OS DIREITOS HUMANOS NA FILOSOFIA E NA CIÊNCIA CONTEMPORÂNEAS
Por Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo | 11/03/2011 | FilosofiaOS DIREITOS HUMANOS NA FILOSOFIA E NA CIÊNCIA CONTEMPORÂNEAS
0. Sumário
1. Introdução 2. O sistema de direitos em Habermas. Direitos Humanos e a tradição Ocidental: uma perspectiva histórico-estrutural 3. O âmbito filosófico do tema: pensar os Direitos do Homem 4. Reconstrução interna do Direito: o sistema dos direitos 5. O direito subjectivo de mediação social entre facticidad y Validad, na estrutura do direito positivo 6. Os Direitos do Homem; Bibliografia.
1. Introdução
O século XX ficará na história, certamente, por bons motivos, mas, também, pelo que de mais negativo a humanidade alguma vez viveu. Naturalmente, parece oportuno recordar as maravilhas da ciência, que, obviamente, com o poderio da técnica e da tecnologia, se intrometeu de forma decisiva, na dicotomia bem/mal, vantagens/desvantagens, que marcou a sociedade humana, desde o início do século, com acontecimentos inesquecíveis, ficando, contudo, a história dos mesmos sob a responsabilidade dos vindouros
Logicamente, os filósofos, nas diversas especialidades, têm vindo a reflectir alguns dos aspectos mais significativos e acutilantes do nosso tempo, em que a dignidade humana não deverá ter leituras polivalentes, porque não haverá dignidade humana enquanto não forem promovidos e salvaguardados os direitos humanos. A tarefa não será fácil, na medida em que tais direitos abarcam um amplíssimo leque, que pode iniciar-se na equidade individual (direitos políticos, sociais e económicos) e expandir-se aos legítimos interesses colectivos (direito à paz, ao bom ambiente, à solidariedade)
Pese embora a constatação da existência de uma absurda lista de crimes contra a humanidade, a verdade é que parece que a opinião pública vem dando sinais de uma renovada sensibilização para os problemas dos Direitos do Homem e que vem desmistificando um falso debate ideológico, porque, na óptica de MACHETE, (1978: 45): "Não há ideologia ou sistema social que detenha o monopólio da garantia desses direitos, porque se trata efectivamente de Direitos do Homem que cada um deverá defender e sobre os quais todos deveremos estar de acordo."
Cabe aqui fazer um acto de contrição porquanto, também os portugueses têm alguns pecados em matéria de Direitos Humanos. No passado colonialista o comportamento de muitos dos colonizadores e deportados poderia não ter sido completamente transparente. No presente, ouvem-se, ainda, alguns comentários, sobre acontecimentos que, a serem verdadeiros, em nada dignificam: violência doméstica, exploração de imigrantes, alguns abusos cometidos por um ou outro agente da autoridade, segundo as denúncias dos órgãos da comunicação social e das próprias vítimas.
É certo que as medidas que vêm sendo adoptadas, quanto à divulgação e sensibilização, pelo respeito dos Direitos Humanos, desde os bancos da escola, dão a garantia que se estará no bom caminho, conforme refere PEREIRA, (1978: 27): "O reconhecimento internacional dos grandes progressos realizados por Portugal, no campo dos Direitos Humanos, contribuindo decisivamente para a melhoria espectacular da nossa imagem externa, está na origem de várias atitudes significativas da comunidade internacional em relação ao nosso país, entre os quais: facilidades financeiras, eleição de Portugal para o conselho da Europa, para a Comissão dos Direitos do Homem na ONU e para o conselho de Segurança."
Entendeu-se, pois, oportuno, prosseguir-se nesta caminhada para maior divulgação, exemplificação e defesa dos Direitos Humanos, na convicção de que, nos tempos modernos, entre um cientificismo imparável, uma técnica em permanente mutação e uma tecnologia da informação-computação avassaladora, ocupando cada vez mais tecnocratas, restaria para os filósofos esta nobre missão do século XXI. Nessa perspectiva, abordar-se-á o tema a partir de um autor contemporâneo, com base numa das suas obras que mais convirá ao assunto.
