Joacir Soares d'Abadia
Brasilia
BRASIL

 

Opúsculo do conhecer

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Meu intelecto está dilatando. Por isto ele leva-me a analisar a realidade. E para fazer tal, sou conduzido a ver os fatos, não como eles são, mas como posso sintetizá-los. Os fatos não passarão à minha vista sem que os tenha como a realidade que está para mim. Quando tenho os fatos, recebo-os como algo que são necessários, isto é, úteis. Entretanto, o sentido dos fatos vai ter uma conotação no meu intelecto quando, por via da razão, sou posto a fazer deles uma expansão para chegar-me à dilatação da minha racionalidade. No entanto, Kant diz que temos uma estrutura transcendental que possibilita o conhecimento. Todavia, esta estrutura é comum a todos os homens.
O que reza no meu pensar pode até ser de desejo conceitual, porém, o que sobressai é o que mais se dilata. E o que mais irá dilatar, portanto, no meu intelecto, é, sobretudo, aquilo pelo qual eu dou-lhe muita importância. Quanto mais me debruço sobre o analisar os fatos, Tanto mais eles me serão manifestos em quase toda sua plenitude, porque na profundidade do analisar está o fato – para mim – de forma sintetizada no meu intelecto.
Kant disse que o conhecimento começa com a síntese. Eu sou favorável a esta argumentação, visto que ao analisar de maneira sintética – a partir da decoração – os fatos, eles serão na sua inteireza a importância da sua validade. Pois o decorar é, neste contexto, analisar com o coração os fatos da minha realidade de forma a conduzir meu intelecto ao conhecimento, na sua profundidade, aquilo o qual dei importância. Assim, só sou favorável ao argumento de Kant no sentido de que o conhecimento se dilata com a síntese e se desta síntese tramar a possibilidade de um conceito. Isto feito, lhes pergunto: é possível partindo da síntese formar conceitos? Creio que sim, pois conheço pelos conceitos, que o entendimento formula, juntamente com os sentidos. O conceito dado pelo entendimento também me proporciona a conhecer e não somente os sentidos, como quis Kant.

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Por outro lado, para compreender a dilatação que está acontecendo com meu intelecto é preciso que eu leve você, meu caro analisador, a pensar sobre o que estou propondo, ou melhor, analisando. Se compreender isto, estarei conseguindo transmitir a minha idéia e você passa a dilatar seu intelecto em busca de algo, o qual dará muita importância a ele e o colocará em foco para a sua análise.

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Revolvo-me aos fatos. E alguém pode me perguntar: “o que tanto escreve? Que te dá tanta inspiração?” Durante quase trinta segundos coloco-me em silêncio. Logo, vem a resposta para tal objeção. Mas antes de responder proponho o que pensei após pensar nesta possibilidade de interrogação. Escrevo a função dos vários conceitos, mas não conceituo o que escrevo, porque é uma questão que, para compreender, é preciso deixar que o intelecto se dite. Contudo, o que me dá tanta inspiração, não são nem os fatos nem a análise destes; é, principalmente, a dilatação do meu pensar – em busca da compreensão da estrutura transcendental de Kant.

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Com o pensar, de forma lógica, esbarro, sem fronteira, nas arestas do conhecimento, mas mesmo esta aresta não impede que pense acima de mim, e esta é a função do intelecto depois de sua dilatação. Através da dilatação do intelecto, meu pensar se torna um fato, o qual posso analisar. Como eu consigo analisar meu próprio pensar? Analiso-o não com os limites os quais encontrei, mas com a expansão que ele vai estar concebendo a mim mesmo por via dos fatos da realidade. Ou seja, analisar a maneira que o analiso: faço esta síntese de forma coerente ou se recaio, sobretudo nos conceitos.
Como posso analisar meu próprio pensar?
Não tenho outra alternativa, a não ser utilizar minha capacidade racional, quer dizer, a inteligência para ler na obscuridade algo que não conheço por dentro. Este ler por dentro é posto somente à inteligência. Só à inteligência cabe a leitura dos fatos. Com efeito, por meio do uso da minha racionalidade não fico na euforia, ou seja, na exaltação do eu, pois deparo com a probabilidade de fazer uma análise dos fatos, visto que atuo como um ser racional: homem que direciona seu agir através da razão, ou seja, entende as coisas por dentro. Entretanto, com o uso da racionalidade sou persuadido de que devo proceder minha análise dos fatos tendo em vista a ética e a metafísica. Porque se deixo uma destas bases que norteia a vida humana de lado, estarei afundando na obscuridade dos acontecimentos e não enxergaria nem mesmo o eu como pessoa e assim ficaria absolutamente difícil para eu fazer uma análise do meu próprio pensar. Desta forma, eu analisaria somente a minha própria exaltação, a euforia.
Uma euforia que já percebo em Kant. Este, para versar sobre o conhecimento, via ao mais alto grau que o conhecimento, de seu tempo, poderia lhe fornecer. Porém, o que observo em Kant é que por exaltar a consciência, ele busca incessantemente a forma do conhecer e a sua estrutura, reduzindo, assim, tudo à consciência, quer dizer, às verdades a priori.
Desta forma, o que percebo em Kant é a desconsideração da metafísica. Pois, para ele é a estrutura transcendental a priori presente em cada sujeito que tem valor. Isto porque ele coloca em primeiro plano a prática. Assim, com efeito, Kant descura da metafísica e deixa brilhar somente a ética. Por isto é que ele exalta a consciência.
Creio que ao desconsiderar a metafísica, Kant “fecha” a realidade sensível e a inteligível deixando simplesmente a consciência “livre”. Vale ressaltar que a realidade sensível, a qual Kant descarta, é aquela dos empiristas como fonte do conhecimento. Porque para Kant o homem só conhece, quando sua estrutura lança luzes sobre o objeto.

