Organização do Espaço na Educação Infantil: aspectos teóricos em diálogo.

 

Este artigo irá apresentar alguns aspectos teóricos referentes à importância do ambiente educativo para criança pequena. Para tanto, elenquei alguns estudiosos que auxiliarão a compreensão dessa temática. São eles: Vigotski (1996; 2009; 2010), Santos (1997), Barbosa e Horn (2001); Campos-de-Carvalho, Rubiano e Meneghini (2003), além do documento do MEC, intitulado Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (2013).

Como sabemos, desde que a criança nasce precisa de espaços que ofereçam possibilidades de movimentos, segurança e que acima de tudo possibilitem sua socialização com o mundo e com as pessoas que a rodeiam. Tais espaços estão presentes nas constituições que regem os direitos de todas as crianças sejam eles: públicos, privados, institucionais ou naturais, conforme os teóricos citados e o próprio documento do MEC.

No que se refere à compreensão de desenvolvimento humano, recorre-se a Psicologia do Desenvolvimento, a partir da perspectiva histórico e cultural, em que o desenvolvimento humano vai muito além da ideia advinda da biologia, de um corpo em crescimento fisiológico apenas, pois “de um modo geral, concebe o desenvolvimento humano como fruto de um processo contínuo de interações entre o sujeito e o meio social” (ROSSETTI-FERREIRA E COL., 2000).

Dessa forma, A teoria Histórico-Cultural proposta por Vigotski (1996; 2009), anuncia que o ser humano cresce num ambiente social e a interação com outras pessoas é essencial ao seu desenvolvimento. Portanto, um ambiente estimulante para a criança é aquele em que ela se sente segura e ao mesmo tempo desafiada, onde ela sinta o prazer de pertencer a aquele ambiente e se identifique com o mesmo e principalmente um ambiente em que ela possa estabelecer relações entre os pares. Um ambiente que permite que o educador perceba a maneira como a criança transpõe a sua realidade, seus anseios, suas fantasias, em especial suas brincadeiras.

Através das brincadeiras a criança não só está aprendendo como estará desenvolvendo a capacidade de desenvolver conflitos, dessa forma, organizar o ambiente faz parte do currículo, pois o mesmo não tem como ser neutro, sendo que um mesmo ambiente pode ser de limitações quanto de avanços e possibilidades. O espaço da Educação Infantil deve ser um lugar que ofereça oportunidades de aprendizado e convivência social, como afirma Santos (1997):

 

O espaço é uma categoria social, portanto produzida na especificidade da relação. Nessa interface a simbolização é a responsável pela seleção dos aspectos que são relevantes ou não para a experiência humana. Por isso, as qualidades de um ambiente não lhe são inerentes, naturais; são atribuições feitas pelas pessoas que o utilizam, como base nos objetivos que desejam alcançar. Assim, tanto podemos fazer de um mesmo ambiente um espaço de limitações quanto de avanços e possibilidades (MOREIRA, 2003, p. 17 apud SANTOS, 1997).

 

Nessa direção, o documento do MEC, intitulado Diretrizes Curriculares Nacionais de Educação Básica (2013) também corrobora sobre a importância de pensar intencionalmente a organização dos espaços educativos:

 

Intencionalmente planejadas e permanentemente avaliadas, as práticas que estruturam o cotidiano das instituições de Educação Infantil devem considerar a integralidade e indivisibilidade das dimensões expressivo-motora, afetiva, cognitiva, linguística, ética, estética e sociocultural das crianças, apontar as experiências de aprendizagem que se espera promover junto ás crianças e efetivar-se por meio de modalidades que asseguram as metas educacionais de seu projeto pedagógico (BRASIL, 2013, p. 86).

 

                Duas grandes estudiosas que também trouxeram importantes contribuições para se pensar o cotidiano da Educação Infantil, são Maria Carmem Silveira Barbosa e Maria da Graça Souza Horn, as mesmas pesquisaram sobre à organização do espaço e do tempo elas afirmam que:

 

Organizar o cotidiano das crianças da Educação Infantil pressupõe pensar que o estabelecimento de uma sequência básica de atividades diárias é, antes de mais nada, o resultado da leitura que fazemos do nosso grupo de crianças, a partir, principalmente, de suas necessidades. É importante que o educador observe o que as crianças brincam, como estas brincadeiras se desenvolvem, o que mais gostam de fazer, em que momento do dia estão mais tranquilos ou mais agitados. Este conhecimento é fundamental para que a estruturação espaço-temporal tenha significado. Ao lado disto, também é importante considerar o contexto sociocultural no qual se insere e a proposta pedagógica da instituição, que deverão lhe dar suporte. (BARBOSA; HORN, 2001, p. 67). 

 

O planejamento e a organização do espaço facilita o trabalho do educador e cria um ambiente propício à aprendizagem das crianças, além de torná-lo mais prazeroso e atrativo.

