ÓRFÃOS DO ELDORADO (MILTON HATOUM)

O livro faz uma bela homenagem à cidade de Manaus e, principalmente, ao município de Parintins com suas lendas, costumes, paragens e personagens históricos. Além do caráter documental que relata passagens como: a bela época do ciclo da borracha, a imigração japonesa e as grandes empresas de navegação, o livro também apresenta um quê de simplicidade lírica que nos remete as lembranças da infância de curumim no norte do Brasil.

Pois bem, no intuito de contribuir com a obra de mestre Hatoum, este trabalho acrescentará alguns dados relevantes para melhor compreensão das personagens e de seus cenários.

A Vila Bela do romance em questão, é a cidade de Parintins, assim nos conta Saunier¹: “Fundada em 1669 pelo padre alemão João Felipe de Bettendorff, acompanhado do padre italiano Pier Luigi Consalvi e do irmão Domingos da Costa, em visita autorizada pelo padre Antonio Vieira às missões de nossa região. O reverendo Bettendorff era fundador de missões e vilas, e havia fundado a missão dos Tapaiu, hoje Santarém, a 22 de junho de 1661. As crônicas jesuíticas registraram que ele veio até uma ponta alta sobre o rio, que ficava a cinco jornadas do rio Tapajós...e, a 29 de setembro de 1669, dedica uma capela em honra a São Miguel, na aldeia dos Tupinambarana. Era a nossa ilha, hoje Parintins, que teve como primeiro padroeiro, São Miguel”.

A região do Uaicurapá inúmeras vezes citado em Órfãos do Eldorado, é banhada por um rio belíssimo de águas escuras, um verdadeiro colosso da natureza, porém diante de tamanha beleza a origem do nome causa estranheza – o que significa Uaicurapá? Depois de muitos relatos orais com antigos moradores e ex-professores que tiveram contato com os indígenas da região de Vila Batista, onde se encontra muitos remanescentes, chegou-se a definição de Farinha na Cuia. O indígena Derly Batista também confirmou que Uaicurapá significa farinha na cuia, mas acrescentou que se trata também de um agradecimento, pois segundo seu velho pai e avó contavam que essa região do Uaicurapá antigamente era repleta de riquezas naturais, e que em suas terras brotava de tudo.

No que tange a pesquisa bibliográfica (veja definições abaixo) e fazendo uma análise comparativa da grafia e da pronúncia de determinados termos tem-se a seguinte definição Uaicurapá = estrela distante.

Dialeto maué (*)

                                              por Henri Coudreau (1895)²

nariz                                       - uaianguá

orelha                                     - uihapê

estrela                                    - uaiquira, uaiquira u-ató

galo, galinha                           - uaipacá

(*) Este dialeto foi-me ditado pelo maué Lourenço (Manuel Lourenço da Silva), residente em Montanha (Tapajós). Este Lourenço é piloto para as cachoeiras vizinhas e, segundo consta, filho ou neto de verdadeiros tuxauas.

 
Vocabulário comparativo da língua maué segundo Nunes Pereira³ e Curt Nimuendaju

Os vocábulos constantes da primeira coluna – sob o título geral MAUÉ – foram coletados por Nunes Pereira; e os da segunda coluna por Curt Nimuendaju.

Orelha                                    uiarapá    
Narinas                                  uyencorapê                   uyankwadopi
Estrela                                    uaikirú                                    waikirú
Galinha                                   uaipecá                                  waipaká

Galinheiro                             uiapacá-iát

Luar                                       uatehót                                   uaikirú
 
Vocabulário maué coligido por Teófilo Tiuba no Posto Indígena do rio Andirá Estado do Amazonas
 
U-aipacó                galinha

Pá                           longe

Agora falando da família Cordovil vale destacar a importância de José Pedro Cordovil para o município de Parintins. Foi ele o seu principal organizador acrescenta Saunier: José Pedro não foi o fundador de Parintins, mas o organizador, o que significa, que já encontrou fundada, mas desorganizada, e aproveitou-se dessa desorganização para fazer da povoação um sítio particular, ao qual deu o nome de Tupinambarana, sendo elevada, em 1803, à categoria de missão, com o nome de Vila Nova da Rainha. Segundo o cônego Francisco Bernadino de Souza, em 1804 era fazenda agrícola, tendo Cordovil oferecido à rainha Maria I de Portugal, a louca. (Op.cit: p.13).

A matriz de Nossa Senhora do Carmo é um dos pontos turísticos e símbolo da fé do povo parintinense, a qual recebeu grande homenagem do Papa João Paulo II pelo vigésimo quinto aniversário da Prelazia local, criada pelo seu predecessor Pio XII, a 12 de julho de 1955. Leia um trecho da mensagem de João Paulo II ao povo parintinense, aqui registrado pelo Bispo Prelado de Parintins, Dom Arcângelo Cérqua: Sei do bem imenso realizado durante estes cinco lustros pela Prelazia no campo da fé, da justiça social e do desenvolvimento e confio que de futuro será realizado um bem ainda maior. Abençoo de coração todo o povo da Prelazia: os índios Maués e Iskariana, os moradores do interior e das cidades. (In: Clarões de Fé no Médio Amazonas. Manaus: Imprensa Oficial do Estado do Amazonas, p. 9, 1980).

Outra curiosidade, quando os comunitários começaram a fazer as escavações nos alicerces da Catedral de Nossa Senhora do Carmo muitos fragmentos de cerâmica e objetos líticos foram encontrados e depois de estudados revelaram a presença de aborígenes datando do século XII. Novamente Saunier argumenta essa passagem: “Não foi á toa que frei Gaspar de Carvajal deu uma nota de admiração ao afirmar que a louça do Amazonas era la mejor que se há visto, en el mundo, porque la de Málaga no se iguala com ella” (Op.cit; p. 15).

Sem mais delongas, o Eldorado símbolo da cobiça humana é um lugar fantástico onde mulheres podem viver debaixo d`água com seus cantos que enfeitiçam qualquer coirão, como dizem os caboclos da região. Mas, para conhecê-lo é preciso viajar até ele. Em Órfãos do Eldorado você chegará bem perto. Leia e imagine o Paraíso!

*Geone Angioli é especialista em Literatura Brasileira e Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas – Campus/Parintins.