Terá a metafísica, depois de Kant, uma fraca expressão? Sua expressão passa a ser aquela pela qual se duvida da verdade universal. A decorrência do pensamento kantiano reflete-se também na arte e em outras ciências. A filosofia de Kant nega a Metafísica no seu conceito tradicional; ele faz uma metafísica da consciência dizendo que tudo se reduz à razão.
Na metafísica pós-kantiana, o que rege não é mais a verdade no seu sentido pleno e que seja válido para todos quanto vale do seu próprio sentido, e, mais, também para aqueles que desta verdade universal não se utilizam. O que existe com a verdade universal é que mesmo o sujeito não participa dela; ela continua a ser a verdade que abarca o todo.
Então, senão é mais a verdade universal que rege o pensamento pós-kantiano, deve existir algo que toma o lugar desta verdade. O que é colocado em pauta é o cientificismo: reduz a verdade das coisas à mera ciência moderna. Porque para a ciência não cabe falar de uma verdade universal, visto que ela trabalha com a verdade falível. A ciência preocupa com a verificabilidade, com a hipótese. A verdade da ciência é válida somente para um período, no qual não vai existir outra verdade para abalá-la. Assim, a verdade da ciência precisa passar pela verificabilidade.
Uma verdade, da ciência, hoje, pode não sê-la amanhã, pois a razão de sua existência é uma razão de hipótese: pode se falseada a qualquer momento. Uma hipótese é verdade, enquanto não vai existir outra que toma o seu trono. Para Popper não vai existir ciência, mas sim cientificismo, ou seja, aquilo a pode passar pelo método da falseabilidade.
Desta forma, para que a ciência possa evoluir é preciso que ela entre em crise, isto é, seja refutada para torná-la consistente.
Retorno-me à metafísica. Kant explana sobre a analogia, a qual se dá entre dois distintos que se realiza no mesmo nível. Para ele não pode passar do conceito de infinito ao infinito. Deste modo, com efeito, não tem como conhecer Deus. Este permanece desconhecido. Deus é o postulado da Razão Pura, diz Kant. Alma, mundo e Deus são postulados da razão; ninguém consegue tocá-los. Na Crítica da Razão Pura, Kant demonstra que Deus existe. Ele é a recompensa, na outra vida, pelos atos morais do homem. Deus garante o fim para o homem. Deus é o meio que garante o fim. Este não pode ser maior que o meio, visto que Deus não pode ser experimentado pelo homem. O fim do homem é a felicidade.
Para Kant a metafísica que deve ser afirmada é aquela que abrange o mundo dos fenômenos, quer dizer, o mundo fenomênico. Nele que existe uma adequação do objeto ao sujeito. E o sujeito é quem vai lançar luzes ao objeto.
Na filosofia de Kant encerram-se em si três questões, a saber: que eu devo conhecer? Que eu devo obrar? E que me resta esperar? A primeira questão é a filosofia racional, a qual cuida de responder ao problema gnosiológico. É na filosofia racional que se tem o conceito transcendental. Este está sujeito ao mundo e à minha experiência. As duas últimas questões versam sobre a filosofia moral (na Crítica da Razão Prática, Kant diz que conhecemos a Deus através dos postulados da moral).

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A razão humana se dilata.
Sim, pois, como disse Aristóteles, a razão é uma tábua rasa. E por esta razão é que pode dizer que a filosofia não é nem para os acadêmicos nem mesmo para os ignorantes; é, sobretudo, para aquele indivíduo que busca incessantemente dilatar seu conhecimento. Mas de que forma? É muito simples: é só procurar conhecer sempre mais. Porque o conhecimento é uma obra divina que se dilata o quanto procura conhecer e não se esvai sempre.
Conhecer sempre. É o que faço. Com o intuito de dilatar o meu intelecto. Isto eu faço desde minha alfabetização. Esta prosseguiu do seguinte modo, por aprendizagem: juntei as letras até formar uma palavra: A, B, C (...) e ao fazer uma síntese delas chego a algum conceito, como: j+o+a+c+i+r, conceito este que irá formar a palavra-conceito Joacir. Porém, antes de conhecer toda uma frase conheço primeiramente as letras, ou seja, avaliei por partes até atingir o conceito de joacir, como no exemplo dado. Ao pôr o conceito no intelecto, ele não me diz tudo o que o objeto é, como já disseram vários filósofos. Pois é preciso dilatar o conhecimento até abranger a uma síntese que só a análise feita por dentro pode fazer, isto é, pela inteligência.
O conceito não diz tudo ao intelecto. Por este motivo Kant pode falar da estrutura transcendental. O intelecto é muito mais abrangente que tudo o que o conceito pode tentar conceituar.
Quando digo 10, descrevo um conceito dez que vem com o símbolo 10 para representar uma quantidade estipulada por um conceito proposto: dez poemas ou 5 uvas. Dizer 10 “ou - ou“ 5, então, recai toda a validade ao primeiro que é o número 10 visto que um “ou” neutraliza o outro. Para Hermógenes, se eu dou nome a uma coisa qualquer, digamos, se ao que chamamos homem, eu der o nome de cavalo, a mesma coisa passará a ser denominada homem por todos, e cavalo por mim particularmente, e, na outra hipótese, homem apenas para mim, e cavalo para todos os outros.

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Contudo, um dito somente diz aquilo que ele pode alcançar, mas não se eleva a dizer tudo o que é dito na sua inteireza; depara com o dito (dictio), o conceito. Fazendo isto, cada conceito, isto é, o dito não diz tudo que poderia dizer, pois o Dizer é infinito como versava Lévinas. Quando digo alguma coisa já não tenho posse deste algo, pois cada indivíduo vai interpretá-lo de sua forma; ele deixa de ser particular, ou seja, não é mais meu dito. Entender o dito é fazer uso do próprio dito para chegar a compreender o que dizemos.
O dizer ultrapassa a si mesmo. Ele não fala tudo o que o autor quer dizer. O dito é aquilo que lanço por meio da linguagem. Da linguagem o dito vai para a interpretação do dizer. Este é infinito, infalível e inefável.
O conhecimento como tal se realiza dentro do dizer, visto que é infalível, infinito. Quanto mais se busca compreender o dizer, tanto mais ele se torna distante do que foi dito. Tenta-se dizer com o dizer o que foi dito. O dizer não versa toda realidade dita. Ele vai para além da interpretação, seja do autor, seja daquele que busca interpretar. O autor diz: o dito (dictio). Mas ao que seu dito alcança nem mesmo ele é capaz de chegar na sua profunda interpretação.

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Isto feito percebe-se que não conheço a coisa em si mesma – idéia vaga –, mas a representação desta idéia vaga. O que eu necessito fazer então é recolher o máximo de informações possíveis para armazená-las no meu intelecto de maneira tal que cada vaga idéia se une e vai se expandindo e transformando em conceitos que poderão vir a ser um dito à medida que uma relação entre as idéias for feita. Assim, o conceito deve corresponder-se ao objeto que está conceituado no intelecto. Porque posso, desde criança ter aprendido que faca é igual a doce. E ao solicitar que eu pegue a faca, logicamente, trarei o doce, visto que o que está na representação não corresponde com a coisa em si.
Um outro exemplo pode ser realizado com os números. Porque sabemos por aprendizagem, insisto, que 5+2=7, mas se a representação não corresponder à idéia no intelecto posso fazer dar outro resultado ao passo que o resultado que tenho é uma união de múltiplos conceitos. Ou também posso mudar o conceito que tenho e chegarei ao mesmo resultado; porém, esta soma das partes deve estar representada na minha razão. Em Kant não existe isto que propus, porque para ele a forma vai ser dada à matéria pelo sujeito. Ele sustenta que o sujeito é que informa a matéria. É a estrutura que lança luzes ao objeto.
Mudo, portanto, o conceito, e ao invés de dizer 5+2=7 vou dizer, então, que 2 é igual a rato. E rato será simbolizado assim: J’. Isto feito, o resultado que terei não burla o que está no meu intelecto, porque aqui o que é considerado é simplesmente o conceito. Entretanto, a proposição ficará assim: 5+J’=7, visto que o conceito pressupõe algo.