Trata-se de Jürgen Habermas e o seu livro "Facticidad y Validez". Justamente o capítulo sobre a "Reconstrução Interna do Direito: O Sistema dos Direitos". Iniciando esta reflexão pelos Direitos Humanos e a tradição ocidental, na perspectiva histórico-estrutural, abordando depois, no âmbito filosófico do tema, a ideia de como pensar os Direitos do Homem, passando, rapidamente, por uma breve invocação sobre o Direito e a Justiça. Finalmente, centrar este esforço intelectual e filosófico no sistema de direitos de Habermas.
Importará, desde já, aludir, ainda que superficialmente, ao sistema de valores: quer na Constituição da Republica; quer na Lei de Bases do Sistema Educativo quer, por fim, na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos. Em termos de instrumentos jurídicos nacionais e internacionais, eles parecem mais que suficientes, assim houvesse a boa-vontade de os cumprir, mesmo continuando a reflectir-se sobre a operacionalidade e a eficácia dos mesmos.
Sociólogos, juristas, filósofos entre outros, continuam produzindo as mais diversas interpretações, analisando os aspectos que poderiam ser melhorados, nomeadamente, os instrumentos para uma eficaz justiça sobre aqueles que, reiteradamente violam direitos fundamentais: o tribunal internacional dos Direitos Humanos, com jurisdição universal; meios para fazer cumprir as suas decisões (porque por mais teorias que se elaborem, por sistemas "perfeitos" que se criem, a inobservância dos Direitos Humanos, ainda é uma triste realidade. Veja-se o Relatório da Amnistia Internacional de 2007, onde se menciona que cerca de 80 países ainda não cumprem, integralmente, aqueles direitos). Paralelamente ao Tribunal Internacional de Direitos Humanos a que já se fez referência, parece inevitável que em todos os países, se dotem os sistemas de ensino público e privado com uma disciplina obrigatória, ministrada em todos os graus de ensino, por professores com formação em ciências sociais e humanas, manifestamente sensibilizados para os Direitos Humanos.
2. O Sistema de Direitos em Habermas. Direitos Humanos e a Tradição
Ocidental: Uma Perspectiva Histórico-Estrutural
Se se aceitar que a história é um registo de mudança social, e esta é interpretada como mudança estrutural, então ter-se-á uma história para ser contada muitas vezes, o que se torna interessante para a compreensão dos Direitos Humanos. É certo e sabido que os sistemas recíprocos de direitos e deveres devem ser tão antigos como os próprios seres humanos, aliás, o conteúdo normativo concreto varia com a "Lei de Talião", em formulações positivas, negativas ou ambas, muitas vezes usadas como metanorma. A auto-referência será o ponto de apoio para o comportamento para com o outro, ou seja, a metanorma é egocêntrica: "Faz aos outros o que queres que os outros te façam a ti".
Numa breve referência centrada em Deus, seja ele imanente ou transcendente, então e, respectivamente, os direitos do Outro e os deveres do Eu derivam dos deveres para com um Deus transcendental. Exemplo desta ilação pode-se encontrar nos "Dez Mandamentos", os quais constituem o dever do homem para com Deus, como ética vertical, transcendental, em oposição à ética horizontal imanente.
Realmente, ao analisarmos a Cultura Ocidental com o peso das suas tradições, verificamos que o exercício do poder tem estado repartido: ora nas instituições religiosas; ora nos órgãos políticos de um determinado sistema. Parece que os primeiros se situam naquela ideia de um Deus transcendental, fora de mim, dos seres humanos; e, nos segundos, haverá um Deus imanente, centrado em mim e no povo que integro, daqui resultando uma correlação de direitos e deveres que se deveriam equilibrar.
Ao longo da História identificam-se situações de supremacia de uns em relação a outros, e, se é certo que durante a Idade Média as estruturas omnipresente e omnipotente tanto se poderiam encontrar no clero como nas monarquias absolutas, hoje, a separação de poderes, deixa ao critério da acção política civil, a implementação e controlo dos Direitos Humanos. Verifica-se agora, uma intervenção pedagógica e complementar por parte das Instâncias Religiosas e Organizações Não Governamentais.
