ORAÇÃO DE CURA
Geraldo Barboza de Carvalho
Salvar significa dar saúde (salus), curar, restaurar a vida. Jesus significa
"Javé salva", cura. "Tu o chamarás com nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo dos seus pecados. Vim buscar e salvar quem estava perdido, pra que tenham vida em abundância" (1); (2); (3). O pecado é a mortal enfermidade que Jesus veio curar. Que pecado? Antes de tudo, o pecado do mundo e as chagas que ele causa nos corações humanos: perda da liberdade, baixa auto-estima, complexo de inferioridade, culpa patológica. Jesus se apresenta ante os fariseus como médico. "Eles perguntaram aos discípulos: Por que come vosso Mestre com os pecadores? Jesus lhes respondeu: Não são os que têm saúde que precisam de médico, e sim os doentes. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores" (4). Os pecadores são os doentes. Não os pecadores rituais, tidos como perdidos pelos escribas, que se acham salvos porque cumprem a Lei. Mas, as vítimas da Lei opressora imposta pelos fariseus, origem do pecado do mundo, que gera paralíticos de mente e corpo. Quando levaram um paralítico a Jesus, "vendo sua fé, ele lhe disse: Filho, teus pecados estão perdoados". Frustração para o paralítico, que esperava ser curado; indignação dos escribas: "Quem pode perdoar pecados senão Deus? Jesus disse: É mais fácil dizer ao paralítico: Teus pecados estão perdoados ou dizer: Levanta-te, toma teu leito e anda? Pois bem, para que saibais que o Filho do Homem tem poder de perdoar pecado na terra (o mais difícil), ordeno ao paralítico: Levanta-te, toma o teu leito, vai pra tua casa"? (5) Jesus curou primeiro a doença do espírito, o pecado do mundo que paralisava aquele homem de dentro para fora. O paralítico é o paradigma de um povo vítima da Lei que não salva, mas gera culpa patológica que paralisa corpo e alma. Curando a culpa patológica que paralisa o ânimo do povo, Jesus cura também seu corpo, dispondo-o a assumir seus limites e defeitos, simbolizados pelo leito das desculpas, e ir pra casa: ocupar um papel na vida, ser útil à sociedade. A culpa introjetada pela opressão da Lei é a doença letal que causa paralisia psicossomática: complexo de inferioridade, baixa auto-estima, que se reflete na impotência física para a luta. Há doentes de corpo, sadios de alma. E há sadios de corpo, doentes da alma. Jesus extirpa, cura primeiro a enfermidade que paralisia a alma, mesmo que o corpo continue desconjuntado, mas a um passo da cura. Cura que Jesus dá de graça, mediante o acolhimento do perdão pela fé no Salvador. "Aos que creram nele, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus" (6). A fé é a cura radical da culpa patológica realizada por Deus Mãe, que nos gera filhos de Deus e nos dispõe ao amor fraterno, pois é morta a fé sem as obras. Mas, é nossa, não de Deus, a decisão de nos curar da culpa patológica psicossomática, raiz das injustiças. "Se abandonares as injustiças e praticares o direito e a justiça, mesmo que teus pecados sejam como carmesim, ficarão alvos como a neve. O jejum que escolhi consiste em romper os grilhões, soltar as ataduras do jugo, pôr em liberdade os oprimidos da Lei, repartir com os famintos teu pão e recolher em casa os pobres desabrigados, vestir os nus, não te esconderes daquele que é tua carne. Se fizeres isto, tua luz romperá como a aurora, se fará rapidamente a cura das tuas feridas, tua justiça irá à tua frente. Então clamarás a Javé e ele te dirá: Eis-me aqui" (7); (8). Deus dá a fé, mas nós a operamos na prática do direito e da justiça, do amor fraterno. A cura pela fé é decisão sua, não de Jesus: "Se queres, serás curado; vai, tua fé te curou". A cura se dá pela fé no amor filial vertido em nossos corações, o qual extirpa a culpa patológica, a baixa auto-estima, o complexo de inferioridade, nos faz filhos de Deus, aptos a praticar o amor fraterno. A culpa patológica são nossas trevas, o reino de Satanás. Jesus é a vida, luz que vence as trevas da nossa alma enferma, e prepara nossos pés para a luta.