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A avaliação, por mais eficaz que possa ser, não consegue abordar a plena realidade dos fatos. Ela é realizada com profundidade quando o intelecto acolhe o conhecimento que a ele monta. Primeiro surge ao intelecto algo superficial, sem conceito e que se apresenta sem nenhum sinal simbólico; apresenta como uma sombra. Depois, já em segundo plano, o intelecto concebe àquela idéia vaga um conceito, o qual, já foi dito, não é o tudo do que está à minha frente. Por que isto que foi feito, ou seja, a conceituação, não é nada mais que uma representação daquilo que é posto ao intelecto, a idéia de uma coisa. Para Theo Kobusch construir conceito é o mesmo que significar.

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A razão humana se dilata finita ou infinitamente? Se analisar o conhecimento provindo dos sentidos, podemos cair numa simbiose em dizer que o conhecimento através dos sentidos parte de um pressuposto o qual diria que ele é finito, ao passo que o sujeito o qual está pendendo todo o conhecer é essencialmente mortal. E, por outro lado, se penso em um conhecimento o qual está num tender ao Absoluto, este conhecimento também pode dar-lhe uma razão que seja assim, infinita.
Porém, enquanto o conhecimento infinito, este pode ser versado numa perspectiva de que o conhecimento se dilata infinitamente enquanto eu existir (sem levar em conta a alma, fonte pela qual se realiza o conhecimento Absoluto, pois deste conhecimento explanarei num momento oportuno). Em suma, a razão se expande infinitamente enquanto estou nesta realidade finita, porque posso conhecer sempre. Mas, todavia, sou mortal, então conheço de forma finita.
Eu existindo, não há dúvida de que existo. Aqui, na minha existência, sou colocado em um estado aberto ao conhecimento da multiplicidade dos entes. Esta abertura faz com que minha razão se dilate infinitamente, porque quanto mais conheço, meu intelecto fica apto para fazer o casamento das idéias que a ele chegam e deste entrelaçamento surge na minha razão um conhecimento que se expande em diversas áreas do saber.

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O que existe para mim é o que é em mim. A coisa fora só existe para ela mesma. Minha palavra existe. O que escrevo não existe, está fora de mim. A existência de cada coisa é dada por ela e não por outra (não no sentido de criação). O que digo (palavra) existe, mas o que eu escuto não existe. A coisa está em si e não em outra coisa. Por estar em si ela existe para si. Não existe, porém, para um outro.
O que refiro de mim vale enquanto está sobre minha existência. O que escuto é falso e o que digo é verdadeiro. O fora sempre é falso (que não está sobre meu domínio); ele é universal (comum a todos) e por isto não se refere a nada em particular. É somente algo exprimível, válido somente para aquele de quem está provindo. Eu entendo o falso. A coisa vem até mim. Ela chega a mim como falso, mas quando a tomo para o meu eu, aquelas coisas passam a significar algo de verdadeiro para mim. A coisa fora do meu domínio só é verdadeira a si e para si. E também só existe para si. Chegam, as coisas, como falsas, e logo que são apreendidas por mim, ficam sendo verdadeiras.
A presença da coisa em mim pode ser para mim ou eu mesmo. Tenho um nome. Ele é falso quando escrevo. Sendo falado por mim ele torna-se verdadeiro. No entanto, para aquele que ouve é falso, visto que meu nome está fora dele. Contudo, tenho proferido o meu nome, este será verdadeiro para aquele que antes só ouvira a pronúncia do meu nome. Este é aquele que designa algo como uma entidade positiva, apoiada em si mesma e determinada como um conceito (per modum habitus et quietis et per modum determinatae apprehensionis) como dizia Kobusch.
A coisa tem um significado para mim que a tenho, mas é significante para um outro. Para o meu nome o seu significado é verdadeiro. Aliás, o significante (o objeto) é falso. Foi falseado por aquele que queria tê-lo e não se ater a ele mesmo. Ficou só no fora de si, sendo, no modo de ser, falso.

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Nem tudo que é de domínio meu, existe na realidade. Por isto, não vai existir para si. Assim, posso pensar em um coco, na praia, voando ou mesmo latindo. Mas nem por isto realmente existe coco que voa e que late. O que fiz foi juntar os significados daquilo que tenho. Pode existir para mim, pois foi pensado por mim, e, logo é verdadeiro para mim. Não vai existir (a coisa pensada por mim) fora de mim, então, não existe em si.
Da mesma forma, posso pensar numa “Aragufe” que está na mata virgem, mas ela não existe em si (não tenho como imaginá-la somente com este conceito. Este não me leva a algo próprio, visto que não tenho nenhuma referência que possa significá-la). De outro modo, penso em uma “minhoca da mata virgem”. Ela vai existir e ser verdade para si. Para mim é verdade enquanto penso e posso falar dela. Todavia, a imagem da minhoca para mim é falsa. Está fora de meu domínio. É verdade somente enquanto penso ou falo.
A existência da minhoca não se esgota pelo fato de que não está em meu domínio. Ela existe para si, independente de ser conhecida por mim. Ela é verdadeira para si e falsa para mim como realidade mesma. Quando eu transpuser a minhoca que pensei da imagem ao meu pensar; aquela minhoca que pensei, ela será, sem dúvida, verdadeira a mim e a ela, sem descartar que seja falsa para um outro, visto que para um outro a minhoca está fora do domínio. Para um outro esta coisa em pauta é falsa. Contudo, pode ser verdadeira (a minhoca) para aquele outro? Sim. Mediante o domínio dela.
Assim, fica ressaltado que uma coisa pode ser verdadeira para mim e também para o outro. Não se escusa que pode ser falso também a si, como é o exemplo do “coco que voa”. Este é verdadeiro para mim enquanto eu o penso, mas em si é falso; é verdadeiro somente o que pensei.