A estrutura normativa dos Direitos Humanos parte do Estado Comunidade / Organização como transmissor da norma, segundo GALTUNG, (1994: 17-18): "Os Direitos Humanos são implementados como acções concretas levadas a cabo pelo Estado. Elas são de dois tipos: Os Direitos Humanos negativos, concentrando-se nos actos proscritos de que o Estado se deve abster, isto é, na domesticação e na contenção do Estado, fazendo o Estado obedecer aos devidos processos de lei, em princípio criados e sustentados pelo Estado. E, depois, há um segundo tipo, os actos de comissão prescritos, nos quais o Estado se deve envolver." Daqui se conclui que os Direitos Humanos positivos definem o estado providência.
O termo Direitos Humanos focaliza a atenção nos indivíduos humanos e nunca coisa chamada direitos. Se os direitos são concedidos pelo Estado, então a reciprocidade tem de existir sob a forma de deveres, neste caso, seria mais correcto, dizer deveres humanos. Mas se os Direitos Humanos têm uma abrangência universal, então o Estado nacional deverá harmonizar-se com os demais Estados internacionais. Cada um destes conferirá àquele, a legitimidade necessária para proteger a eficácia dos Direitos Humanos em toda a plenitude, de que resultará, a nível mundial, uma desejável situação de Paz e Progresso.
Acontece que para o Estado ficar habilitado a proteger os direitos humanos por um lado, e exigir o cumprimento de Deveres Humanos, por outro, necessita de recursos que, precisamente, assentam no cumprimento dos deveres por parte dos cidadãos, deveres tais como: reprodução da sociedade; pagamento de impostos, cumprimento do serviço militar, sempre e quando for indispensável, com a entrega, se necessário, da própria vida individual de cada um. Neste ponto, o equilíbrio entre direitos e deveres complica-se e complexifica-se, na medida em que a vida é um direito inalienável. Então com que direito é que o Estado exige que o cidadão dê a própria vida, qualquer que seja a causa a defender? Terá o Estado poderes para definir quanto vale a vida dos seus cidadãos?
Observando, o preâmbulo da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, haverá quem o afirme é, exactamente, uma invenção ocidental, é possível comprovar-se que certos valores, princípios e atitudes, são, ou deveriam ser, todavia universais conforme publicado pela AMNISTIA INTERNACIONAL, (s.d.: DUDH, 1948: Preâmbulo) "... os povos das Nações Unidas proclamam de novo, a sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana, na igualdade de Direitos dos Homens e das Mulheres se declaram decididos a favorecer o progresso social e a instaurar melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla."
3. O Âmbito Filosófico do Tema: Pensar os Direitos do Homem
A estrutura dos Direitos Humanos, tal como ficou esboçada e, assumindo que existem Direitos Positivos e Direitos Negativos, em função do ponto de vista do indivíduo e do Estado, respectivamente, também se anotará que os direitos do homem podem servir uma dupla finalidade: formal, enquanto instrumento de luta contra o arbítrio do poder e contra o controle por ele tentado; substancial, na medida em que se procura concretizar um certo número de valores que se articulam em diferentes gerações.
Na tradição filosófica, e ao longo dos tempos, a tentativa de apropriação da herança dos Direitos do Homem tem sido uma constante, destacando-se um certo número de tendências e traços característicos e até se tem analisado a crise dos fundamentos dos direitos do homem, seja na perspectiva céptico-positivista de Hume, seja ao nível holista-nacionalista do romantismo, ou ainda sob o pensamento hegeliano-marxista, histórico-mundial e neo-racionalista.
Tais posições, contestatárias dos fundamentos da filosofia dos Direitos do Homem, surgiram, na própria época, concomitantemente com as Revoluções Inglesas, Americana e Francesa. Tal como foram formuladas nos séculos XVII e XVIII e na óptica de HAARSCHER, (1993: 123) os "direitos do homem pressupõem as noções fundamentais de individualismo, de universalismo, de estado de natureza, de direito natural, de contrato social e de racionalismo."
A filosofia dos Direitos do Homem, apesar das críticas, tem vindo a ganhar terreno. Hoje até já se admite a possibilidade de aceitar uma crítica da razão contratualista. Esta filosofia racionalista foi, mais tarde, contestada porque: por um lado, no mundo contemporâneo, existirá um acordo sobre a necessidade de preservar, como valor fundamental, a dignidade da pessoa, o carácter sagrado do indivíduo; por outro lado, as correntes radicais e fanáticas fazem pouco caso do valor individual. Pese embora os radicalismos existentes, verifica-se que os intelectuais ocidentais, estarão de acordo quanto ao valor essencial do individualismo ético, reconhecendo, com isto, a importância e primordialidade do combate pelos Direitos do Homem.
