FACULDADE SANTA RITA DE CÁSSIA

CURSO DE DIREITO

 

JANAINA GONCALVES DE OLIVEIRA LEMES

JUBERTRAN MARQUES ALMEIDA JÚNIOR

 

 

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR E O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015

 

 

 

ITUMBIARA-GO

2018

JANAINA GONCALVES DE OLIVEIRA LEMES

JUBERTRAN MARQUES ALMEIDA JÚNIOR

 

 

 

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR E O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015

 

Trabalho Interdisciplinar apresentado ao 7° período do curso de Direito da Faculdade Santa Rita de Cássia como quesito para aprovação no 2° bimestre de 2018, sob a orientação do Professor Murilo Moreira Martins.

 

 

ITUMBIARA-GO

2018

OS DIREITOS DO CONSUMIDOR E O TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL 2015

 

CONSUMER RIGHTS AND THE TREATMENT OF THE OVER-INDEBTEDNESS IN THE CIVIL PROCEDURE CODE 2015

 

Janaina Goncalves de Oliveira Lemes [1]

Jubertran Marques Almeida Júnior[2]

Murilo Moreira Martins[3]

 

RESUMO: Este Artigo científico tem como principal objetivo analisar o fenômeno do superendividamento no Brasil, do ponto de vista normativo e doutrinário, levando em consideração o tratamento do superendividado pelo Código de Defesa do Consumidor, pelo Código de Processo Civil de 2015 e Projeto de Lei nº 3.515/2015, que aperfeiçoa a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento. Para tanto, por meio de pesquisa bibliográfica sistemática, foi realizado um breve levantamento histórico deste fenômeno no Brasil, buscando avaliar os principais fatores envolvidos como a sedução do consumidor por meio de marketing agressivo, a manipulação de vontades em massa, a liberação irrestrita de crédito e o uso irresponsável deste benefício, a falta de educação e conscientização financeira, entre outros. Demonstrou-se também o conceito de superendividamento, suas principais características e a expectativa das mudanças geradas pelo Projeto de Lei em tramitação, que estabelece medidas e mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural, como regras de concessão de crédito, proibição de propagandas abusivas e a conciliação do superendividado.

 

PALAVRAS CHAVE: Superendividamento; Crédito; Prevenção e Tratamento.

 

ABSTRACT: This scientific article has as main objective to analyze the phenomenon of the super indebtedness in Brazil, from the normative and doctrinal point of view, taking into account the treatment of the over-indebted by the Code of Consumer Defense, by the Code of Civil Procedure of 2015 and Draft Law nº 3.515 / 2015, which improves the discipline of consumer credit and provides for the prevention and treatment of over-indebtedness. In order to do so, through a systematic bibliographical research, a brief historical survey of this phenomenon was carried out in Brazil, seeking to evaluate the main factors involved as the seduction of the consumer through aggressive marketing, manipulation of mass wills, unrestricted release of credit and the irresponsible use of this benefit, lack of education and financial awareness, among others. The concept of over-indebtedness, its main characteristics and the expectation of the changes generated by the Bill in process, which establishes measures and mechanisms for the prevention and extrajudicial and judicial treatment of the super indebtedness and protection of the consumer natural person, such as rules of granting of credit, prohibition of abusive advertising and conciliation of the super inde pendent.

 

KEY-WORDS: Super indebtedness; Credit; Prevention and Treatment.

 

SUMÁRIO: 1 – Introdução; 2 – O que é o Superendividamento?; 3 – Tratamento do superendividado: CDC X CPC/2015; 4 – Possíveis mudança no CDC pela PL 3515/2015; 5 – Considerações Finais; Referências Bibliográficas.

 

1 - INTRODUÇÃO

 

O superendividamento é um fenômeno que tem se espalhado pelo mundo e chegou ao Brasil, que enfrenta a pior crise da sua história, tanto no aspecto político com alguns dos maiores escândalos de corrupção do mundo, revelados pela Operação Lava Jato[4], quanto no que diz respeito à economia do país. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos últimos 3 anos mais de 340 mil empresas foram fechadas no país, sendo que o comércio foi o setor mais afetado com 262,3 mil baixas, seguido pela indústria de transformação com 37,6 mil e em terceiro lugar o segmento de alojamento e alimentação com cerca de 15,6 mil empresas fechadas.