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Meu conhecimento vai até onde quero levá-lo e isto faz com que posso conhecer infinitamente aquilo pelo qual busco conhecer. Vou buscar conhecer para além desta realidade sensível. Bem como, vou conhecer o que perpassa o real. Irei para o além do físico, culminarei se tiver base para compreender a realidade que me circunda. Tenho que partir de algo que seja de meu conhecimento para tentar saborear aquilo que está para o além.
Por isto que só conheço conhecendo sempre. E conhecer sempre pressupõe hábito que se cria na busca do conhecer.
Nesta busca do conhecer o conhecimento se realiza como um caminhante que caminha em uma estrada. O caminhante sabe que está em uma estrada e que tem, nem todos, o local ao qual vai chegar, ou seja, o caminhante sai de um lugar determinado e vai para outro. Este local de chegada nem sempre é conhecido pelo caminhante, porém, este que caminha sabe para onde tende o seu caminhar. Aqui não faço menção ao método da Metafísica o qual diz que o ponto de partida não é tão importante quanto o de chegada, visto que quero analisar o “meio”.
Entretanto, fica uma disparidade que este caminhante não tem como prever quando parte em caminho que é o percurso e, principalmente, o que encontrará neste caminho. O ponto de partida e o de chegada já tem pelo menos uma idéia de como será, mas o que está entre a partida e a chegada não é do conhecimento do caminhante.
É, portanto, entre na partida e na chegada onde repousa o verdadeiro mistério o qual o caminhante deverá procurar desvelar. Com esta procura o caminhante estará conhecendo aquilo que vai para o além, ou seja, o que perpassa o simples fato de caminhar.
Concretamente. Enquanto um caminhante exercer a função de caminhar, fica para trás não somente sua história como também seu rasto. O que vai a algum lugar o faz construindo uma história, a qual ao mesmo tempo vai ficando para trás. Os rastos, ou seja, os passos, os quais detenho por vez com maior vigor, estão a construir na estrada do conhecimento um edifício que me levará a conhecer não somente o ponto de partida ou o de chegada. Mas, me possibilitará conhecer este véu que está na obscuridade do conhecer que é o percurso e todos os obstáculos que ali se encontram.
Em primeira mão, o ato de caminhar parece-me fácil para aquele que o faz, porém para um outro que nunca procurou tal parece causar medo e insegurança, como, por exemplo, uma criança que tenta dar os primeiros passos.
Os passos podem parecer-me meio mecânico: faz-se sem pensar. Realiza-se por atos reflexos. E em comparação com a vida humana, os passos fazem referência à dominação de um homem pelos demais, visto que um sempre fica submisso ao outro. Desta forma, o movimento dos passos serão tão rápidos quanto for a velocidade da dominação de um por aquele que está à sua frente. Não diferente é a dominação humana em que sempre têm uma pessoa na frente para dominar as outras que estão atrás dela.
Os passos seguem uma dinâmica que leva a conhecer o percurso e os obstáculos que meu conhecimento encontrará na busca por aquele fim (o ponto de chegada). Esta dinâmica é a dominação que surge entre os passos no decorrer do caminho. Uma dinâmica que realiza entre um passo e o outro.

Na vida os passos são sempre dominantes um do outro. Eles são à força dos alternos de um compasso que fica em cada rasto feito por uma sincronia de movimentos deixados por um pé. Quando um pé apóia sobre o chão duro, fica firme como uma pilastra de concreto e o outro pé, nos ares, sem firmeza, sem apoio e sem a força que vigora no seu dominador.
Por isso, o pé que está nos ares é e sempre portará como um passo que seja manipulado por aquele que está firme na plataforma da terra, pois a cada compasso repete-se o jogo do dominador verso o manipulado.
Em passos distintos há também forças diferentes que vão reger a salientude de um e do outro de forma que nenhum seja menos útil que o outro. Mas, por um lado, a força em vigor deve, sem empecilho, ser mais atual na terra de que aquela atuante sem o prestígio de um solo que a firmaria.
Um passo deixa de ser ele mesmo a cada movimento exercido. Pois, para cada passo existe um tempo, o qual se esvai em cada movimento.
O tempo de cada passo é o tempo de se dar uma dominação. Isto num espaço de tempo corrente.
Assim, um passo, dominador ou dominado, soma a não existência do mesmo passo, o qual está a um passo de si.

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Contudo, o homem pode se dedicar a infinitas funções sem desqualificar nenhuma delas. Quando eu penso desta forma vejo que pode existir uma hierarquia dentre as múltiplas tarefas nas quais o intelecto pode se dedicar. Eu, enquanto analisador, isto é, que estuda uma área do saber específica, não posso dizer que sei (no sentido de saber tudo) mais que um gari. Porém, sei que minha formação acadêmica exige que eu saiba não somente a prática, como o exemplo do gari que conhece através do senso comum, mas sobretudo, a técnica a qual me proporcionará utilizar o senso comum para dele fazer uma ciência que tenha em si base sólida da técnica para ser aplicada na prática.
Meu conhecimento se expande tanto quanto procuro conhecer. Isto é uma verdade. Um gari vai conhecer até onde ele levará sua busca pelo saber. E, eu, como analisador vou estar conhecendo com inteireza quando procuro organizar os conceitos no meu pensar. Agora, vejo porque é de suma importância que um analisador consiga fazer o itinerário do seu saber de forma coerente tendo em vista sempre a ética.

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O raciocínio lógico do analisador exige que ele tenha um conhecimento claro das partes para fazer uma síntese do todo. A síntese clara decorre de um conhecimento fundado na técnica e na prática. Aprendo por partes por meio dos conceitos para compreender o todo: leio um tratado; mas para tanto, começo lendo palavra por palavra até chegar a um ponto e deste analiso o que foi dito antes dele para apreender um parágrafo e na seqüência vou compreendo as partes até culminar na minha razão, o conhecimento daquilo que analisava, outrora, passo a passo.
Depois de captar o todo, tenho que ser capaz de fazer a síntese de tudo que foi assegurado no meu intelecto. Ora, tudo que foi apresentado ao intelecto faz com que ele se expanda, ou seja, se dilate a conhecer mais e sempre mais.

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A expansão do intelecto, como foi dito, se realiza de forma finita. Também foi dito, citando Aristóteles que o intelecto é uma tábua rasa. Dito isto, eu vos interrogo: como se tem infinitude de possibilidades de conhecer? É muito simples! Pois o homem não conhece por causa da estrutura transcendental como queria Kant, mas sim por causa de sua alma.
O homem é um ser racional. Esta sua racionalidade não significa efetivamente o exercício das faculdades de pensamento, vontade, reflexão, etc., mas, sobretudo, a potencialidade para tais exercícios, pois estas faculdades são da natureza humana, visto que o homem é dotado de ânima, quer dizer, alma que por sua vez é racional e principalmente imortal. Contudo, no momento da concepção existe, todavia, a criação da pessoa humana com toda sua potencialidade. E, neste contexto, um nascituro anencefálico (pessoa que nasce com uma má formação encefálica) dispõe também da potencialidade de conhecer, porém, é claro, ele não conhece como nós conhecemos, por causa de algumas debilidades das faculdades racionais, mas conhece por causa de sua alma racional.
A faculdade de conhecer não procede especificamente da estrutura transcendental de Kant, visto que o homem conhece por causa de sua alma racional, a qual lhe possibilita o uso efetivo das faculdades ditas propriamente humanas. Assim, a razão atua neste ser dotado de racionalidade que é o homem, dando-lhe a potencialidade para o exercício da faculdade de conhecer.
Portanto, a faculdade de conhecer não se limita somente ao uso da intelectualidade, ou seja, da faculdade lógica. Dela surgem múltiplas formas de conhecer, tais como pelos sentidos: olfato, visão, audição, tato e paladar.