Diversas teses têm sido defendidas no âmbito da filosofia dos Direitos do Homem, designadamente, quanto ao individualismo ético e individualismo possessivo, conforme e uma vez mais nos transmite HAARSCHER, (1993: 129) "A ideologia tenta sempre anexar a filosofia dos Direitos do Homem, ou seja, fazer com que ela trabalhe para a consolidação de privilégios particulares."
Ora: se o individualismo possessivo, inspecciona o mundo; o outro, o individualismo ético, define-se como o reconhecimento em todo o indivíduo de um limite categórico, imposto ao meu egoísmo. É numa mesma ordem de ideias que Habermas, ao mesmo tempo que reconhece os perigos de dominação da subjectividade egoísta, do arbítrio e dos caprichos dos individualistas, insiste numa tendência muito diferente, igualmente activada na modernidade, segundo a tese de HABERMAS in HAARSCHER, (1993: 133) "a de uma chamada ao primeiro plano, por intermédio da filosofia dos Direitos do Homem, do respeito pelo indivíduo, enquanto suporte daquilo a que lhe chama a «actividade comunicacional."
A modernidade vem-se definindo como uma época que cada vez mais valoriza o espaço público, àquela escolha da democracia na qual as opções éticas ? políticas são reveladas, submetidas à crítica, em que o indivíduo é presumido inocente, (princípio fundamental da segurança, o direito do homem aos direitos dos homens). Habermas, convida-nos a pensar na dualidade da subjectividade moderna, a ambivalência filosófica do individualismo, o que permite dar à Filosofia dos Direitos do Homem uma conotação menos estritamente negativa que até hoje.
Num mundo tão conturbado, onde as violações dos Direitos Humanos, constitui, em alguns países, a regra de actuação de responsáveis políticos, isto leva a pensar que o problema não se situa, inicialmente, no plano ético, mas antes ao nível político. Logo, parece plausível que os governos, integrem na sua composição, cada vez mais, um maior número de individualidades com formação político-filosófica e nos diversos domínios das Ciências Sociais e Humanas, a fim de poderem meditar e resolver problemas imorais, que são autênticas e insuportáveis violações dos direitos humanos.
4. Reconstrução Interna do Direito: O Sistema dos Direitos
Actualmente há quem considere Habermas como o principal nome do pensamento hegeliano-marxiano que, tal como Rawls, pretende propor uma conciliação entre o elemento liberal e o democrático da política moderna. Apoiando-se nos pensamentos políticos de Kant, Hegel e Marx bem como na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, transmite a opinião segundo a qual a ignorância, o esquecimento ou o desprezo pelos Direitos Humanos são os grandes responsáveis pela infelicidade pública, e que estes mesmos factores, contribuem, sem dúvida, para a corrupção dos governos.
O desenvolvimento das sociedades modernas, a partir da Revolução Francesa e um conjunto sequencial de mutações profundas, implica, correlativamente e por via da desintegração das concepções religiosas do mundo, uma nova cultura profana, onde, na perspectiva de HABERMAS, (1998: 13) se infere que: "as modernas crenças empíricas, a autonomização das artes e as teorias da moral e do direito, fundamentadas a partir de princípios, conduziram à formação de esferas culturais de valores que possibilitaram processos de aprendizagem, segundo as leis internas dos problemas teóricos, estéticos ou prático ? morais. "
Compreensivelmente, na sociedade actual, não se colocaria, como então, para aqueles grandes pensadores, o problema central dos Direitos Humanos, na linha de preocupações que hoje nos afecta, muito embora e, designadamente em Kant, uma teoria axiológica fosse profundamente construída e divulgada através das suas obras nas quais as grandes máximas se mantém pertinentes e vigentes. Sabe-se que as máximas são projectos de livre vontade, princípios humanos que é necessário distinguir radicalmente das leis objectivas, como por exemplo, segundo KANT, (1960: 74-78): "Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne universal."