O fim dessas empresas somado às baixas vendas, a contração nas prestações de serviços e à redução da produção em vários setores industriais, resultaram no acúmulo total 13,7 milhões de desempregados no primeiro trimestre de 2018, e na diminuição de 327 mil postos de trabalho na indústria, 389 mil na construção civil e 396 mil no comércio, ou seja, uma redução de mais de 1.100.000 (um milhão e cem mil) postos de trabalho só nestes setores, em relação ao mesmo período do ano de 2017.

Não bastassem números das falências e dos desempregos, a crise também levou os brasileiros a baterem outro recorde histórico, o da inadimplência. Segundo o Serasa Experian, o número de inadimplentes no Brasil em junho de 2018 chegou a 61,8 milhões, um total de 40,3% da população adulta, alcançando um montante de R$ 237.400.000,00 (duzentos e trinta e sete bilhões e quatrocentos milhões de reais), uma consequência do enfraquecimento do ritmo econômico e das elevadas taxas de desemprego, que levaram o brasileiro a atrasar o pagamento de suas dívidas. Entre os inadimplentes, destacam-se os idosos que se encontram com dificuldades para pagar até mesmo as despesas básicas como água, luz e gás[5].

O que mais espanta é o fato dessa crise vir logo após um período de prosperidade e crescimento econômico no Brasil, visto que entre os anos de 2008 e 2010, como resposta à crise econômica americana, que acabou por afetar a economia global, o   Governo brasileiro reduziu as taxas juros como forma de estímulo ao crédito, ampliando as possibilidades de empréstimos às empresas, possibilitando a manutenção e a criação de muitos postos de trabalho e um crescimento da economia de 7,5% em 2010, mas em contrapartida, o povo brasileiro foi induzido ao consumo, para que estas empresas sobrevivessem, endividando o consumidor que se via encantado com a chance de conquistar em várias parcelas o primeiro carro ou moto, a tão sonhada geladeira, a TV de 50”, e até mesmo a casa própria. Segundo a Doutora Joseane Suzart Lopes da Silva (2017):

O superendividamento dos consumidores brasileiros é um fenômeno que vem se expandindo na última década, tornando-se preocupante, principalmente, a partir da ascensão das classes menos favorecidas incentivada pelos programas sociais promovidos pelo Governo Federal. Nos dias atuais, o consumo de produtos e de serviços tem galgado patamares elevados em todos os grupos sociais, tendo os menos abastados buscado itens com preços menores, mas que, anteriormente, sequer eram procurados diante da falta de recursos econômicos e financeiros. Providências sérias no campo legislativo, administrativo e judicial devem ser adotadas para que os consumidores superendividados possam conseguir solucionar a situação angustiante que estão convivendo.

Este fenômeno do endividamento em massa, o chamado superendividamento, que se refere não só à quantidade de pessoas endividadas, mas ao quanto cada indivíduo deve em relação ao quanto pode pagar, é o objeto principal deste artigo científico, no qual será analisado o histórico do fenômeno do superendividamento e a atual situação do endividamento do povo brasileiro. Buscar-se-á também fazer uma minuciosa comparação entre o tratamento jurídico do superendividado pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo Novo Código de Processo Civil de 2015, com o objetivo de responder ao seguinte problema: O tratamento disponibilizado ao superendividado, pelo atual ordenamento jurídico é o suficiente para prevenir e sanar o fenômeno do superendividamento?

A análise realizada nessas duas fontes, levará em consideração o ponto de vista doutrinário e jurisprudencial, visto que os estudos realizados sobre o superendividamento e os julgamentos dos nossos tribunais, assim como as decisões judiciais e as leis de outros países são as únicas fontes possíveis a serem utilizadas, pois o Brasil ainda não conta com legislação própria para lidar com este fenômeno, que se mostra em constante crescimento não só no em nosso país, mas em todo o mundo.

Outro ponto importante da pesquisa será a demonstração de urgência na aprovação do Projeto de Lei nº 3.515, que se encontra parado na Câmara dos Deputados desde 13 de junho de 2017, aguardando a Criação de uma Comissão Temporária, para analisar o projeto do ponto de vista técnico. Este projeto de lei, que já foi aprovado pela Comissão de Defesa do Consumidor da Câmara, é da autoria do Senador José Sarney (origem: PLS 283/2012), e propões alterar a Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), e o art. 96 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispor sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

 

2 – O QUE É SUPRENDIVIDAMENTO?