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O conhecimento que vem para iluminar todos os demais conhecimentos não é aquele que se dá pelos sentidos do paladar, tato, audição e olfato, mas sim pelo sentido da visão. A visão é o sentido que resume todos os outros sentidos. O paladar, tato, audição e olfato têm cada um a possibilidade de levar o homem ao conhecimento. No entanto, estes sentidos destacados fazem com que o conhecimento seja dado ao homem, não pela forma espontânea de conhecer, mas que leva o homem a buscar o conhecer. Para eu conhecer por meio daqueles sentidos devo querer conhecer. O conhecimento que vem por estes quatro sentidos é aquele que quero conhecer ou mesmo que busco conhecer.
A forma pela qual busco conhecer através dos quatro sentidos é dada pelo alcance destes mesmos sentidos. O alcance do conhecer do tato é um alcance de relação. Onde posso fazer uma comparação relacional entre uma superfície lisa e uma outra áspera. Dentre a superfície lisa e a áspera existe o tato, o qual leva-me a conhecer aquela coisa querida. A coisa querida por meu conhecer não será outra coisa que aquelas superfícies lisas e ásperas. A ponte que vai estar entre as superfícies é o tato e o que é querido por mim é aquela coisa querida, a qual me possibilita conhecer.
A coisa querida não fica somente no plano do tato, ela vai também para aqueles sentidos que são queridos: paladar, audição e olfato.
A coisa querida é aquela que eu quero conhecer ou busco conhecer. Quando coloco algo em minha boca, tenho uma sensação de prazer ou desprazer, depende do meu estado emocional. Uma coisa pode ser bastante doce e causar um prazer para mim em um momento, mas a mesma coisa pode ser repudiada por mim em outro momento, visto que o estado emocional que me facultou a gostar de tal doçura não foi o mesmo para conhecer aquela mesma doçura em outro instante. O prazer e o desprazer não dependem do meu estado emocional. Este independe do que é querido por mim. Posso querer sentir doce uma pimenta, porém a pimenta arde.
O estado emocional vai aperfeiçoar aquela coisa que é querida por mim; mesmo que o estado emocional independe daquilo que é querido por mim.
Em um contexto bem amplo o sentido da visão é também a coisa querida, visto que posso ficar de olhos fechados e só abri-los quando eu quiser. No entanto, em um sentido restrito não é bem assim; a perspectiva muda. Aqui tem algo que posso buscar conhecer que é o fato de que enxergo quando abro os olhos e este fato não é querido por mim. Abrindo os olhos não tenho escolha se enxergo ou não, simplesmente, vou enxergar. Este fato de não poder escolher se enxergo ou não ao abrir os olhos é que posso falar que o sentido da visão (ou ato de enxergar) não é uma coisa querida por mim.
A forma de conhecer pela visão parte de duas realidades que andam em paralelo: ver e enxergar. Esta é distinta daquela outra. Logo, posso indagar: o que eu vejo? O que enxergo? Quais destas duas realidades possibilitam-me expandir o conhecimento de forma clara?
O sentido da visão faz com que o homem compreenda melhor a realidade que o circunda. Ele impulsiona um conhecimento geral, ou seja, o homem “vê” (percebe) toda esta realidade que está a sua volta e por outro lado a visão o leva a ter um conhecimento particular e específico que é o enxergar.
Enxergar é compreender as coisas na sua individualidade; é ele que possibilita a ciência levantar hipótese sobre a realidade. O conhecimento dado pelo ver é aquele que engloba a extensão do universo com as coisas que a ele comporta; é o ver do senso comum que vê as coisas todas em conjunto. O ato de ver é um tanto genérico, visto que percebe as coisas existentes não de forma unitária, particular, mas de maneira universal. Isto possibilita perceber a realidade sempre em relação com os seres que a compõem; jamais se percebe uma realidade na existência de maneira individual. Com efeito, esta forma geral de ver os seres reflete até mesmo no Evangelho de S. Mateus quando Jesus diz para Natanael que “antes que Filipe te chamasse, eu te vi quando estavas sob a figueira” (cf. 1, 48).
O ato de ver é um ato universal: abrange toda a realidade (de forma genérica); porém, o enxergar é muito mais específico que o ver, ao passo que ele visa o particular da realidade. Assim, no que se refere ao expandir – dilatar – o conhecimento da realidade de enxergar é mais clara e possibilita um maior conhecimento da coisa dada, quer dizer, da realidade existente.
Depois de enxergar uma realidade dada, o passo seguinte para expandir o meu conhecimento em relação àquela coisa é conhecê-la. E o conhecimento que vou ter desta coisa que enxerguei vai ser, não obstante, a coisa na sua singularidade. Todavia, o que me possibilita conhecer aquilo que enxerguei não é o objeto ou a coisa puramente, mas sim o conceito que dou a este objeto que enxerguei. Porque este conceito implica a aproximação daquele objeto.
Eu não conheço aquele objeto o qual está para meus olhos sem que ele seja conceituado no meu intelecto, pois, caso contrário, eu simplesmente o perceberia. Na medida que minha razão não é passível do conceito de algum objeto, não consigo dizer algo deste objeto. No entanto, o que tenho condições de fazer é simplesmente dizer: “... aquilo que tem uma forma quadrada; uma cor escura... e que parece uma pedra devidamente trabalhada...”. Ou seja, sem o conceito do objeto que enxerguei o que posso falar do objeto é puramente aquilo que parece ser, mas não falo sobre o que é. Vale ressaltar que o conceito é infinito e que quando eu conceituo algo, meu conhecimento não será total daquilo do qual dei um conceito, pois não podemos conhecer nada na sua inteireza, mas somente aquilo que a mim é apresentado do objeto. Ademais, se não tenho o conceito do objeto que enxerguei o que faço é comparar uma coisa com outra e isto se refere ao ato de ver, porque a realidade é percebida juntamente com outras coisas. Desta forma, eu posso falar de algo que assemelha o objeto, mas não chego a dizer o que estou enxergando.
O que vejo na realidade são os seres nas suas diferentes formas. E este ser o qual está na realidade cósmica tem a possibilidade de ser conhecido por mim. Contudo, o ser o qual eu vejo na extensão do cosmo não existe por si mesmo.