E se é certo que no discurso da modernidade, há uma censura que consiste na acusação dirigida contra uma razão subjectiva, que só denuncia e procura abalar todas as formas de ostensiva opressão, exploração, aviltamento e de exploração para em seu lugar se impor o domínio expugnável da própria racionalidade, também é verdade que a crítica dos hegelianos de esquerda, orientada para a prática e tendo por objectivo a revolução, pretende mobilizar todo aquele potencial da razão. Ora, competirá aos Estados normativizar as regras que não só conceptualizam os Direitos Humanos como também os imponham coercivamente, aliás, já se fala hoje no "Direito de Inferência Humanitária", uma nova figura que se encontra em fase embrionária nos grandes areópagos mundiais, onde os Direitos Humanos ganham cada vez mais importância.
5. O Direito Subjectivo de Mediação Social: Entre Facticidad y Validad,
na Estrutura do Direito Positivo
Antes de entrarmos no sistema dos direitos, conviria referir que HABERMAS, (1998: 63) entende que: "O conceito de razão prática como capacidade subjectiva é uma cunhagem moderna". Desde Aristóteles que a filosofia do sujeito apresentava diversas vantagens entre elas aquela pela qual ARISTÓTELES in HABERMAS, (1998: 63) nomeadamente: "razão prática ficava referida à felicidade individualmente entendida e à autonomia, moralmente levantada do sujeito individualizado, a liberdade do homem como um sujeito privado que também pode assumir os papeis de membro da sociedade civil, de cidadão de um determinado estado e cidadão do mundo."
Se é certo que uma teoria crítica da sociedade não pode circunscrever-se à descrição da relação entre a norma e a realidade, também é verdade que é necessário ter em conta que os direitos que os cidadãos reconhecem, mutuamente entre si, devem regular-se, legitimamente, na sua convivência com o direito positivo. Isto revela que o sistema de direitos em conjunto (direito subjectivo e direito positivo) está angustiado pela tensão interna entre a facticidade e a validade que caracteriza o ambivalente modo de validade que é a validade jurídica. Os direitos subjectivos estabelecem as balizas entre as quais o sujeito está legitimado para afirmar livremente a sua vontade e definem iguais liberdades de acção para todos os indivíduos enquanto portadores de direitos ou na qualidade de pessoas jurídicas, conforme refere HABERMAS, (1998: 147): "A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não cause prejuízo a outro. Assim, o exercício dos direitos naturais de um homem não tem outros limites que os que assegurem aos demais membros da sociedade o desfrute dos mesmos direitos. Esses limites só podem estabelecer-se por lei."
Habermas, (1998: 148) imediatamente a seguir esclarece que: "O Direito não pode limitar-se a cumprir os requisitos funcionais de uma sociedade complexa, tem, também, que satisfazer as precárias condições de uma integração social que, em última instância se efectua através das operações de entendimento intersubjectivo de sujeitos que actuam comunicativamente, ou seja, através de aceitação de pretensões de validade."
O que significa que o direito positivo terá sempre de se compatibilizar, de cooperar e, se quisermos, de complementar, reforçando o direito natural ou subjectivo. É aqui que, de momento, reside a sede do cumprimento, ou não, dos Direitos Humanos que, como se sabe, têm, ainda, a força coerciva para se imporem definitivamente, deixando-se então à vontade dos cidadãos se entenderem, ou não, quanto às regras fundadoras do direito subjectivo ou natural, em função dos direitos consuetudinários de cada sociedade.
Obviamente, estes direitos não são iguais em todo o mundo, mas são imprescindíveis para uma boa convivência no sentido do bem-comum. Em última análise, é dito por Habermas, citando Puchta, (1998: 150) em que sentido o direito, essencialmente o direito subjectivo, deve ser entendido: "o direito é o reconhecimento da liberdade que compete por igual aos homens como sujeitos do poder da sua vontade."
