O que o arquétipo caboclo vem trazer ao povo de banda? É o índio, o cacique e o pajé brasileiro puramente?  Matas sagradas, raízes, frutos, sobreviver vivendo em harmonia com a natureza. Caboclo, como aprendemos na escola, é a denominação que se dava (e às vezes ainda se dá) aos filhos de indígenas com "brancos". Eram muitas vezes os filhos do abuso de Terra Brasilis e da violenta colonização que dizimou tribos inteiras. Os saberes perdidos, desmerecidos e sufocados pelos horrores de ontem e hoje, trazem a sabedoria de quem ensina por saber e querer, porque conhece esse território há muito mais do que os quinhentos e poucos anos da nação Brasil. Caboclos e caboclas, regidos por pai Oxóssi, trazem o arquétipo do aprendizado humilde e certeiro, da observação e ação, da caça para viver.

Na Umbanda, uma linha de trabalho é sempre regida por um Orixá, e seus trabalhadores (os guias) atuam respondendo (ou não) a outro Orixá, que confere às características do seu trabalho. Por exemplo, um caboclo (ou cabocla) que responde à mãe Iemanjá trabalha com esse arquétipo dentro das emoções com elementos do mar, como conchas, ervas e essências específicas.

Quando falarmos dos caboclos que, sempre regidos por Oxóssi, respondem à Pai Xangô, falamos de justiça, de força e de nossa responsabilidade histórica como humanos e, em próxima instância, como brasileiros. Lembramos dos 1420 povos indígenas extintos desde a chegada dos portugueses*. São 1420 culturas que temos a responsabilidade de honrar. Não porque podem ser nossos guias, mas porque são parte da memória do país que foi apagada injustamente. Hoje, de acordo com o Senso de 2010, são pelo menos 800 mil índios de 305 etnias** que tem o direito de serem protegidos pela nossa democracia. Desses tantos, quais tribos conhecemos profundamente? Quantos índios estão presentes no nosso convívio?

Os trabalhadores de Xangô tem justiça, harmonização e verdade como mote. O auxílio à prosperidade (empregos) e questões judiciais pelo que tendem a os caracterizar são meramente consequências do propósito acima.

Mergulhando profundo, não nas grandes, mas nas pequenas corrupções diárias, no jeitinho brasileiro, podemos encontrar a responsabilidade que esses caboclos exigem. Furar fila, não devolver o troco a mais, falsificar carteirinha de estudante, pagar o "quebra" pra tirar a carta de direção, estacionar em vaga especial sem licença, dentre tantas, não é leve. Não é corriqueiro. Mas está em nossa memória secular. É o jeitinho colônia que ludibriou e matou muitos índios para se estabelecer e lucrar. E é o jeitinho atual que continua invadindo terras, calando e massacrando povos em prol do prazer cego pelo material. À luz da Umbanda, que acolhe os marginalizados, é o que devemos combater. À luz dos povos originários é o que devemos reverter, protegendo-os.

A linha dos caboclos como um todo nos traz o legado esquecido, desconhecido e sábio de que conhece essa terra. A dos caboclos de Xangô nos traz a ação pela justiça. Que olhemos nosso passado para transformar o presente e nossas ações presentes para transformar o futuro. Que conheçamos os costumes, a história e a sabedoria indígena não somente pelos amados caboclos e caboclas espirituais, mas pelo seu legado encarnado nas tribos que são e que foram.

Okê Arô, Oxóssi!

Kaô Kabecilê, Xangô!

Okê, Caboclo e todos os caboclos e caboclas de Xangô!

*fonte: http://www.cimi.org.br/site/pt-br/?system=news&action=read&id=598 (acesso em 28 de junho de 2017)

**fonte: https://www.calendarr.com/brasil/dia-internacional-dos-povos-indigenas/ (acesso em 28 de junho de 2017)