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O ser, aquilo que é, não necessita ser conhecido para ser. O ser é. O ser independe de ser conhecido por algo para que possa dizer que tal ser existe. O ser depende de outro para existir. Um ser não é por si. Ele é por outro e não por si mesmo.
Tudo quanto existe na realidade tem em si a existência por outro, o Oculto: o qual ninguém consegue abarcar na sua totalidade nem pela razão nem pela fé. O Oculto, enquanto aquele que dá existência ao ser desta realidade, é por si e não por outro. Ele é o que dá existência a tudo quanto existe. O ser é carente de algo para existir. Ele não existe por si, todavia, ele é, existe. O existente está na realidade, mas jamais carece de ser conhecido para falar de sua existência.
O ser é, pois existe para si e tem a possibilidade de existir para outros. O existir para os outros faz do ser um ser de possibilidade: de ser conhecido. Não obstante, quem conhece o ser é aquele que também existir e que, sem empecilho, é possibilidade de ser conhecido. Assim, o que conhece o ser é aquele que tem uma abertura para o ser, para ser por ele conhecido.
O ser existe porque foi criado. Nada pode ser sem que antes fosse criado pelo Oculto. Quando o ser é criado ele: a) passa a existir em si, b) para aquele o qual o criou e c) tem a possibilidade de ser conhecido por quem quer que seja, quer dizer, pode ser conhecido tanto por um ignorante quanto por um grande acadêmico.
Ao ser criado o ser ganha sua existência sem carência de existir, ou seja, o ser é contingente quando colocado em relação com outros seres, porém para existir necessita de algo que possa dar-lhe existência. O ser não precisa – reforço – ser conhecido para existir. Ele existe porque o Oculto (que é todo Pleno de Ser) lhe deu a existência.
Aquele ser pelo qual existe por causa do Oculto, ou seja, que foi criado, segue um caminho de perenidade, visto que o que foi criado tem um início no cosmo (mundo), existe na realidade, mas traz na sua existência algo que é passageiro, ou melhor, se esvai: não é para sempre. O ser se esvai, porque foi criado e toda existência que foi dada por outro tem seu tempo marcado por um fim.
O fim do ser é dado no momento de sua criação. Não existe nada na realidade que não tenha um fim. Este fim de cada existente faz com que ele seja em si uma realidade que não seja contingente. Isto porque nenhum ser é para si contingente. O ser somente será contingente (não necessário), quando em relação às coisas que o circundam.
Uma galinha enquanto galinha não é contingente para si. Com efeito, a mesma galinha será desnecessária em relação aos outros seres. Desta maneira, até o homem é um ser contingente ao passo que precisa de outros para existir.
O Oculto é desde sempre. Ele é desde sempre, para a eternidade; é desde sempre para sempre no presente. No presente, porque o Oculto é existente. E existindo Ele é e não tem como ser pensado como não existente.
O Oculto existe desde sempre e tem por si mesmo sua existência; não precisou de outros para existir. Ele é total, portanto este ser Oculto não foi criado por nada, pois tem por si a sua existência. Além do Oculto não existe nada. Não existe nada, porque foi Ele o criador de tudo. E sendo o Oculto a causa de tudo, não pode existir algo que seja maior que o criador, visto que o ser que foi criado dependeu de algo superior a si para que se lhe desse a existência.
Assim, o ser para existir carece do Oculto para lhe dar a existência; mas, não necessita ser conhecido para afirmar sua existência na realidade.

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As coisas estão onde deveriam estar. Nada que existe na realidade tem o seu ser desconexo com o que o circunda. Uma coisa nunca pode permanecer fora de sua realidade. Estando nos seus devidos lugares as coisas permanecem até que uma outra não a tire do seu local. Para tanto uma coisa não pode jamais, estando parada, ou seja, sem contato com as outras, mover-se. Porque cada coisa está no seu devido lugar não por que ela esteve desde sempre. As coisas estão onde permanecem até o impulso de uma outra, não por si mesma, mas por “vontade” daquele o qual coloca tudo na realidade, o Oculto.
As coisas estão no lugar que foi feito para elas. Nada pode ocupar o espaço, ou melhor, o local de uma outra coisa, visto que tudo está no seu devido lugar. Desta forma, as coisas permanecem no seu lugar, porém elas são passíveis de serem colocadas em um outro local. No entanto, o lugar que cada coisa ocupa é o local pelo qual nada o pode afligir. Quando uma coisa é movida, logicamente, ela é retirada do seu local, mas jamais deixa de estar onde está.
O ato de retirar uma coisa do seu local implica um movimento fraco, aquele pelo qual é exercido de fora com o objetivo de mudar de um lugar para outro. O movimento fraco é efetuado por algo “de fora”, quer dizer, por aquilo que não ocupa o lugar onde a coisa que sofreu a agressão está; porém, mesmo este movimento vindo de fora está onde por seu início já foi dado o seu local próprio de estar.
Todavia, tanto a coisa que sofreu a agressão quanto àquela que provocou o ato de agredir tem cada qual um lugar no espaço.
Contudo, o movimento o qual será mais considerado não é aquele fraco (que provém de fora), mas sim o movimento forte. Este é o movimento que cada coisa possui, visto que nele o movimento é “de dentro”. Cada coisa está no seu lugar e não pode estar no lugar de uma outra. E isto fica provado, sem necessidade, que a coisa realiza por si mesma seu movimento próprio.
Tudo quanto existe tem uma relação com outras realidades e “agem” do seu modo próprio. O agir das coisas que aqui é entendido como a função de cada realidade, tem por si sua forma de exercer o que lhe é devido. Força alguma pode mudar o princípio das coisas, pois ele foi concedido a elas no momento de seu primeiro impulso criativo.
As coisas estão nos seus devidos lugares, pois existem. Ao passo que, como foi dito, uma coisa nunca pode permanecer fora de sua realidade. As coisas existem em contato com as outras coisas. Com efeito, só o Oculto existe sem que esteja em contato com outra coisa. Ele existe desde si, ou seja, desde sempre.
As coisas existentes têm na sua realidade de coisa um fim que as impulsiona a um movimento. Este movimento presente em todos os existentes se distinguiu, como mencionei, em duas formas, sendo que cada uma destas formas tem seu movimento original de exercer sua finalidade.
Na coisa que existe já está em sua essência o modo de ser. E é o modo de ser de cada coisa que faz delas se tornarem diferentes umas das outras. Mas com a diferença entre uma coisa e outra, o que acontece é uma distinção da coisa, visto que cada coisa tem seu movimento próprio e realiza o que está inscrito em sua finalidade.
A unidade das coisas faz com que uma mesma coisa seja ela mesma e não outra realidade com o passar dos tempos. No sentido que uma coisa está sempre em contato com outras, mas nem por isto ela perde sua característica de ser. O contato com as outras realidades dá à coisa sua estabilidade concreta de existir.