O pecado do mundo é muito mais venenoso que os pecados pessoais. Jesus convivia bem com os pecadores, os acolhia, sentava-se à mesa com eles, deixava-se tocar por eles sem se contaminar, como pensavam os escribas e fariseus. Mas ele vivia em combate aberto com escribas e fariseus, representantes da Lei geradora do pecado mundo que oprimia o povo. Jesus veio libertar o povo da religião legalista, que gerava culpa sem arrependimento, pois lhe interessa, não salvar, mas manter o povo escravo da religião da Lei e explorar sua boa fé. Um dia depois que o batizou no Rio Jordão, João Batista "vê Jesus aproximar-se dele e proclama: Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo" (9). Onde está o pecado do mundo? Nas instituições religiosas e civis, que oprimem os pequenos. Pecado impessoal, oculto, que envenena e fere o coração humano, e é a origem de muitos pecados pessoais. O coração é nosso ser mais íntimo, nosso DNA, a sede das instâncias mentais, onde nascem pensamentos, sentimentos, palavras, decisões e ações. "São maus os desígnios do coração humano desde a infância; ele é falso como ninguém, incorrigível; quem poderá conhecê-lo? Eu, Javé, perscruto o coração, sondo os rins, retribuo a cada um conforme seu caminho e o fruto das suas obras. Deus vê não como o homem vê, pois este toma em consideração a aparência, mas Javé vê e conhece os segredos do coração. É dele que saem más intenções: perversidades, fraude, devassidão, insensatez, inveja, calúnia, orgulho" (10), (11), (12), (13). É este coração ferido, o DNA enfermo e vítima do pecado do mundo que Jesus veio curar. No DNA estão contidas as informações genéticas dos indivíduos de uma espécie. Ele é a estrutura genética básica de cada espécie, que contém qualidades e defeitos de cada indivíduo, conaturais ou modificadas por influências das decisões pessoais e/ou do meio-ambiente. Alteradas, não destruídas. As características das espécies permanecem intactas, por tratar-se de leis genéticas e leis se modificam, mas não perdem sua essência. O bem, as influências externas boas, sentimentos e pensamentos positivos, elevada auto-estima, bem-estar, a saúde, a fé, a esperança e o amor fraterno fortalecem o DNA humano. Mas, as más influências, os sentimentos e pensamentos negativos, a maldade, a baixa auto-estima e as doenças, as estruturas opressoras da sociedade, configuradas no pecado do mundo alteram negativamente o DNA humano e cada geração transmite à outra um DNA enfermo. Ele é o coração humano, lugar aonde ninguém vai. Mas o Espírito Santo conhece a profundeza do coração humano, quaisquer que sejam as aparências, penetra nele, revela os pensamentos e desejos, os pecados mais secretos do ser humano, os expõe à luz plena. "Quando o Espírito da Verdade vier, ele vos conduzirá à verdade plena. Ele estabelecerá a culpabilidade do mundo a respeito do pecado, da justiça e do julgamento: do pecado, porque não crêem em mim; da justiça, porque vou para o Pai; do julgamento, porque o príncipe deste mundo está julgado" (14). A obra do Salvador, do Médico divino está com concluída: sua encarnação, morte de cruz e ressurreição extirparam o pecado do mundo, limparam os corações de toda patologia, deixaram o corpo e a alma humana curados, mediante a fé. Deus Mãe revela a patologia que o pecado do mundo causou no coração humano e é remédio que o curará.