 

O superendividamento é um fenômeno no qual há um endividamento extremo da população, de forma que, o que cada indivíduo ganha não é suficiente para pagar as suas dívidas vencidas e vincendas, transformando o consumidor em um SUPERENDIVIDADO, ou seja, há a impossibilidade do devedor pagar seu conjunto de dívidas. Para o ordenamento jurídico brasileiro, o conceito mais moderno do termo superendividamento encontra-se no Projeto de Lei 3515/2015, que traz a seguinte redação:

§ 1º Entende-se por superendividamento a impossibilidade manifesta de o consumidor, pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação. § 2º As dívidas de que trata o § 1º englobam quaisquer compromissos financeiros assumidos, inclusive operações de crédito, compras a prazo e serviços de prestação continuada. § 3º Não se aplica o disposto neste Capítulo ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé ou sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento.”

Dessa forma, para que se caracterize o superendividamento são necessários dois requisitos essenciais: O primeiro requisito, de ordem pessoal ou subjetiva, é que apenas as pessoas físicas/naturais enquadram-se como superendividados e podem se beneficiar das previsões da PL 3515/2015 (que estudaremos adiante); O segundo, de ordem material e objetiva, diz respeito a natureza dos débitos em questão, pois as dívidas constituídas mediante fraude ou má-fé, as resultantes do exercício profissional, as obrigações alimentares e as que devem ser pagas ao poder público não são englobadas no montante a ser negociado nos termos deste projeto de lei.

Joseane Suzart (2017), ensina que a doutrina europeia e a norte-americana classificam este fenômeno pela forma como as dívidas foram constituídas, dividindo-se em: superendividamento ativo e superendividamento passivo. Na primeira classificação, o consumidor adquire as dívidas por comprar ou contratar serviços de forma descontrolada e imprudente, sem analisar suas possibilidades financeiras em face dos compromissos que está assumindo de boa-fé, pois se suas ações forem de má-fé, não terá direito a proteção assegurada para o superendividado, neste caso as ações do consumidor podem se dar por exemplo por “inexperiência, pobreza, reduzido nível de escolaridade, entre outras circunstâncias que impossibilitam os indivíduos de avaliar de forma correta a sua capacidade de reembolso e da concessão abusiva do crédito.” Já no superendividamento passivo o consumidor não contribuiu diretamente para que o endividamento aconteça, visto que ocorre por situações alheias à sua vontade como desemprego, doença, falecimento de ente familiar, entre outras.

Percebe-se assim que o superendividamento não é um fenômeno instantâneo, visto que vem se espalhando pelo mundo nas últimas décadas, originando-se de causas análogas, como a sedução do consumidor por meio de marketing, vinculando a aquisição de determinados produtos à felicidade, e a oferta descontrolada de crédito, quase que sem critérios mínimos de aprovação. Cristina Tereza Gaulia assevera que:

As estratégias sorrateiras do mercado de financeirização para o consumo se unem à criatividade da publicidade lastreada na cultura (histórica) da construção do status social. Por meio de processos sutis que incentivam a imitação e, ao mesmo tempo, acenam com uma diferenciação social, a publicidade mostra os prazeres, a alegria, os sorrisos, a materialização dos sonhos e a fama daqueles personagens que, de tempos em tempos, passam a conduzir os destinos e vivências da sociedade de consumo. (GAULIA, p.54, 2016)

A autora ainda dá destaque à teoria trickle-down que se mostrava como uma engenhosa descrição da mudança de moda, ou força motivadora para a inovação, na qual grupos sociais subordinados, tentam reivindicar um novo status, adotando a roupagem de grupos superiores, adotando novas modas. Dessa forma renunciam aos antigos marcadores de status sociais e abraçam novos, abandonando as reinvindicações dos grupos subordinados.

Tais tendências geram uma sedução e manipulação de vontades em massa, levando ao endividamento, de forma que há boa margem de dúvida sobre a autonomia da vontade do consumidor. Outro mecanismo de persuasão que contribui de forma cada vez mais eficiente a induzir o consumidor a consumir sempre mais, é o “noticiário midiático que provoca o medo nas pessoas de andarem nas ruas, somada tal motivação à atmosfera de segurança, beleza e paz das modernas catedrais de consumo: os shopping-centers” (GAULIA, p.55, 2016).