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O conhecimento o qual cada indivíduo tem é adquirido no meio em que está inserido. De um lugar apropriado é que surge a organização do conhecimento, ou melhor, daquilo do qual foi conhecido. Logo, é na privacidade que o homem dá uma organização lógica ao seu conhecimento. Ou, então, o homem hierarquiza àquilo que outrora conhecera. O homem está inserido no meio e faz parte deste meio. Isto faz com o homem conheça não de forma individual – no sentido de que não esteja sozinho no mundo –, mas pelo modo coletivo.
O modo coletivo de conhecer é que dá ao homem uma aproximação da realidade, na qual ele está inserido. Este conhecimento coletivo é aquele que cada indivíduo recebe, seja pela época que esteja vivendo, seja pelo meio que esteja inserido. Exemplificando, o modo coletivo de conhecer pode citar as guerras. Esta sempre teve um forte acento na cultura de um povo e principalmente no seu comportamento. Isto porque a coletividade que é manifesta na guerra é que vai refletir depois no pensamento e na cultura de um povo.
Todavia, o modo coletivo de conhecer não passa da experiência daqueles que participam da guerra ou de outros fatos. Visto que, no conhecimento coletivo não há organização da experiência vivida por cada indivíduo, o que se tem é a vivência da realidade. Contudo, é o conhecimento privado que possibilita ao indivíduo expor sua experiência tanto de guerra quanto de seu período.
O conhecimento privado é modo que possibilita ao indivíduo fazer uma análise de tudo quanto vivenciou. É a privacidade que possibilita a reflexão filosófica sobre o que foi vivido pelo coletivo. Na privacidade, o homem – detentor do conhecimento – se depara com os fatos históricos. Estes permitirão ao homem fazer uma apurada análise do que está à sua volta.
A privacidade do homem faz com que ele se retire do coletivo e vá para um lugar que lhe dê segurança. E é justamente neste lugar de segurança onde vai haver uma verdadeira produção intelectual. Isto porque o homem precisa de um lugar privado para si, onde possa refletir sobre os múltiplos assuntos de seu domínio. Esta segurança que se fala aqui não é e nem pode ser aquela que tira a liberdade do homem, mas sim uma segurança que possibilita o indivíduo a formular discursos.
Os dois conhecimentos vão se diferir naquilo que é próprio de cada um: o conhecimento coletivo está impregnado da experiência do indivíduo perante sua realidade; e no conhecimento privado está a produção intelectual, ou seja, nele é que o conhecimento coletivo vai ganhar relevância. Pois será disposto na forma de alocução, discurso.
Muitos filósofos começaram suas reflexões partindo do conhecimento que já tinham da realidade e outros “criaram” uma realidade para daí traçar suas argumentações. Porém estas reflexões que suscitaram nos filósofos tiveram que provir do conhecimento coletivo, mas isto não impede que o conhecimento tenha vindo da privacidade do analisador. Mesmo que na privacidade seja onde resume o conhecimento coletivo. Um indivíduo pode tramar um discurso tendo como base principal a sua vida. Isto porque a privacidade faz com que o indivíduo reflita sobre a experiência vivida pela própria vida.
A vida está tanto no coletivo quanto no privado. No coletivo a vida é conhecedora. Mas na privacidade a vida toma um caráter diferente: ela passa a ser produtora do que foi conhecido.
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O outro – a pessoa diferente de mim – tira a minha liberdade. Porém, é preciso que o eu fique sem liberdade. Pois o outro sempre vai existir em nossa vida. No conforto do outro está a nossa privação. Enquanto o outro estraga a nossa privação, ou seja, tira nosso conforto, ele em si espreita a busca de sobrevivência ou mesmo a procura pela sua privacidade.
Como o outro assalta a nossa privacidade? A nossa privacidade é abalada na medida que o outro se relaciona conosco. Visto que o outro não pede a nossa permissão para se relacionar conosco. Ele simplesmente entra em relação com o meu eu.
Quando o outro tira minha liberdade ele o faz para tentar ser livre e colocar-se na relação com meu eu. Ele, no entanto, não consegue ficar só no “tentar”. Por isto que ele faz uma radical aproximação do meu eu. Este fato não é negativo. Ao passo que o outro, ao se colocar em relação com o meu eu, leva o meu eu a reconhecer quem ele é. Desta forma, o outro tira minha liberdade para que eu possa perceber a minha liberdade com o outro.
Não se tem liberdade no isolamento. A liberdade deve manifestar-se na relação do meu eu com o eu do outro. Desta relação é que vai existir um conhecimento da realidade na qual o eu e o outro estão inseridos.
A liberdade não pode ser dada somente ao indivíduo em sua particularidade, visto que o eu não é sem os outros. O meu eu não existe e não tem liberdade sem a realidade do outro. Assim, tanto o eu quanto o outro estão abertos a conhecer aquele que conhece (o homem) e o que está na realidade, quer dizer, está no mundo. Assim, tem-se a liberdade em relação aos outros e a liberdade do indivíduo com os outros.
Aquela liberdade a qual se manifesta em relação com os outros é uma liberdade de massa. Nesta as pessoas são impulsionadas apenas pelos outros e nem sempre sabem o que realmente desejam.
Isto pode ser muito bem percebido quando uma chusma de gente grita: “queremos ser livres!” Mas a isto não acresce nada ao seu ser enquanto homens que pensam, visto que seus clamores elevam somente as suas vozes levando cada gritante a ser para si mesmo um mendaz, ou seja, um mentiroso. Com tal fuga o mendaz se debruça a uma imitação de balbucio, o qual não toma seu significado original que seria buscar de forma comunitária algo que os libertem: a própria libertação.
Nesta euforia do homem em relação a sua falsa liberdade encontra-se uma herança não de patrimônio, mas sim de conceitos evasivos que dizem, estritamente, ao ópio dos mendazes: “queremos, sem querer, ser livres”.
Não pode de forma alguma, esbandalhar o sentido único que principia o verdadeiro e imutável significado do que seja a liberdade. Embora, gritos ecoem pedindo que os homens sejam livres, eles não chegam ao tocante do desejo humano, pois esvai-se na extensão do mundo sem serem acolhidos pelas suas entranhas. Desta forma, permanecem só os gritos. E só a eles escutam. Mas, contudo, porque gritar sem o desejo de concretizar aquilo que se pede: a liberdade. Não parece incongruência? Pode acreditar que sim! É realmente palavra solta ao ar com um objetivo: a algazarra.
Se os gritantes pedissem mesmo a liberdade eles, pobres coitados, jamais seriam atendidos por completo. Acredite, é verdade! Pois recebendo, aos gritos, a liberdade, ficariam presos à própria liberdade. Agora cabe a objeção: que é liberdade para esta chusma de gente que grita pedindo-a? Deve que eles pedem que os deixem somente pedir!
Assim, nem todos que pedem a liberdade realmente a querem. Fique, portanto, de cautela.
A liberdade do indivíduo que se manifesta com os outros sempre será uma liberdade de relação.

Na liberdade que abarca o eu e o outro é que vai estar contida a liberdade do indivíduo. O indivíduo não é livre sozinho. Um indivíduo será livre em relação aos outros e com os outros.
Nunca se fala de uma liberdade individual. O outro tem que tirar minha liberdade para que o eu reconheça sua existência e comece a conhecer a si mesmo. Na medida que um indivíduo reconhece o outro ele irá reconhecer-se a si mesmo.
Contudo, o homem conhece a si mesmo e o meio no qual está inserido sem que deixe de estar nesta realidade que é conhecida. Só o homem pode sair do mundo – mesmo estando no mundo – para conhecer a si mesmo e compreender o mesmo mundo do qual ele “sai”.