É pois importante a concepção que o pensador transmite dos direitos subjectivos, porquanto eles existem desde sempre. Por outro lado, pela importância vital que exercem na estruturação jurídica das sociedades modernas e, consequentemente, na harmonia entre os homens, colectivamente considerados, HABERMAS, (1998: 154) infere que: "Os direitos subjectivos não estão referidos já pelo seu próprio conceito a indivíduos singulares e estranhos que autopossessivamente se atropelam uns aos outros. Como elementos de ordem jurídica pressupõem melhor a colaboração entre sujeitos que se reconhecem como sujeitos de direitos livres e iguais nos seus direitos e deveres, os quais estão reciprocamente, referidos uns a outros."
6. Os Direitos do Homem
Da interdependência estruturada dos Direitos Subjectivos Naturais e dos Direitos Positivos, no ordenamento jurídico das sociedades modernas, resulta, necessariamente, a observância total ou parcial dos direitos humanos.
Como já foi afirmado anteriormente, tem-se verificado, principalmente a nível da União Europeia, que uma das condições de candidatura de qualquer país a esta organização é, precisamente, o estabelecimento de uma democracia plena, onde os direitos humanos sejam observados. Muito embora o direito positivo seja um direito fundado nas decisões alternadas de um legislador político, ele, o direito positivo, cada vez cobre menos as necessidades da legitimação, recorrendo à tradição ou à eticidade, as quais nos formam ao longo da vida. É sabido que o direito natural clássico, desde a tradição Aristotélica e do direito natural cristão, entraram pelo século XIX, em cujo período se reflectia, na óptica de HABERMAS, (1998: 160) um: "Ethos Social Global", que penetra através das distintas capas sociais da população e vincula mutuamente as diversas ordens sociais."
Não sendo, todavia, os direitos do homem e o principio de soberania popular, as únicas ideias para justificar o direito moderno, vislumbrar-se-ão, certamente, outras duas dimensões que se tornam relevantes no processo de constituição de uma sociedade plural e que têm a ver com: a autodeterminação; e a autorealização.
Com efeito: entre os Direitos do Homem e a soberania popular, por um lado; e as duas dimensões, por outro, não pode, seguramente, estabelecer-se uma correspondência linear. Entre ambos os conceitos dão-se afinidades que podem acentuar-se com mais ou menos força. As tradições políticas actuais nos Estados Unidos, chama-as HABERMAS (1998: 164) de: "liberais e republicanas e entendem por um lado os direitos do homem como expressão de autodeterminação moral, por outro lado, a soberania popular como expressão da autorealização ética".
O sistema de direitos construído por Habermas e que conduzirá, afinal, a uma melhor compreensão, aceitação e cumprimento dos direitos humanos, tem de equilibrar-se na autonomia privada e na autonomia pública dos cidadãos, porque segundo o pensador (1998: 184): "Tal sistema há-de conter, precisamente aqueles direitos que os cidadãos hão-de outorgar-se reciprocamente e regular a sua convivência em termos legítimos com os meios do direito positivo."
E é interessante verificar a importância que os direitos subjectivos ou naturais têm nos ordenamentos jurídicos modernos. O sistema de direitos defendido por Habermas, há-de conter, exactamente, os direitos que os cidadãos têm que se atribuir e reconhecer-se, mutuamente, se quiserem regular legitimamente a sua convivência com os meios do direito positivo. Na verdade, na perspectiva Habermasiana (1998: 188): "O significado das expressões: "direito positivo" e "regulação legítima" fica claro e com o conceito de forma jurídica, a qual estabiliza expectativas sociais de comportamento de modo indicado, e o princípio do discurso, a cuja luz se pode examinar a legitimidade das normas de acção."
Habermas introduz, então, três categorias de direitos que integram o código que é o direito de poder, o status das pessoas jurídicas (1998: 188): a) "Direitos fundamentais que resultam do desenvolvimento e configuração politicamente autónomos do direito no maior grau possível de ajudar liberdades subjectivas de acção; b) Direitos fundamentais que resultam do desenvolvimento e configuração politicamente autónomos do status do membro da associação voluntária que é a comunidade jurídica; c) Direitos fundamentais que resultam directamente da accionabilidade dos direitos, ou seja, da possibilidade de reclamar juridicamente o seu cumprimento e do desenvolvimento e configuração politicamente autónomos da protecção dos direitos individuais."
É, portanto, a partir daqueles direitos fundamentais: iguais liberdades subjectivas de acção; status da comunidade jurídica e protecção dos direitos individuais que emergem os direitos essenciais, para participar com igualdade de oportunidades em processos de formação da opinião pública, na vontade comum dos cidadãos em exercerem a sua autonomia política, mediante os que estabelecem direito legítimo.