Dessa forma a autora destaca que essa estratégia é eficiente, pois o consumidor em situação de vulnerabilidade, motivado por sentimentos que foram despertados pelo marketing agressivo das grandes empresas, associado a promessa de felicidade, status social, segurança, paz e tantos outros elementos que se formam a concepção de realização de cada indivíduo inserido na sociedade, irá comprar descontrolada e inconscientemente, comprometendo-se além da sua capacidade financeira, endividando-se cada vez mais.

 

3 – TRATAMENTO DO SUPERENDIVIDADO: CDC X CPC/2015

 

Primeiramente vale ressaltar que tanto o CDC, quanto o CPC/21015, não trazem o termo “SUPERENDIVIDADO” de forma expressa, nem tampouco fazem referência à existência do fenômeno do superendividamento. O que se tem em ambas as leis é um tratamento genérico, no qual, ou o superendividado é tratado de forma idêntica ao endividado comum, ou é tratado como insolvente, o que não faz justiça frente à condição vulnerável e exponencialmente delicada daquele.

Segundo a Coordenadora do Núcleo de Defesa do Consumidor da Defensoria Pública do Rio de Janeiro (Nudecon), Patrícia Cardoso Maciel Tavares (2016), o novo CPC não se preocupou com o superendividamento, visto que não trouxe nada que auxiliasse na solução ou prevenção do fenômeno, mas apenas determinou em seu artigo 1.052 que “até a edição de lei específica, as execuções contra devedor insolvente, em curso ou que venham a ser propostas, permanecem reguladas pelo Livro II, Título IV, da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973”.

Ou seja, o novo CPC, não se importou com este fenômeno, pois o único tratamento que o CPC de 73 deu para o superendividamento foi a regulação do processo de insolvência, que não é um tratamento propriamente dito, mas apenas um mecanismo mais objetivo em termos de ação judicial em face do superendividado.

A Defensora Pública do estado do Rio de Janeiro ainda enfatiza que a insolvência civil é um procedimento ultrapassado e que caiu completamente em desuso, visto que ninguém mais tem interesse neste tipo de processo, pois além de não resolver o problema do consumidor superendividado, é um processo extremamente complexo, cheio de fases difíceis, que na verdade deixou de ser utilizado após o advento das ações de limitação, que preservam o mínimo existencial[6] sem engessar o consumidor, dando-lhe poder para negociar os outros contratos. Ademais, a insolvência tira do superendividado o domínio da sua reestruturação financeira e não prestigia a conciliação.

Contudo, Patrícia Cardoso assevera que mesmo não fazendo referência direta ao superendividamento, o CPC/2015 pode ajudar com a possibilidade de mediação e conciliação no tratamento individualizado entre credores e devedores, possibilitando a reestruturação da vida financeira do superendividado. Isso porque tais técnicas podem trazer a solução concreta do problema deste consumidor, traçando de forma consensual uma repactuação levando em consideração o começo, o meio e o fim da dívida, possibilitando um acordo que caiba no bolso do superendividado.

Tal preocupação se dá, pela forma como o consumidor insolvente é tratado pelo artigo 752 da norma ainda vigente, que estabelece que a partir do momento que for declarada a insolvência, o devedor perde o direito de administrar os seus bens e de dispor deles, até a liquidação total da massa. A administração da massa dos bens do devedor, será realizada por um dos maiores credores, nomeado pelo juiz na sentença que declarar a insolvência (artigo 763, CPC/73).

Além disso, nos termos do artigo 751 do CPC/73 a declaração de insolvência do devedor produz: o vencimento antecipado das suas dívidas; a arrecadação de todos os seus bens suscetíveis de penhora, quer os atuais, quer os adquiridos no curso do processo; a execução por concurso universal dos seus credores. Dessa forma, o superendividado perderá a administração de todos os bens que não forem impenhoráveis (833 do CPC/2015), que serão utilizados na execução das dívidas, implicando na expropriação dos bens, que serão alienados em praça ou leilão pelo administrador (§2º, 762; 766, IV, CPC/73).

Diante de tais previsões legais, mesmo estando o superendividado de boa-fé, buscando equilibrar e restaurar sua vida financeira, não terá chances de fazê-lo, pois seu patrimônio será arrancado de si e repartido entre seus credores. E caso ainda não seja suficiente para quitar o montante das dívidas, ainda ficará o superendividado obrigado pelo saldo devedor, respondendo com os bens penhoráveis que adquirir, até que sejam extintas todas as obrigações, conforme os artigos 774 e 775 do antigo CPC.