Frente as discussões referentes a qualidade e organização do espaço, apresento ainda, algumas das reflexões teóricas propostas por Vigotski, em especial as tecidas no texto a Quarta aula: a questão do meio na pedologia[1], o referido autor destaca a importância do meio para o desenvolvimento humano, ao enfatizar que o meio físico é muito importante para a criança pequena, pois muitas, das aprendizagens que ela realizará em seus primeiros anos de vida estão ligadas aos espaços disponíveis e/ou acessíveis a ela. A pedologia[2] neste contexto estuda não somente o meio e suas regras, mas seu papel e significado no desenvolvimento da criança.

Não há como pensar nas vivências da criança sem mencionar o meio que a mesma está inserida. Pois o fato é que um tem influência sobre o outro.

O meio tem um grande peso sobre o desenvolvimento e o processo de ensino-aprendizagem da criança como revela Vigotski em seu texto Quarta aula: a questão do meio na Pedologia (2010). O referido autor assim descreve:

 

Além disso, deve-se considerar o meio não como uma circunstância do desenvolvimento, por encerrar em si certas qualidades ou determinadas características que já propiciam, por si próprias, o desenvolvimento da criança, mas é sempre necessário abordá-lo a partir da perspectiva de qual relação existe entre a criança e o meio em dada etapa do desenvolvimento (VIGOTSKI, 2010, p. 682).

 

 

Outro fator a se considerar é que o meio e a criança, não serão sempre os mesmos, ainda que se trate do mesmo local e das mesmas crianças, pois ambos se influenciam e passam por mudanças, seja na idade das crianças, seja nas transformações que o meio sofre.

 

[...] o meio se modifica por força da educação que o torna peculiar para a criança a cada etapa de seu crescimento: na primeira infância, a creche; na idade pré-escolar, o jardim de infância; na escolar, a escola. Cada idade possui seu próprio meio, organizado para a criança de tal maneira que o meio, no sentido puramente exterior dessa palavra, se modifica para a criança a cada mudança de idade (VIGOTSKI, 2010, p.683).  

 

 

O desenvolvimento humano está atrelado ao meio e também ao grupo social da qual a criança faz parte; interpretados por Vigotski e Wallon que compreendem o desenvolvimento como:

[...] para Vigotsky, desenvolvimento é compreendido de forma similar a de Wallon, como movimento, isto é, processo dinâmico, em que a criança e todos os que convivem com ela, seus outros sociais estão em constante processo de mútua transformação, num mundo (momento presente), em mudança, onde as alterações individuais (desenvolvimento) são tornadas possíveis pelas características do mundo (meio social) no qual este desenvolvimento ocorre (VASCONCELLOS, 2006, p. 68).

 

 

Para ambos autores o meio social, e suas implicações são fatores de grande peso no desenvolvimento infantil de cada indivíduo, e para a criança é o espaço onde ela pode ser, fazer, criar e recriar de acordo com a sua imaginação, e dentro de suas possibilidades, ou seja, o meio, a tomada de decisões, resolução de conflitos tudo isso está desenvolvendo o ser humano em sua totalidade, considerando que...

 

De maneira mais reduzida e simples, eu poderia dizer que a influência do meio no desenvolvimento da criança será avaliada juntamente com demais influências, bem como com o nível de compreensão, de tomada de consciência, da apreensão daquilo que ocorre no meio (VIGOTSKI, 2010, p. 688)

 

Outro aspecto referente ao espaço que quero destacar é a compreensão acerca dos arranjos espaciais como: objetos, mobílias entre outros que ficam disponíveis no espaço e como as crianças fazem uso do mesmo, formando os “cantinhos” ou zonas circunscritas conforme explicam Mara e Renata que:

 

A característica principal das zonas circunscritas é seu fechamento em pelo menos três lados, seja qual for o material que o educador coloca lá dentro, ou que as próprias crianças levam para brincar. Dessa maneira, vocês pode delimitar essas áreas usando mesinhas ou cadeirinhas. Elas também podem ser constituídas por caixotes de madeira ou cabaninhas, desde que contenham aberturas. As cabaninhas podem ser criadas aproveitando o espaço embaixo de uma mesa e colocando por cima um pano que caia para os lados, contendo uma abertura; tipo porta. As cortinas também podem ser úteis para delimitar um ou dois lados. É importante que a criança possa ver facilmente a educadora, senão ela não ficará muito tempo dentro dessas áreas circunscritas. (ROSSETTI-FERREIRA et al, 2007, p. 151).   

