Os amigos

― É com você, Marcelo, aproveite.

― Não, não, Fernando, é com você.

― Nada disso. É com você. Você merece.

― De jeito nenhum. Você sempre fez por merecer mais do que eu.

― Você só pode estar brincando. Eu nunca chegarei à sua altura em matéria de favores. Você sempre me ajudou muito.

― Não mais do que você a mim. Você sempre esteve ao meu lado nos momentos em que mais precisei.

― Sabe, Marcelo. Agora que você tocou nesse assunto, eu me lembrei daquele dia em que você me ajudou com aquele garoto da escola. Ele iria me estraçalhar, mas você me defendeu, mesmo sendo a metade do tamanho dele e apanhou no meu lugar.

― Ora, Fernando. Aquilo não foi nada. O garoto iria me bater mesmo, pois ele mesmo disse que iria me pegar se eu não dissesse quem era o Fernando, pois você havia feito um desenho dele no muro. Mas nessa hora você apareceu me chamando e ele percebeu que você era o Fernando.

― Mesmo assim. Você poderia ter corrido, mas preferiu apanhar no meu lugar. Você me salvou de levar uma surra!

― Ora, Fernando. Eu não teria feito aquilo se você não tivesse me prometido cem cruzeiros. Eu calculei rapidamente gastar cinquenta cruzeiros no dentista, dez cruzeiros de esparadrapo, ataduras e anti-inflamatório e ainda sobrariam uns quarenta cruzeiros para mim.

― Mesmo assim, Marcelo. Para encarar aquele brutamontes seria preciso mais que cem cruzeiros. Você fez por merecer até mais.

― Não diga isso Fernando. Você é que sempre mereceu a minha ajuda. Esqueceu aquela vez que em que você me deu seu lanche na escola porque eu não havia levado? Você deu TODO o seu lanche! Quanta bondade!

― Bondade nada, não exagera. Eu já havia comido lanche na cantina da escola e não queria o que havia trazido de casa. Estava satisfeito feito macaco em bananal.

― Ora, mas você poderia dar a outros colegas esfomeados que havia por lá, mas você deu a mim. Isso eu não esqueci jamais.

― Eu é que não me esqueci daquela vez que você me chamou para fazer parte do time da escola. Era o maior perna-de-pau, mas assim mesmo você me chamou. Foi o dia mais feliz da minha infância.

― Aquilo não foi nada Fernando. Eu te chamei porque eu precisava completar o time e só havia sobrado você. Não foi nada. Você sim, me ajudou muito naquela vez em que me apresentou a Ritinha na festa de final de ano da escola. Aquela gatinha não saía dos meus pensamentos e você me apresentou a ela. Foi demais. Coisa de amigão.

― Que é isso, Marcelo? Aquilo não foi nada. Eu só fiz aquilo pra deixar a Carol, a amiga dela, sozinha e, assim, dar uma paquerada na gracinha. E deu certo, pois só assim elas se desgrudaram.

― Acontece que você poderia ter apresentado ela para outro, mas preferiu apresentá-la a mim. Foi demais! Curti muito naquele dia.

― E eu mais ainda. Mas isso não foi nada perto do que você me fez naquele dia. Eu comi uma empada estragada, passei mal, fui ao banheiro e não tinha papel. Desesperado, esperei alguém passar perto do banheiro para me ajudar e quem aparece? Você! Estava me procurando quando percebeu meu sumiço. Amigaço!

― Aquilo qualquer um faria. Você é que provou ser um grande amigo me convidando para passar as férias na fazenda do seu avô. Foi inesquecível! Nunca havia andado de cavalo!

― Não, Marcelo. Aquilo não foi grande coisa. Eu não suportava mais ir pra lá sem um amigo para acompanhar. Os meus primos eram bem chatos e você tornou aquelas férias mais interessante com suas brincadeiras.

― Francamente, Fernando! Você é que foi legal demais me levando para conhecer aquela cachoeira. Foi a maior aventura pular do alto daquela pedra. Você foi demais!

― Eu? Não brinca. Você é que foi fantástico me salvando do rio. A correnteza me arrastou e eu bati a cabeça numa pedra. Você percebeu o acidente e me resgatou imediatamente. Se não fosse você, eu teria morrido.

― Foi nada não, Fernando. Qualquer um faria aquilo. Você é que foi demais me levando para subir naquela árvore enorme. Virou tema da minha redação na escola.