Este modelo de tratamento do superendividado não corresponde a um processo democrático, pautado pelos princípios da dignidade da pessoa humana, da cooperação entre as partes, da menor onerosidade ao executado, entre outros, visto que, não adianta traçar um plano de pagamento que não preserve o mínimo existencial e não seja adequado ao devedor, deixando-o em situação ainda pior. Por isso é importante que o consumidor seja um agente ativo na solução do problema, o que pode ser feito materialmente pelo Poder Judiciário, mesmo sem a edição de lei específica, solucionando os casos que lhe são apresentados por meio da mediação e da conciliação (TAVARES, 2016).

Já no Código de Defesa do Consumidor, apesar de não tratar de forma expressa o fenômeno do superendividamento, como já dito anteriormente, estabelece entre outras, uma proteção mais clara ao endividado no que diz respeito a sua integridade moral no artigo 42, de modo que “na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça”, além disso há a possibilidade de indenização por cobrança indevida e a necessidade de dados indispensáveis nos documentos de cobrança, como nome, endereço, CPF ou CNPJ, todos com o intuito de individualizar a pessoa do devedor e não responsabilizar outrem pela dívida.

O CDC ainda estabelece de forma sutil, em seu artigo 52, a necessidade de se descrever as condições no fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor. De uma forma geral, percebe-se que o CDC tem um formato protecionista em benefício do consumidor, mas nada que previna ou trate o superendividamento, o que justifica as várias mudanças e preenchimentos de lacunas trazidos pela PL 3515/2015, para adequar esta norma aos princípios constitucionais e modificar o tratamento desumano estabelecido no processo de insolvência do CPC/73.

 

5 – POSSÍVEIS MUDANÇA NO CDC PELA PL 3515/2015

 

Diante de todos esses conflitos e problemas, surge a necessidade de se regulamentar um tratamento próprio ao superendividado em nosso país. Atualmente há grande expectativa de aprovação do Projeto de Lei 3515/2015, que propõe alterações ao Código de Defesa do Consumidor e ao Estatuto do Idoso, para aperfeiçoar a disciplina do crédito ao consumidor e dispõe sobre a prevenção e o tratamento do superendividamento.

Inicialmente esta PL inclui à Política Nacional de Consumo, prevista nos artigos 4º e 5º do CDC,  os princípios do fomento de ações visando à educação financeira e ambiental dos consumidores, e da prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor, acrescentando também a instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural, assim como núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento.

Seguindo a tendência do estímulo do uso dos meios de autocomposição, previsto no artigo 3º do CPC/2015, o projeto de lei regulamenta a conciliação no tratamento do superendividamento, ao estabelecer a repactuação de dívidas através de um processo judicial, que ocorrerá a requerimento do consumidor superendividado, visando à realização de audiência conciliatória, presidida por um juiz ou conciliador credenciado no juízo, com a presença de todos os credores, em que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 anos, preservados o mínimo existencial, nos termos da regulamentação, e as garantias e as formas de pagamento originalmente pactuadas.

Outro ponto fundamental, é a inclusão da garantia de práticas de crédito responsável, de educação financeira, de prevenção e tratamento de situações de superendividamento, nos direitos básicos do consumidor (artigo 6º, CDC), visto que estes são alguns dos fatores que contribuíram para o crescimento do superendividamento na sociedade moderna, como já anteriormente citado, pois,  a oferta de crédito em grande escala e sem que haja o mínimo de conscientização do consumidor, seduzido pelo marketing apelativo, por estar encantado, ou por plena ignorância, age de forma irresponsável, adquirindo dívidas, além do que pode pagar, tornando-se um superendividado.

Em conjunto com esses direitos, o artigo 54-B da PL 3515/2015, prevê que tanto no fornecimento de crédito, quanto na venda a prazo, além das informações obrigatórias previstas no artigo 52 do CDC, o fornecedor ou o intermediário deverá informar o consumidor, prévia e adequadamente, no momento da oferta, entre outras coisas, sobre: o custo efetivo total e a descrição dos elementos que o compõem; a taxa efetiva mensal de juros, bem como a taxa dos juros de mora e o total de encargos, de qualquer natureza, previstos para o atraso no pagamento; o montante das prestações e o prazo de validade da oferta, que deve ser no mínimo de 2 dias; o nome e o endereço, inclusive o eletrônico, do fornecedor; o direito do consumidor à liquidação antecipada e não onerosa do débito. Estas informações deverão estar dispostas de forma clara e resumida no próprio contrato, fatura ou em instrumento apartado, mas que seja de fácil acesso e entendimento ao consumidor.