  

Para melhor compreensão dos arranjos espaciais, Campos-de-Carvalho (2000) recorre a Legendre (1986, 1989, 1999), que assim descreve:

 

 [...] tem descrito as características de três tipos de arranjos espaciais e sua interdependência com as interações de crianças de 2-3 anos em creches francesas. O "arranjo semi-aberto" é caracterizado pela presença de zonas circunscritas, proporcionando à criança uma visão de todo o local. Zonas circunscritas são áreas delimitadas pelo menos em três lados por barreiras formadas por mobiliários, parede, desnível do solo etc.; a característica primordial destas zonas é a sua circunscrição ou fechamento, independentemente do tipo de material colocado para as crianças manipularem, o que, então, as diferenciam dos chamados cantos de atividades. Neste arranjo, as crianças ocupam preferencialmente as zonas circunscritas, nas quais ocorrem interações afiliativas freqüentes entre elas; suas aproximações do adulto, embora menos freqüentes, tendem a evocar mais respostas deste em comparação com outros arranjos. No "arranjo aberto", há ausência de zonas circunscritas, geralmente havendo um espaço central vazio. As interações entre crianças são raras, as quais tendem a permanecer em volta do adulto, porém ocorrendo pouca interação com o mesmo. Afora esta tendência, as crianças se espalham pela sala, com deslocamentos freqüentes. No "arranjo fechado", há a presença de barreiras físicas, por exemplo um móvel alto, que dividem o local em duas ou mais áreas, impedindo uma visão total do local pelas crianças. Estas tendem a permanecer em volta do adulto, evitando áreas onde a visão do mesmo não é possível; há ocorrência de poucas interações entre crianças.

 

 

Maria da Graça Souza Horn relata em seu livro Sabores, cores, sons, aromas (2004) que:

 

Para a criança, o espaço é o que sente, o que vê, o que faz nele. Portanto, o espaço é sombra e escuridão; é grande, enorme ou, pelo contrário, pequeno; é poder correr ou ter que ficar quieto, é esse lugar onde pode ir olhar, ler, pensar.

O espaço é em cima, embaixo, é tocar ou não chegar a tocar, é barulho forte, forte demais ou, pelo contrário, silêncio, são tantas cores, todas juntas ao mesmo tempo ou uma única cor grande ou nenhuma cor...

O espaço, então começa quando abrimos os olhos pela manhã em cada despertar do sono; desde quando, com a luz retornamos ao espaço                                                                   (Fornero, apud Zabalza, 1998, p. 231).

 

 

A organização do espaço deve ser pensada objetivando a interacção da criança com o meio proporcionando um ambiente seguro e proício ao aprendizado, intermediado pelo educador.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

 

Brasil. Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica. Diretrizes curriculares nacionais para a educação infantil / Secretaria de Educação Básica. – Brasília: MEC, SEB, 2010.

 

CHOMBART DE LAUWE, M. J. Um outro mundo: a infância. Tradução de Noemi Kon. São Paulo: Perspectiva, Editora da Universidade de São Paulo, 1991.

 

Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica/ Ministério de Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação Integral. Brasília: MEC, SE, DICEI, 2013.

 

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Aurélio Júnior: dicionário escolar da língua portuguesa / Coordenação de Maria Baird Ferreira e Margarida dos Anjos; ilustrações Axel Sande – 2ª. ed. – Curitiba: Positivo, 2011.

 

HORN, Maria da Graça Souza. Sabores, cores, sons, aromas: a organização dos espaços na Educação Infantil / Maria da Graça Souza Horn. – Porto Alegre: Artmed, 2004.

 

MATTOSGeraldo, 1931- dicionário júnior de língua portuguesa/ Geraldo Mattos.- São Paulo; FTD, 1996.

 

MOREIRA, A. R. C. P. A organização coletiva do espaço e as possibilidades de desenvolvimento na educação infantil. Rio de Janeiro: Augustus, 2003.

 

ROSSETTI-FERREIRA, M. C. et al. (Org.). Os fazeres na Educação Infantil. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2007.

 

THIAGO, L. P. S. Espaço que dê espaço. In: OSTETTO, L. E. (Org.). Encontros e encantamentos na Educação Infantil: partilhando experiências de estágios. Campinas: Papirus, 2006, p. 51-62.

 

THOMSON, Alistair.” Recompondo a memória: questões sobre a relação entre a história oral e as memórias”. In: Projeto Histórias nº 15. São Paulo: EDUC, 1997.

 

 

VIGOTSKI, Lev Semionovick. Pensamentos e linguagem. Porto: Estratégias Criativas, 2001. Tradução do original russo por Francisco Dias.

 

ZABALZA, Miguel A. Qualidade em educação infantil/ Miguel A. Zabalza; Trad. Beatriz Affonso Neves.- Porto Alegre: ArtMed, 1998.

 

 

 

 

[1] Lev Semionivitch Vigotski traduzido por Márcia Pileggi Vinha (2010).

[2] Ciência da criança. O termo pedologia foi introduzido pelo cientista americano O. Rrrisman (1893).