― Besteira, Marcelo. Não foi nada. Você é que me ajudou muito: cortou lenha, carregou cachos de bananas, alimentou os cavalos e lavou os porquinhos. Tudo sem reclamar, enquanto eu é que levei a fama de trabalhador junto ao meu avô. Você nem reclamou nem nada. Coisa de amigo grande.

― Fernando, eu é que não esqueço o que você fez uma vez na escola: me deu cola na prova de matemática. Eu estava quase reprovado, mas suas respostas me ajudaram e eu passei de ano. Pude passar as festas de fim de ano tranquilo e ainda ganhei uma bicicleta de presente que você me deu. O que eu poderia querer mais?

― Ora, Marcelo, aquela bicicleta eu te dei porque meus tios me deram uma bicicleta cada um e eu ganhei três naquele Natal. Foi nada. Você é que me ajudou muito naquela vez em que fui atropelado. Você chamou um táxi e me levou ao hospital. Quando meus pais chegaram, eu já estava bem melhor. E ainda me ajudou dizendo que o culpado foi o motorista, que teria fugido, quando, na verdade, eu estava brincando de segurar os carros pela traseira e, quando o motorista se ofereceu para me levar ao hospital, você o dispensou, sabendo que ele iria dizer aos meus pais que a culpa era minha. Aquilo foi coisa de superamigo!

― Não, Fernando. Aquilo foi a maneira que tive de remediar o meu erro de ter ensinado aquela brincadeira perigosa a você. Aquela vez em que você me pagou um ingresso para assistir ao Rambo II é que foi grande prova de amizade. E ainda me pagou a pipoca e o refrigerante! Legal!

― Que nada, Marcelo. Aquilo foi retribuição por você ter consertado o meu videogame. Se meu pai soubesse que eu o havia estragado, ele me daria a maior surra.

― Mas você o emprestou a mim para jogar em casa quando tive catapora. Emprestou sem medo de pegar a doença!

― Que nada. Eu já havia pegado catapora. Foi a forma que tive de agradecer por você ter me emprestado o seu caderno no dia em que tive que faltar por causa do acidente com óleo quente em casa. Você sim, me fez um grande favor, pois assim pude recuperar a nota de química.

― Que nada. Aquela vez em que você me pagou a última mensalidade do curso de informática é que foi maravilhosa. Com o curso, mais a conclusão do ensino médio, consegui o meu primeiro emprego.

― Mas Marcelo, aquilo foi apenas uma forma de consertar minha falha de convidá-lo para minha festa de aniversário e oferecer uma dose de uísque do meu pai. Você ficou tão bêbado que precisou de guincho até sua casa. Peguei pesado na brincadeira. Já você, uma semana depois me ajudou no meu primeiro dia na faculdade. Você se disfarçou de calouro para me acompanhar na faculdade, pois eu fiquei com medo de me fazerem trote violento. Ainda bem que seu cabelo não demorou a crescer de novo.

― Mas o que foi isso perto do que você fez por mim um ano depois, Fernando? Você simplesmente pagou todos os gastos com minha festa de casamento! Eu casei e dei a maior festa graças a você! Isso é que é amigão!

― Ora, Marcelo. Até parece! Você é que me deu a maior prova de amizade: doou o seu rim a mim! Salvou-me a vida!

― Claro, Fernando. Você me emprestou dinheiro para comprar minha casa e lhe devolver em quinze anos. Só amigo de verdade faz isso.

― Fiz isso porque você se empregou na empresa de meu pai. O desconto era direto no contracheque. Nada demais. Você é que me ajudou muito ao testemunhar a meu favor naquela acusação de assédio moral. Salvou minha reputação ao provar que era uma funcionária interesseira.

― Era o mínimo que eu podia fazer por um amigo tão legal. Você arranjou uma vaga naquele curso de cabeleireira para minha esposa. Ela está ganhando dinheiro à beça. Se há alguém aqui mais digno dessa honra, é você.

― E você dirigiu meu carro até em casa depois daquela festa de Reveillon. Eu Poderia ter morrido naquela madrugada se tivesse dirigido. Portanto, devo tudo a você e é isso que quero enfatizar hoje. E não se atreva a dizer não. Você merece.

― Está bem, Fernando. Já que insiste, o último pedaço da pizza é meu.