Além disso, todas as informações sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes, assim como, sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento, deverão ser esclarecidas ao consumidor considerando sua idade, saúde, conhecimento, condição social. O fornecedor também deverá avaliar a capacidade e as condições do consumidor de pagar a dívida contratada, mediante solicitação da documentação necessária e das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito. Somado a estas obrigações o artigo 54-C ainda traz as seguintes vedações:

Art. 54-C. É vedado, expressa ou implicitamente, na oferta de crédito ao consumidor, publicitária ou não: I - fazer referência a crédito “sem juros”, “gratuito”, “sem acréscimo”, com “taxa zero” ou expressão de sentido ou entendimento semelhante; II - indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor; III - ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo; IV - assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, inclusive a distância, por meio eletrônico ou por telefone, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio; V - condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais. Parágrafo único. O disposto no inciso I do caput deste artigo não se aplica à oferta de produto ou serviço para pagamento por meio de cartão de crédito. (BRASIL, 2015)

Todavia, se houver o descumprimento de qualquer desses deveres, poderá ocorrer  judicialmente, a inexigibilidade ou a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, levando-se em consideração, a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor, conforme o parágrafo único do artigo 54-D da PL 3515/2015.

Em todos os casos, percebe-se a preocupação do legislador em garantir que haja clareza para ambas as partes, que o consumidor saiba em detalhes as consequências da sua aquisição, independente do seu grau de escolaridade ou conhecimento de mundo, e que o fornecedor não seja vítima de fraude, por parte do consumidor, que pode simplesmente aproveitar-se da condição de ser a parte vulnerável ou hipossuficiente da relação de consumo, agindo de má-fé, causando-lhe prejuízos. Cumprindo com esses requisitos básicos, o fornecedor irá contribuir para que o consumidor seja mais responsável e tenha ciência de todas as consequências da dívida que está adquirindo, cumprindo também com a obrigação de se garantir ao consumidor, práticas de crédito responsável, de educação financeira e de prevenção e tratamento de situações de superendividamento.

 

6 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Ante todo o exposto pode-se concluir que o tratamento disponibilizado ao superendividado, pelo atual ordenamento jurídico não é o suficiente para prevenir e sanar o fenômeno do superendividamento, pelo contrário, a “solução” apresentada pelo Código de Processo Civil de 1973 se mostra desumana e violadora de vários princípios constitucionais, pois consiste basicamente em “combater a doença matando o doente”, o que de modo algum representa solução adequada.

Dessa forma torna-se evidente a urgência na aprovação e aplicação do PL 3515/2015, que não só aperfeiçoará a disciplina da repactuação e concessão de crédito responsável ao consumidor, como também trará dispositivos para o fomento da educação financeira e a preservação do mínimo existencial, para que de forma gradativa, o superendividamento seja tratado e prevenido, garantindo-se ao superendividado todos os seus direitos.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

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SILVA, Joseane Suzart Lopes da. Superendividamento dos consumidores brasileiros e a imprescindível aprovação do PL 283/2012. In. MARQUES, Claudia Lima; CAVALLAZZI, Rosângela Lunardelli; LIMA, Clarissa Costa de. Direitos do Consumidor Endividado II – Vulnerabilidade e Inclusão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,2016.

 

 

TREVIZAN, Karina. Brasil enfrenta a pior crise já registrada poucos anos após um boom econômico. G1. São Paulo, 07 de março de 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/economia/noticia/brasil-enfrenta-pior-crise-ja-registrada-poucos-anos-apos-um-boom-economico.ghtml>. Acesso em 13 de setembro de 201

 

[1] Graduada em Administração de Empresas, Pós-graduada em Administração e Estratégia Empresarial pelo Instituto Luterano de Ensino Superior de Itumbiara Ulbra, graduando em Direito; Coordenadora de mercado na Caramuru Alimentos SÁ. E-mail: [email protected].

