Mesmo partindo de uma definição básica, segundo a qual a democracia é um sistema de governo onde o poder de tomar importantes decisões políticas está com o povo. Penso que todos moçambicanos, mesmo os que comummente são mais cépticos, estariam de acordo em concordar que a democracia moçambicana é uma realidade muito além da desejada. Porém, apesar de não ser uma democracia desejável, para os mais introspectivos não seria incompreensível; pois, tal como diz Conceição Osório, “a introdução do multipartidarismo em Moçambique, que se seguiu a um período de orientação socialista, realiza-se em um contexto de dominação hegemónica do modelo democrático. Em um país sem tradição democrática, saído de uma situação colonial e de uma guerra civil que dilacerou as pessoas e instituições”. Mas, além de ser recente, a democracia moçambicana é resultante de conflito armado e, a democracia como já é sabido é uma construção permanente; e como diz Dahl “seria um equívoco pressupor que a democracia houvesse sido inventada de uma vez por todas como, por exemplo, foi inventada a máquina a vapor”.

Para ser mais exacto, pode-se dizer que a democracia moçambicana, nos moldes normais da actualidade, é oficialmente estabelecida a partir de 1994 como consequência das alterações no modelo político introduzidas na constituição de 1990, concretizadas com a realização das primeiras eleições multipartidárias que criou novos campos de Intervenção pública, permitindo a produção de novas formas de acesso e ocupação do espaço político.

Neste caso, a democracia para Moçambique passa de ideia à realização a partir das primeiras eleições em 1994, isto porque, para além de que, “as eleições operam como símbolo e instrumento eficaz de legitimação e organização do poder nas sociedades que se estruturam tendo como base o pluralismo político” tal como diz Dias, “as eleições livres permanece, ao menos até agora, como a única forma na qual a democracia encontrou a sua concreta actuação” avança Bobbio. E para o caso de Moçambique, as eleições foram muito mais do que eleger, deram um passo qualitativo para a democracia, pois, com o processo eleitoral os moçambicanos inauguraram uma realidade até então desconhecida. A superação do mito do partido único foi um dos maiores desafios, mas não o único.

A democracia moçambicana tem muitos desafios, a começar pela superação do mito do partido único que foi muito cultivado em nome da unidade nacional durante a luta pela independência e, depois a pós-independência. Mas esse desafio é uma questão difícil de debater sem ter que correr risco de alinhar em discursos especulatórios. Verdade porém, Moçambique viveu muito tempo sobre égide de partido único e, num regime de partido único, o Estado é partidário e inseparável do partido que tem monopólio da actividade política legítima, isto para Moçambique criou um embaraço para democracia, tanto é que, mesmo depois de ser instituída (a democracia) continuou-se violando sistematicamente os direitos e garantias da sociedade civil, consagrados nos princípios da Constituição de 1990, e, por conseguinte, continuou se confundindo o papel do Estado com o do partido, facto que continua timidamente até aos dias actuais. Neste caso, o desafio de superação do mito do partido único continua.

Os índices elevados do analfabetismo em Moçambique é também um dos desafios para a democracia moçambicana, vejamos, no pensamento de Ngoenha (2015) que mesmo admitindo que os partidos políticos moçambicanos possuem uma crise acentuada de ideias, questiona que mesmo se tivessem ideias “quantos moçambicanos estariam em condições de lê-los, e entende-los?” e, se muitos votarem na ignorância e apenas alguns somente terem consciência do seu voto, acrescenta Ngoenha, “não estaríamos afinal a cair na aristocracia (…) ”, para quem não sabe o que é aristocracia, chama-se assim ao tipo de organização social e política em que o governo é monopolizado por um número reduzido de pessoas privilegiadas.