Como é possível o homem estar no mundo e retirar-se dele?
Fazer tal objeção sem olhar para as capacidades do homem pode, de imediato, até parecer que isto é impossível. Porque o homem atual cultiva em si uma tempestade barulhenta, dificultando a percepção do seu potencial o qual lhe dá sua característica que o faz ser completamente diferente de todos os outros animais e que lhe faculta refletir sobre seus infinitos atos. Esta característica é a capacidade de interioridade.
O estar no mundo do homem atual pode se dar de duas formas completamente distintas uma da outra: a) estar no mundo e participar dele; b) estar no mundo, porém, refugiar-se dentro de si mesmo, ou seja, usar da ataraxia que é o voltar para dentro de si suspendendo toda e qualquer forma de juízo.
Portanto, estar no mundo é perceber a si mesmo como sendo um ser capaz de realizar a relação interpessoal e usar dele para manter sua sobrevivência. Por outro lado o homem mantém pela interioridade a relação interpessoal, mas por causa do uso da ataraxia esta relação não será entre homem e homem e, sim, uma relação interpessoal com Deus, ao passo que Este é uma contínua presença na vida do homem, havendo assim uma relação com o Oculto.
Quando o homem se debruça sobre a agitação e o barulho de sua deleitosa vida, ele, com o passar dos anos, vai se tornando oprimido e desfigurado pelo mau uso de sua vivência no mundo; fica impedido de contemplar visivelmente toda beleza criada pelo Oculto. Assim, com a vida marcada por tribulação só poderá transbordar do homem aquilo que foi por ele cultivado todo tempo, a saber: violência, medo, concupiscência, ignorância e perturbações psicológicas como a astenia, fobia e angústia, sem falar em outras coisas que possam estar oprimindo a alma humana.
Mediante o uso da introspecção – interioridade – o homem se encontra num estado de vida, liberto de qualquer cativeiro que o levaria a uma ruína. Com efeito, pela introspecção surge uma nova vida que transforma todo o interior do homem pelo conhecimento de si, das fragilidades e principalmente seu valor, não só como um ser criado, mas também um ser dotado da mesma excelsa dignidade do seu criador.
Diante do exposto, percebe-se que é possível que o homem esteja no mundo e ao mesmo tempo não esteja participando de sua agitação, mas isto só é possível na medida que ele utiliza sua capacidade de introspecção que é um voltar-se dentro de si mesmo. Assim, na medida que o homem retira-se, por meio da introspecção, da oscilação do mundo ele encontra-se em melhores condições para estar nesta realidade sensível e relacionar-se com as pessoas. Contudo, a interioridade é algo da qual somente o homem é detentor.

O homem torna-se conhecedor de si mesmo através da sua capacidade de retornar a si mesmo, isto é, fazendo uso da interioridade. Esta é algo específico do homem. Somente o homem pode volver-se a si mesmo e refletir sobre seus atos.
A interioridade, sendo algo típico do homem possibilita que ele conheça não só seu interior, mas também recorde de seu passado para melhor viver o presente.
A vida interior do homem mostra que ele é passível de uma atenção que volta para si. Isto, porém, não acontece com os animais irracionais. Estes jamais conseguem voltar sua atenção para dentro de si, uma vez que eles vivem do instinto.
Desta forma, a atenção dos animais irracionais é sempre voltada para o exterior. E por viverem voltados para o exterior é que os animais irracionais vivem em constante “medo” do mundo que o circunda.
Entretanto, o homem usa de sua capacidade que o difere dos animais irracionais – a interioridade – para conhecer a si mesmo. Assim, o homem se retira do mundo mesmo estando nele (como foi dito anteriormente) com o objetivo de conhecer a si mesmo.

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O conhecimento se dilata com os fatos, com a conceituação, com o dito. Ou seja, com tudo quanto está na realidade. O que está na realidade tem uma luz que faculta ser conhecida. É esta luz que está em cada coisa e que possibilita a mesma coisa se dar ao conhecimento.
Entretanto, com a escuridão – o que não se vê da coisa – o conhecimento não consegue alcançar nem o movimento forte nem o movimento fraco, visto que a coisa na escuridão não possibilita ser conhecida.
A escuridão da coisa impede o conhecimento. Ela ofusca o ponto fulcral da coisa ser conhecida, a sua luz. Mas não deixa de existir em si por estar na escuridão.
A coisa está na realidade sem que seja essencialmente conhecida. A coisa não precisa se iluminar para existir, apesar disso, deve se iluminar para ser conhecida.
Quando a coisa se ilumina, ela deixa sua luz entrar em contato com as outras luzes das infinitas coisas. Isto faz com que quanto mais luz seja emitida por uma coisa, maior seja o conhecimento que esta coisa deixa captar de si. As coisas vão se iluminando e deixando que o conhecimento as atinja.
Uma luz corresponde uma outra luz. E, disto, vão surgindo às coisas iluminadas que possibilitam – uma em contato com a outra – o conhecimento delas.
Com efeito, a iluminação é a possibilidade de que as coisas estejam umas para as outras. O estar das coisas consiste estarem em contato umas com as outras.
A coisa só será passível de conhecimento em contato com outra. Tudo que existe na realidade é cabível de ser conhecido, ao passo que todas as coisas estão disponíveis na realidade em contato com outra.
O contato de uma coisa com outra é, todavia, iluminado pela coisa mesma, que é conhecida ou se deixa conhecer.

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O meu intelecto está se dilatando, ou seja, está conhecendo.
Meu intelecto continua a dilatar-se, quer dizer, permanece a conhecer. Com efeito, estou conhecendo e continuo a conhecer.

Brasil, Brasília, 17 de novembro de 2006.

 


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Joacir Soares d‘Abadia, nasceu aos dias três de março de 1984, no Hospital Beneficência Camiliana em Formosa-Go. É filho de Domingos Soares d‘Abadia e de Sebastiana Pereira d‘Abadia. Em 2001 ingressou no Seminário Menor de Formosa Nossa Senhora d‘Abadia, no qual permaneceu até 2003. Neste período teve formação acadêmica no Colégio São José, onde em 2003 apresentou uma coleção de moda.
Escreve artigos para jornais de Formosa-Go e de Brasília-DF. Também escreve poesia.
Em 2004 foi admitido no Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília, no qual cursou Filosofia e cursa Teologia.
Ele em 2007 foi finalista no concurso internacional “Antorcha Cultural”, onde tem uma obra publicada:

http://www.antorchacultural.com/feria2007/Filosofia/JoacirSoares/Principal.htm