Meu avô era bem informado. Farmacêutico autodidata gostava de ler tudo que caia em suas mãos. Ele falava muito no poder chinês “Eles dominarão o mundo. Quem viver verá”, repetia sempre. O mito do poder chinês é bem antigo e não foi meu avô quem o inventou, mas parece que está tomando corpo na contemporaneidade.

O historiador Toymbee escreveu que dois mil anos atrás, a China já era uma grande civilização, que havia inventado o papel, a imprensa (com tipos fixos), a pólvora e os segredos da navegação. Enquanto isso, os europeus do norte ainda eram tribos selvagens que viviam guerreando entre si. Infelizmente, para os chineses, os burocratas do império fizeram intrigas com o imperador da época e o convenceram de que a burguesia comercial e industrial era uma séria ameaça ao seu poder e que ele deveria cortar o mal pela raiz. Com medidas repressivas, o imperador acabou com as atividades empreendedoras, proibiu a expansão da navegação e a indústria chinesa permaneceu estagnada durante séculos. Se não fosse a burocracia atrasada que dominava o Estado chinês, o país teria alcançado um desenvolvimento tecnológico bem antes dos ocidentais e hoje o idioma mandarim estaria no lugar do inglês nos negócios, nas ciências e nas finanças. Provavelmente teriam sido eles os descobridores e conquistadores da América, da África e Austrália, que obviamente teriam outros nomes.

Aliás, em nossa história há um caso com alguma semelhança. Refiro-me ao Barão de Mauá, um empreendedor de sucesso que também foi vítima das intrigas da corte do Imperador Dom Pedro II. A elite brasileira também via em Mauá, uma ameaça para os seus interesses e privilégios e não a possibilidade do país se industrializar e crescer de forma sustentável, conforme conta Caldeira em seu livro “Mauá, o empresário do Império”.

Com todo o atraso que a China foi submetida, a submissão ao império Inglês durante décadas, a grande nação parece que ressuscitou. A revolução comunista de 1948 acelerou o crescimento econômico, com o desenvolvimento da indústria e agricultura. Descobrindo que as amarras do socialismo seriam um obstáculo para o pleno desenvolvimento das forças produtivas, os seus dirigentes mandaram às favas os ideários marxista-leninistas e promoveram uma forte guinada para o capitalismo, ainda mantendo um estado forte e centralizador apesar de permitir o lucro e a acumulação de capital.

Hoje a China usa e abusa do livre mercado com um modelo de liberalismo econômico que faz inveja aos países berços do capitalismo. Controla com mão de ferro a sua moeda o Yuan que permanece desvalorizada frente às moedas dos países desenvolvidos e dos emergentes, aumentando a sua competitividade na concorrência internacional. Isso permite que os chineses tenham salários baixos em relação ao dólar, mas sustentáveis diante de um custo de vida relativamente baixo. Além disso, os impostos são bem inferiores aos cobrados em países como o Brasil. Os encargos sociais são praticamente inexistentes e parecem brincadeiras diante dos mais de 70% que incidem sobre as nossas folhas de pagamento. As férias dos chineses, aprovadas há uns dois anos, são de apenas de uma semana, sem contar que a jornada de trabalho é bem superior a do mundo ocidental. Li recentemente que os operários chineses já estavam ganhando mais de 100 dólares por mês nas grandes cidades. Há alguns anos falava-se em 40 dólares. Com cem dólares por mês e praticamente sem encargos sociais, a indústria chinesa é imbatível em termos de competitividade. Enquanto um operário sem qualificação na Grande São Paulo recebe um contracheque de 800 reais, que representa, nos custos diretos, quase 800 dólares, computando encargos e benefícios estabelecidos nos acordos coletivos. Por isso é fácil entender porque nossa indústria não é competitiva para os produtos chineses. Os nossos salários são baixos em relação ao primeiro mundo, mas são altíssimos comparados com os pagos na China e no sudeste asiático.

Os mais otimistas dizem que em breve os salários chineses subirão muito e isso afetará essa vantagem competitiva. Eles tem razão, em parte, pois na semana passada li que uma indústria de Tecnologia da Informação havia elevado seus salários na China para 400 dólares. Ainda assim, vai demorar muito para mudar esse estado de coisas. Não podemos esquecer também que na China existem pelo menos 200 milhões de trabalhadores volantes que peregrinam de cidade em cidade em busca de trabalho. Isso significa um enorme contingente de mão de obra disponível para forçar a redução dos níveis salariais ou pelo menos mantê-los estabilizados. A esse contingente Marx denominou como Exército Industrial de Reserva, que os capitalistas utilizavam para manter os salários baixos e aumentar a acumulação de capital. Pobre Marx, não poderia imaginar que uma revolução feita em seu nome utilizaria esse mecanismo para encher os bolsos dos empresários e aumentar o poder do Estado, que ele também abominava.

Mas o poder chinês está aí para comprovar que meu avô tinha mesmo razão, mesmo não sendo dele a ideia. Detentora da maior reserva em dólares do mundo deve crescer neste ano 7,5%, um pouco abaixo das expectativas, mas bem acima dos índices europeus e norte-americanos que não chegarão a 2%. É uma potência nuclear e está decidida a iniciar uma corrida espacial para manter sua supremacia tecnológica. Hoje nenhuma potência ousa tomar uma decisão política internacional sem consultar a República Popular da China. Há quem diga, também, que o país está sob sérias ameaças estratégicas, pois faltará água, comida e minérios para atender a sua expansão. Com certeza os poderosos dirigentes do Partido Comunista, cujo nome é utilizado por respeito aos fundadores, já tomaram algumas decisões estratégicas e estão investindo bilhões na África e América Latina para garantir o fornecimento para suas futuras necessidades. Com certeza a leitura deles não é mais Marx e Lênin, mas Porter, Ansoff, Kotler, Mintzberg, Omahe entre outros. E as atuais e futuras potências que se cuidem.