[2] Graduado em Ciências Econômicas pela UEG, graduando em Direito, Servidor público. E-mail: [email protected].

[3]Graduado em Direito, especialista em Direito Público e Mestrando em Direitos e Garantias fundamentais pela Universidade Federal de Uberlândia-MG; Assessor jurídico do MPGO e professor. E-mail: [email protected].

[4] Segundo dados do Ministério Público Federal: “A operação Lava Jato é a maior iniciativa de combate a corrupção e lavagem de dinheiro da história do Brasil. Iniciada em março de 2014, com a investigação perante a Justiça Federal em Curitiba de quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, a Lava Jato já apontou irregularidades na Petrobras, maior estatal do país, bem como em contratos vultosos, como o da construção da usina nuclear Angra 3. Possui hoje desdobramentos no Rio de Janeiro e no Distrito Federal, além de inquéritos criminais junto ao Supremo Tribunal Federal para apurar fatos atribuídos a pessoas com prerrogativa de função. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres públicos esteja na casa de bilhões de reais. Soma-se a isso a expressão econômica e política dos suspeitos de participar dos esquemas de corrupção investigados”. Os dados atualizados pelo MPF em 10 de setembro de 2017 indicam entre outros: 2.476 procedimentos instaurados; 962 mandados de busca e apreensão; 548 pedidos de cooperação internacional envolvendo mais de 50 países; 81 acusações criminais contra 346 pessoas; 221 condenações contra 139 pessoas; um valor total de ressarcimento pedido de R$ 38,1 bilhões; e a incrível quantia de R$ 12,5 trilhões em valores analisados em operações financeiras.

[5]Os dados apurados pela Serasa Experian em julho de 2018 revelam um comportamento de inadimplência entre os idosos muito diferente do padrão de dívidas em atraso que prevalece entre os adultos mais jovens no país. Os compromissos que os brasileiros acima de 61 anos mais deixaram de pagar são as contas básicas de água, energia e gás (34,30%), sendo que esse débito no índice geral da população corresponde a 19,40% do total, uma diferença de 14,9 pontos percentuais. (...) O sétimo mês de 2018 contabilizou 8,8 milhões de idosos que deixaram de pagar em dia seus compromissos – um aumento de 10% em relação ao apurado no período correspondente do ano passado (8 milhões). O valor do montante de contas em atraso entres os inadimplentes na faixa etária acima de 61 anos também subiu, e atingiu R$ 41,1 bilhões. Isso resulta em uma dívida média de R$ 4.668,00 por idoso.

[6] Segundo Salomão Ismail Filho, o mínimo existencial é o conjunto de direitos fundamentais mínimos, que asseguram o núcleo essencial da dignidade da pessoa humana. Esse patamar de conteúdo mínimo, visando garantir a qualidade de vida população, deve ter por referência o artigo 25 da Declaração dos Direitos Humanos da ONU de 1948, o qual assegura que todo ser humano e seus familiares têm direito a uma qualidade de vida tal que lhes sejam assegurados saúde, alimentação, habitação, vestuário e serviços de previdência social os quais garantam proteção contra o desemprego, a viuvez e a velhice, dentre outras providências. Acrescentaríamos, ainda, a educação como um direito social básico a ser garantido pelos poderes constituídos. Nesse sentido, como norma internacional complementar à declaração de direitos humanos, a ONU editou a Resolução 2.200-A (XXI), em 16/12/1966, que trata do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (Pidesc). Deveras, o referido pacto internacional, expressamente, consagra a proteção contra a fome (artigo 11, parágrafo 2º) e a educação (artigo 13, parágrafo 1º) como direitos fundamentais sociais a serem assegurados pelos Estados signatários. Eis a ideia de garantir a todo ser humano uma “segurança básica”, consistente em um mínimo existencial que lhe deve ser garantido, através da proteção da sua integridade física e psíquica em todas as suas dimensões, mediante a oferta de uma assistência social, permitindo que qualquer indivíduo possa viver a sua vida de forma digna, autodeterminada e livre (GOSEPATH, 2013, p. 79-80). De fato, o mínimo existencial não trata apenas de garantir ao ser humano um “mínimo vital”, mas um mínimo de qualidade vida, o qual lhe permita viver com dignidade, tendo a oportunidade de exercer a sua liberdade no plano individual (perante si mesmo) e social (perante a comunidade onde se encontra inserido) (FILHO, 2016).