O ser humano é imperfeito por natureza. Sua fragilidade congênita inclui a possibilidade de falhar. A falibilidade congênita do ser humano é o pecado potencial. O Criador assim o quis. "Javé modelou o homem da argila do solo, insuflou em suas narinas um hálito de vida e ele se tornou um ser vivente". O sopro vital faz o homem imagem de Deus. Mas, ele "é pó" (15). Por isto, não é Deus, mas apenas semelhante a ele. Este paradoxo ontológico é querido por Deus, que fez o ser humano ao mesmo tempo espiritual como Deus e material como pó da terra. A substância humana é composta de corpo e alma, inseparavelmente unidos. Por isto, ele é imperfeito por natureza e só pratica atos imperfeitos. Não há mal nisto. A falibilidade humana é um limite, não um mal. E pecar não é fatalidade, mas opção livre. A decisão de pecar ou não é nossa. Se assumir seu limite, tirando energia da relação com Deus, com os semelhantes e outras criaturas, o ser humano não pecará. Se esquecer seus limites, praticará atos contrários à sua natureza, gerará desordem consigo, com Deus, os outros, a natureza. As ações humanas más infirmam o DNA. E o que era limite, pecado potencial, torna-se pecado atual, pessoal, fruto da liberdade de escolha insensata. A soma dos pecados pessoais forma o amálgama de maldade, o pecado do mundo, configurado em estruturas opressoras, que vitimam as pessoas e as demais criaturas. As vítimas do pecado do mundo são os pecadores passivos. São estes que Jesus salva de preferência.
Eis a origem do pecado mundo, raiz dos pecados pessoais. Cada um é Adão e Eva,vítima e origem do pecado do mundo, veneno desagregador das relações pessoais consigo, com Deus, os semelhantes. O pecado potencial é a fragilidade genética do ser humano, pecado original transmitido pelo DNA de geração a geração. Quando Davi diz: "minha mãe me concebeu no pecado, nasci na iniqüidade", está se referindo à fragilidade congênita do ser humano, à sua pecabilidade. Este é livre de ceder ou não à sua fragilidade, pois a fé lhe dá poder para conviver com ela sem falhar. Ora, um ser frágil se fortalece relacionando-se, não se isolando como Adão e Ava. Seu pecado atual é a atualização do pecado potencial e o ato humano mais imperfeito, porque descontextualizou sua fragilidade, desequilibrando-os. O amálgama dos pecados pessoais é o pecado do mundo impessoal, a patologia social que oprime e tira a liberdade de escolha. As estruturas sociais de pecado e o desequilíbrio ecológico infirmam a genética, o DNA do ser humano inteiro, corpo e alma juntos, e a criação toda. Filhos de pais drogados e alcoólatras nascem doentes porque o DNA dos pais está doente. Por isto, "minha mãe concebeu-me no pecado, eu nasci na iniqüidade" (16). O DNA dos pais de Davi e de cada um de nós, por natureza é frágil, mas sadio, foi afetado pelo pecado do mundo e sofreu uma mutação genética patológica. O DNA passivamente pecaminoso dos pais é transmitido a cada humano gerado. Por isto, cada um é gerado e nasce no pecado. Não que o ato sexual seja pecaminoso em si, gerando filhos ou não, mas porque o DNA dos pais, geneticamente frágil, está enfermo, é vítima do pecado do mundo, doença transmitida a cada criança gerada. O DNA dos pais contém e transmite a patologia do pecado ao corpo e à alma de cada ser humano gerado. Mas, o pecado não destrói, tão só enferma o DNA dos pais. Por isto, este pode ser curado, restaurado. O Deus que cria todas as coisas do nada e ressuscita os mortos, é também capaz curar o DNA doente de cada ser humano, pela presença do "Espírito da santidade filial vertido em nossos corações"(17), Deus Mãe que faz novas todas as coisas, mediante a fé. Quem crê nesta realidade, terá sua vida transformará em profundidade, na sua essência, no seu DNA. Crer e agir como nova criatura, e orar sem cessar, pedir ao Intercessor Jesus que o Espírito que dá vida a todas as coisas restaure nosso ser enfermo inteiro, desde a profundeza insondável do nosso DNA, onde são gravadas as falhas dos antepassados e transmitidas pela genética de geração em