Quanto ao Pluralismo político moçambicano, é de salientar a incapacidade de convivência harmónica e pacífica entre os partidos, há sempre uma tendência de se hostilizar entre si. E talvez valha a pena dar razão a Osório quando defende que “as práticas e o discurso traduzem, por um lado, a incapacidade das atuais organizações em adaptar/adoptar novas experiências e novos conflitos (são protagonizados) e, por outro lado, mostram a existência de tensões. E assim, o pluralismo para Moçambique acaba sendo um dispositivo para instigar guerras, conflitos e intrigas, contrariando o princípio democrítico dito pelo Bobbio, segundo o qual “o adversário político não é mais um inimigo (que deve ser destruído), mas um opositor que amanhã poderá ocupar o nosso lugar”. Portanto, a concepção positiva do pluralismo político ainda é um grande desafio. Pois para Moçambique o pluralismo, diz Osório “não trata-se apenas de eliminar oposições ou de conquistar mais poder, mas da sobrevivência do modelo de organização partidária”.

Apesar da concepção do pluralismo ser tomado no sentido negativo, sobretudo no que tange as duas maiores potências políticas partidárias de Moçambique, a Frelimo e a Renamo, que se tomam como forças políticas inimigas, Ngoenha olha com suspeita a hipótese de um governo de união em que ambos tomariam poder como governo, que muitos propõem como forma de ultrapassar a crise dos conflitos armados, pois, argumenta ele, que, “todavia, existe o perigo que isso seja uma forma de compromisso em que os principais partidos partilhem entre si as benesses. Não só, não haveria uma oposição credível, o que seria mau para a democracia, mas o maior perigo seria transformar a democracia em uma oligarquia”, isto é, um poder concentrado em um grupo estrito de indivíduos.

No geral, a conjuntura democrática moçambicana tem vários condicionalismos a seu desfavor, a destacar a dependência económica, a fraqueza da sociedade civil e, a existência de partidos políticos que não representam alternativas reais para tomar o poder. Só para dar exemplo de uma gravidade, a questão (da existência de partido(s) armado(s) que desencadeia(m) conflitos) vincada por Ngoenha como sendo democracia militarizada e, acrescentando, ele mesmo advoga que essa democracia “institucionalizou o anormal: violência, fraudes, engano, mentira, a falsidade; introduziu medo, o que pode levar até a conflitos étnicos e regionais, facilitados pelas riquezas naturais descobertas”.

E o olhar impávido da sociedade civil provoca segundo Osório Conceição “por um lado a concepção do campo político como campo totalitário (…) e o seu afastamento das expectativas sociais”, por outro lado, “surgem no interior dos partidos grupos cujo discursos contém uma força de mobilização capaz de produzir tensões profundas”, razão pela qual, Ngoenha talvez tenha razão em defender que “temos que reformar o nosso sistema democrático, não de uma maneira cosmética nas pequenas coisas de conveniência. Trata-se de pensar num outro modelo de democracia”.

Em todo caso, numa observação mais optimista (do que realista); Moçambique, para os olhos do Italiano Norberto Bobbio, não estaria perdido, porque segundo ele “mesmo a democracia mais distante do modelo (ideal) não pode ser de modo algum confundida com um estado autocrático e menos ainda com um totalitário”. Além do mais, “no caso concreto de Moçambique, a ambiguidade existente entre o sistema democrático e a instabilidade da vida política e social potencializam a criação de espaços de liberdade e de inovação” isso quem diz é Conceição Osório, pois, (agora, eu é que acrescento) várias associações mesmo que timidamente tem potencializado várias formas de reivindicação e participação política através de meios de comunicação social e redes sociais. Mas, importa dizer que uma das alternativas para a superação dos desafios da democracia moçambicana que merece destaque e, talvez a mais coerente é colocada por Ngoenha e apregoa que tornar a democracia moçambicana mais forte seria “aproximar as instituições das pessoas (o que) significa também e sobretudo fortificá-las, independentizá-las, a fim de que o povo possa ver nelas autoridades e benefícios e, acreditar que existe um Estado independente dos aparatos e ao serviço da justiça”.

A maior verdade em tudo isso, está no facto de que, a maioria do que se exigem para que se faça, a constituição já prevê, aliás, a constituição moçambicana é uma das mais bem elaboradas em conformidade com os princípios democráticos, o que é necessário é implementar de facto o que está consagrado na Constituição da República. Talvez seja esse o maior desafio de todos.

Por: Franquelino Agneves B. Basso