Os direitos políticos fundam o status de cidadãos livres e iguais, que constituem auto-referência, possibilitando aos cidadãos mudar a sua posição jurídico-material; com a finalidade de interpretar, desenvolver e configurar, mediante a troca da sua autonomia privada e sua autonomia pública. Os direitos fundamentais que garantam condições de vida, que estejam social, técnica e ecologicamente asseguradas, na medida em que isso seja necessário, em cada caso, para um gozo, em termos de igualdade de oportunidades, dos direitos civis, automencionados.
Se é verdade que os Direitos Humanos, fundados nos Direitos Subjectivo/Natural e Positivo/Legalista, são legais e legítimos, não é menos verdade que o seu cumprimento ecuménico carece de eficácia e para que esta se verifique torna-se indispensável a aplicação de regras sancionatórias, coercivas para todos os que os violam. Entretanto e numa perspectiva pedagógica, entre outros meios disponíveis, salientam-se a educação e a religião, cujas características específicas, vocacionadas para a formação cívica e moral do homem, respectivamente, podem contribuir de forma decisiva para que, dentro de algumas décadas, a paz no mundo esteja mais próxima da sua concretização, se todos compreenderem e respeitarem os direitos de cada um, a começar pelo próprio indivíduo
Nesta linha de pensamento, é oportuno reflectir porque os tempos actuais são diferentes e, certamente, no futuro, outros valores preocuparão a humanidade. Isto não implica estar contra as conquistas da modernidade, ou seja, contra a liberdade, a igualdade e a fraternidade; contra a democracia e os direitos humanos, por isso, dizia-se há pouco que a educação e a religião podem ajudar, decisivamente, aliás, hoje em dia, um sistema religioso, com linhas de orientação em relação à realidade e uma visão científico-tecnológica do mundo, não se excluem obrigatoriamente, tal como a fé religiosa não exclui o empenhamento político.
Passaram-se mais de dois séculos sobre a Revolução Francesa e a proclamação da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Parece certo que a maior parte dos Estados, como também a maior parte das Igrejas, defendem, em teoria, valores e princípios fundamentais: a inviolabilidade da pessoa humana; a liberdade inalienável do ser humano; o princípio da igualdade de todos os seres humanos; a necessidade de solidariedade entre todos os homens.
Parece perfeitamente plausível não só defender tais princípios e valores, como também acrescentar outro tipo de preocupações essenciais, para que o terceiro milénio seja um período não só de liberdade, mas também de igualdade e de justiça, que conduzam a uma sociedade em que os seres humanos possuam igualdade de direitos, vivam colectivamente numa atmosfera de solidariedade, longe das diferenças tão vincadas que separam ricos e pobres, poderosos e oprimidos e a progressiva eliminação, da fome, do desemprego da violação dos Direitos Humanos e outros males que atormentam esta sociedade dita de sucesso.
Tem-se defendido que caberá um papel importante, mesmo imprescindível, à filosofia contemporânea, (esvaziada que vai sendo: não só pelos avanços da ciência, da técnica e da técnologia; como, lamentavelmente, por alguns dos seus detractores) no sentido de defender e incutir na humanidade um novo conceito da pessoa humana enquanto sujeito de direitos e deveres: Cidadão integral dum único universo.
Quaisquer que sejam as estruturas que fundamentam um corpo jurídico de direitos e deveres, não haverá duvidas que, directa ou indirectamente, explicita ou implicitamente, elas integrarão os princípios e valores que consagram os Direitos Humanos, sendo certo que numa democracia do tipo Ocidental, nos verdadeiros Estados de Direito Democrático, é impensável qualquer ausência e/ou referência forte aos Direitos Humanos.
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Diamantino Lourenço Rodrigues de Bártolo
bartolo.profuniv@mail.pt
http://diamantinobartolo.blogspot.com
Mestre em Filosofia Moderna e Contemporânea
Universidades: Minho/Portugal; Unicamp/Brasil
Doutor em Filosofia Social e Política
Faculdade Teológica e Cultural da Bahia -Brasil
Professor-Formador