A lagarta

Um dia, num requintado restaurante, o cliente, com os olhos esbugalhados demonstrando espanto chamou o garçom:

― Garçom. Por favor, veja isto!

― Sim, senhor?

― Olhe bem para esta salada! – dizia, apontando com firmeza para o prato.

― Oh, não acredito!

― Sim, mas é verdade! Há uma lagarta na minha salada!

― Que tragédia! Isto nunca aconteceu antes, senhor! Deve ter sido o Chef que se esqueceu de conferir a lavagem da salada. Tadinho, é tanto prato pra expedir que o rapaz deve ter bobeado na hora de olhar a salada pra saber se haveria algum bichinho por baixo... Ah, é isso. Na hora em que o chef olhou o prato, o danadinho deve ter se escondido embaixo de uma folha de alface. Ele deve ser meio tímido e não quis se mostrar assim, no meio de tanta gente, né? E o chef tem que olhar todos os pratos rapidamente pra não atrasar as mesas e sabe como é que é, né? Uma hora, alguma coisinha passa despercebida, não é mesmo? E-e-eu sinto muito, senhor! Por favor! Deixe-me redimir dessa grande falha. Mandarei jogar fora agora mesmo a salada e trarei outra no lugar!

― O quê? Quem disse que eu mandei jogar fora alguma coisa?

― Por favor, senhor! Eu lhe imploro que não fotografe a lagarta para enviar às redes sociais. Seria o fim de nosso restaurante!

― Mas é claro que eu fotografarei com o meu celular! Será a prova de que fui eu que a encontrei!

― M-mas senhor, o senhor quer então nos processar por conta de um bichinho tão inocente que resistiu bravamente à inspeção da cozinha? O senhor tem que ver que o cara até que se disfarça bem. Ele é da cor da alface, senhor. Um disfarce perfeito. Nem parece lagarta. Parece um pedaço da folha que ganhou vida. Tipo rabo de lagartixa, sabe como é? Sai do corpo e continua se mexendo. Ih... acho que não é boa hora pra falar de lagartixa, não é?

― Mas garçom, eu não quero processar o restaurante não.

― Não?

― É claro que não. Diga-me uma coisa: quanto é mesmo esse prato?

― O prato não tá à venda não, senhor. É nele que servimos a comida, não podemos vender.

― Não, seu boboca. Eu quero saber o preço do prato que pedi para pagar.

― Pagar? Mas o senhor nem comeu. E nem vai comer. Ou o senhor é lagartiano, quer dizer, vegetariano que come salada com lagarta e tudo?

― Não, não é isso. É que estou diante de uma descoberta magnífica! A lagarta desta salada é um raríssimo exemplar da espécie Lagartisna saladis, uma espécie considerada extinta há sessenta anos!

― Aaaaaah...gora que não entendi nada! O senhor está dizendo que essa lagarta é um dinossauro extinto?

― Não, seu pamonha! Estou dizendo que essa lagarta é um animal considerado extinto, mas que agora reapareceu no meu prato e eu preciso pagar para levá-lo para minha casa. Eu trabalhei duro durante trinta anos para descobrir essa espécie, aposentei-me e só consegui acumular dívidas, mas esta descoberta me tornará rico, famoso e prestigiado no meio científico, pois todos os biólogos do mundo me parabenizarão por ter encontrado tão rara espécie e, quem sabe, contribuir para sua perpetuação.

― Puxa, quer dizer então que o senhor não pretende nos denunciar para a vigilância sanitária nem nada?

― É claro que não. Eu só quero pagar a comida e levar para casa.

― Bem, neste caso, pode levar o prato e tudo, senhor. É tudo por minha conta.

― Então me arranje uma caixa para levar a salada.

― Ok, eu tenho uma caixa vazia no depósito de mantimentos. Trarei para o senhor.

De volta com a caixa na mão, o garçom abriu a caixa e de lá pulou um sapo que foi direto para o prato de salada e esticou a língua até puxar a lagarta para dentro de sua enorme boca, deixando o garçom de olhos regalados e o cliente-cientista desmaiado.