de representar papel importante na sociedade, age muitas vezes de forma inescrupulosa, manipulando as percepções e lucrando com as nossas ansiedades geradas pela cultura do medo’’. (DUARTE; 2005)

4. Medo e preconceito

A mídia tem um papel principal na formação de preconceitos em relação ao próximo, isso por que essas opiniões pré-formadas condizem com os interesses de uma classe dominante. Dessa forma as mídias tanto escritas quanto faladas podem introduzir, induzir as pessoas a uma situação de medo e preconceito, isto por que:

O preconceito e o medo caminham de mãos dadas, principalmente contra os pobres, desempregados, subempregados, especialmente se pertencentes a grupos raciais (negros e estrangeiros) e residenciais (como os favelados), bem como outros excluídos, homossexuais e prostitutas. A face mais perversa do preconceito é a auto-exclusão. (ROCHA; SANTOS 2007, p.40)

O medo imaginário de que determinadas pessoas são criminosas com referencias em raças, níveis socioeconômicos etc. não passa de um preconceito. Preconceito este que pode fazer com que ate mesmo com as pessoas que se enquadram nesse padrão de ‘’criminosos’’ se sintam como tais. Essa rotulação criada pela mídia cria gera um medo em relação a determinadas pessoas, em face desse preconceito.

A manipulação realizada pela mídia, não se encontra apenas no campo da criminalidade, como também na questão da religião, já que esta através de novelas estimula-se a população na crença de determinadas religiões, enquanto critica outras, o que gera um preconceito por parte da população a determinadas religiões. Esses preconceitos impregnam no imaginário social principalmente das camadas mais baixas da população que geralmente não possuem um bom nível educacional. Essas pré-noções e preconceitos estão também relacionados ao maniqueísmo, onde a mídia geralmente qualifica como pessoas boas, as pessoas brancas que pertencem a um bom nível social, enquanto as opostas como más.

5. Conclusão

Conforme o presente estudo foi possível mostrar como a mídia interfere na vida das pessoas, exercendo um poder sobre estas, uma pressão sobre o medo social. Mostra também que notícias alarmistas, nem sempre condizentes com a realidade, não contribuem para a resolução do problema da criminalidade, e que apesar de servir como incentivadora a prevenção, estas geram um aumento do medo social, diminuído a qualidade de vida da população.

6. Referências

ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo x cidadania mínina: códigos da violência na era da globalização. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2003

BAIERL, L. F. Medo social: da violência visível ao invisível da violência. São Paulo: Corty, 2004.

BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal. 3. Ed. Rio de Janeiro: Revan, 2005.

DANTAS, G.F.L. Informação pública sobre crimes e violência: precedentes da União Européia e Estados Unidos da America. Ministério da justiça. Secretaria Nacional de Segurança Publica. Segurança publica online. 2003. Biblioteca. Artigos. Disponível em: . Acesso em: 11 ago 2009.

______.; PERSIJN A.; SILVA JUNIOR. A.P. O medo do crime. 2006. Disponível em: < http://www.observatorioseguranca.org/pdf/01%20(60).pdf> . Acesso em: 10 ago 2009.

DUARTE, M. C. A. A criminalidade violenta na sociedade contemporânea: um estudo sobre a "indústria" da cultura do medo no imaginário social. Rio de Janeiro - RJ, p. 1-15, 2005. Disponível em: < http://jusvi.com/artigos/2549> Acesso em: 07 ago 2009.

FORMIGA, Nilton Soares; GOUVEIA, Valdiney V. Valores humanos e condutas antissociais e delitivas. Paraíba: 2005. Disponível em: .  Acessado em: 15 ago 2009.

GLASSNER, B. Cultura do medo. São Paulo: W11 Editores. 2003.

ROCHA, Jose Carlos; SANTOS, Sebastião. Mídia e violência urbana no Brasil. Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência, a cultura. Vivo Rio. Brasília dezembro de 2007.92 p.

SCURO NETO, Pedro. Manual de sociologia geral e jurídica: lógica e método do direito, problemas sociais, comportamento criminoso, controle social. 4.ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva 2000.

VASCONCELOS, Tatiana Cristina. et.al. Condutas desviantes e traços de personalidade: testagem de um modelo causa. Campinas: 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103166X2008000100006&lng=en&nrm=iso&tlng=en>. Acessado em: 17 ago 2009.

[1] Acadêmicas do segundo período de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco.

[2] Esse preconceito refere-se ao conceito passado da mídia para a população, no que diz respeito à sempre julgar negros e pobres como criminosos, ou que ‘’a prisão é para os três pés: o preto, o pobre e a prostituta’’(ANDRADE, p.50).