Ele e os outros

Ele sempre se preocupou com o que pensavam dele, pois, quando ainda era bem pequeno, uns dez ou onze anos, sua mãe um dia lhe disse: “Meu filho, cuidado com o que você pensa de si. Veja a opinião dos outros sobre você, pois, às vezes, pensamos que somos uma pessoa, mas, na verdade, somos outra. E não ouvir a opinião dos outros pode nos tornar presunçosos”.

Ele achou que sua mãe tinha razão, afinal, ela era sábia e vivida, devia saber o que estava dizendo.

Assim, quando estudava na sala de sua casa, viu um amiguinho jogar bola e parar para convidá-lo. Ao responder que precisava continuar estudando, o amiguinho lhe disse que “estudar é bom, mas criança tem que aproveitar para brincar”. Outro dia, o convite foi refeito e, diante da recusa, outro amiguinho, talvez não tão amigo, lhe disse em tom sarcástico: “xiiii...vai virar cdf! Não sabe se divertir.”

Sem perder tempo, ele guardou os cadernos e livros, tirou as sandálias e foi para a rua jogar futebol com os colegas de rua. Cinco minutos depois, com o dedinho do pé deslocado, os cotovelos arranhados e um gol contra marcado, resolveu apenas assistir ao jogo sentado na calçada.

Noutro dia, já adolescente, um de seus melhores amigos lhe perguntou se iria namorar a Ritinha, pois ela já lhe mandara dois bilhetes românticos na escola. Em dúvida, Ele perguntou ao amigo o que achava, ao que este lhe responde: “Sim, é claro! Ela é legal e muito bonita e é o que ela quer também”. Animado com o conselho, ele só precisou ouvir mais um amigo que lhe procurara ao saber dos bilhetes também: “Vai aceitar namorar a Ritinha?”. Diante de um animado “sim”, seu amigo não teve outra alternativa, a não ser dizer que “achava aquilo uma loucura”, pois “tinha ouvido falar algumas coisas dela”. “Mas que coisas?”. “Bem... coisas”. “O quê, por exemplo”. “Que ela gosta de brincar com os sentimentos dos homens, quem não quer nada sério, etc”. “Mas ela parece tão sincera...”. “Quem vê cara, não vê o resto”. E assim, aquele namoro não vingou.

Ainda jovem, depois de repetir algumas séries, resolveu voltar a estudar com afinco e se preparava para o vestibular. Com um grupo do colégio, os garotos começaram a dizer qual carreira tentariam no vestibular, até que chegou a sua vez . Ao dizer que faria vestibular para medicina, eles perguntaram “mas por quê medicina?”. “Quer nos humilhar?”. “Só porque aqui ninguém mais pode passar em medicina, só você”. Outro lembrou que ele foi, de propósito, o último a falar qual o curso que tentaria. Isso teve um “teor de empáfia, fazendo todos se sentirem inferiores”. Outro emendou que “Todo mundo sabe que medicina é o curso que dá mais autoridade no dia a dia de todos. Enquanto advogados e engenheiros podem ser contratados, o médico é sempre quem nos atende, quem nos faz esperar”. “É isso mesmo. Exibicionismo puro”.

Ele resolveu então fazer publicidade, seria bem mais simples. “O quê? Publicidade?”. “Isso só pode ser megalomania. Todo mundo sabe que o publicitário faz peças que são exibidas em rádio, TV, outdoor, internet, ou seja, todo mundo vê e admira seu trabalho. Todo mundo fica sabendo do que ele fez, até porque tem os prêmios de melhor propaganda, coisa e tal”. “É isso mesmo. Quer mostrar pra todo mundo o que faz. É um obcecado pela fama”.

Mas tarde, já formado em biblioteconomia, ele precisou começar a trabalhar e se inscreveu em um concurso público para um órgão da prefeitura. Ao comentar em casa, a passadeira de roupa espalhou na vizinhança e logo começaram os comentários. Quando ele passava para o açougue ou supermercado, cochichava a vizinhança: “Lá vai ele. Quer trabalhar na prefeitura. Quer bem vir pessoalmente cobrar o IPTU da rua”. “Isso se não for pra fiscalizar o bar do Chico, que tá com a licença vencida. Não bebe e não quer deixar ninguém beber.”

Ao ouvir os comentários, ele resolveu mudar de ideia e fez concurso para bombeiro. “Afinal, o bombeiro é sempre um herói. Ninguém vai ver um bombeiro com más intenções”. Sua tia que mora do outro lado do mundo ligou pra perguntar se ele estava ficando doido. “Tu sabes quantos já morreram aqui em terremotos? Quer se aparecer desafiando o perigo é? Viu o WTC nos Estados Unidos? Sai dessa que isso não é pra ti”.

O jeito era buscar algo mais simples e escondido. Viu um anúncio de estoquista num supermercado e aceitou, pois, “assim ninguém me verá trabalhar”.

Um dia, os conhecidos ficaram sabendo. Aí não perdoaram: “Quer nos humilhar? Fica nesse empreguinho pra mostrar que não precisa de coisa melhor. Que consegue um emprego melhor na hora que quiser? Seu metido!”.

Aí resolveu comprar uma passagem para o Canadá e foi viver com os simpáticos esquimós.