geração. O DNA é a essência do ser humano criada por Deus, presente inteira em cada indivíduo novo que é gerado. Ele adoeceu porque o ser humano, frágil por natureza, caiu na tentação de querer ser forte como Deus. Mas, tudo não está perdido. Ele pode rever sua insensatez e entregar-se à ação restauradora de Deus Mãe pela oração e a prática do direito e da justiça, da fraternidade. "O Pai do Céu dará o Espírito Santo aos que o pedirem: Dar-lhes-ei um só coração, porei no seu íntimo um espírito novo: removerei o coração de pedra do seu peito e nele porei um coração de carne. Se me amais, observais meu mandamento: Amai-vos uns os outros como eu vos amo. Rogarei ao Pai e ele vos dará outro Consolador, para que pra sempre permaneça convosco. O Espírito socorre a nossa fraqueza, porque não sabemos pedir como convém. Mas ele mesmo intercede por nós com gemidos inefáveis" (18); (19); (20) (21). A oração com fé restaure a saúde original, cura o DNA humano e nos faça novas criaturas. "Ó Deus, cria em mim um coração novo, renova um espírito firme no meu peito. Devolve-me o júbilo da tua salvação e que um espírito generoso me sustente" (22). Mas, a cura só se realizará se a oração se expressar nas obras da fé. "Basta de louvar-me com os lábios e ter o coração longe de mim. Basta de trazer-me oferendas vãs. Elas são para mim um fardo; estou cansado de carregá-lo. Quando estendeis vossas mãos, desvio de vós os meus olhos; não vos ouvirei, ainda que multipliqueis vossa oração. As vossas mãos estão cheias de sangue: lavai-vos, purificai-vos! Tirai da minha vista as vossas más ações! Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem. Buscai o direito, corrigi o opressor. Fazei justiça ao órfão, defendei a causa da viúva! Então, poderemos conversar. Mesmo que vossos pecados sejam como escarlate, tornar-se-ão alvos como a neve; ainda que sejam vermelhos como carmesim, se tornarão como a lã" (23)
A salvação, a cura se dá, pois, pela fé, expressa em oração e a prática do amor fraterno. Em ambos os casos, louvamos Deus Trino e Uno, pois,
"a melhor oração é amar". Por que a oração e a prática do amor fraterno curam os corações enfermos? Porque o pecado do mundo oprime os dons do Espírito Santo, que são nossas capacidades para "crescermos e nos multiplicarmos" (24). Os dons atrofiados adoecem e geram patologia psicossomática, por falta de atividade. Mas, a presença de Ruah nos corações enfermos neutraliza o veneno do pecado do mundo, inicia seu processo de cura e o reabilita para as obras da fé: a oração e a prática do amor fraterno. Dons enfermos por inatividade são curados quando voltam a funcionar. A razão da cura é a fé na ação restauradora de Deus Mãe, operante na oração e no amor fraterno. Não há cura sem a fé operante. "Deus nos criou sem nós, mas não nos curará sem nós" (S Agostinho). "Deus fez o homem reto, mas sua insensatez mexeu na criação e ele procura complicações sem conta". Mas, nem tudo está perdido, pois ele ama o que cria. "Se tivesse odiado algo, não o teria feito" (25). Para restaurar sua obra prima, sua imagem e semelhança, Deus entrega Jesus em sacrifício, mas põe em nossas mãos a tarefa de refazer o que quebramos. Isto é a fé. Se não acolhermos pela fé a salvação, a cura que Jesus Cristo nos mereceu, ela não mudará nossa vida. Por isto Jesus sempre dizia aos enfermos: "Se quiseres, serás curado; se creres, verás a glória de Deus; vai, tua fé curou-te". Não existe cura, salvação sem a fé expressa na oração e no amor fraterno. Toda oração cura, restaura a vida, em particular a oração sacerdotal de Jesus configurada na Eucaristia, da qual participamos, celebrando e praticando as obras do amor.
(1) Mt 1,21; (2) Lc 19,10; (3); Jo 10,10; (4) Mt 9,10-13; (5) Mc 2,1-12; (6) Jo 1,12; (7) Is 1,18; (8) Is 58,6-9; (9) Jo 1,29; (10) Sm 16,7; (11) Sl 43 (44),22; (12) Gn 8,21; (13) Mc 7, 1-22; (14) Jo 16,8-13; (15) Gn 2,7;3,19; (16) Sl 50 (51),7; (17) Gl 4,6; (18) Lc 11,13; (19) Jo 14,15-16; 15,12; (20) Rm 8,26; (21); (22) Sl 50 (51),12-15; (23) Is 1,13-18; (24) Gn 1,28; (25) Sb 12, 24.