OLHAR ALÉM DOS MUROS ORGANIZACIONAIS

Profissional que faz a diferença é o que transforma conhecimento em competência. 

Por mais que se diga que saber dominar as atribuições profissionais seja sinônimo de competência, o fato é que diante das constantes mudanças impostas ao mundo corporativo, em decorrência das movimentações e globalizações sociais, econômicas, culturais, políticas e tecnológicas, esse atributo está deixando de ser garantia de emprego. Diferentemente do que ocorria na Era Industrial, em que as pessoas serviam de recursos para o que efetivamente fazia funcionar as organizações, máquinas, equipamentos e ferramentas. Hoje na chamada Era do Conhecimento, são requisitadas para gerar valor por meio da inovação, do atendimento personalizado, das contribuições para melhorias nos processos de trabalho, na velocidade de execução de uma estratégia, do compartilhamento de informações necessárias para a tomada de decisões. Assim, mais do que o domínio das habilidades exigidas pelo cargo, é preciso saber ousar, inovar, adquirir e compartilhar conhecimentos, empreender, ir além dos limites que o cargo confere. Essa exigência é reflexo de uma nova realidade da economia mundial, que obriga as corporações a gerir o conhecimento e a inteligência que circulam em seus departamentos para se manterem competitivas. As transformações, quase sempre radicais e abrangentes, contribuíram para a comoditização dos produtos e serviços. Para se diferenciarem, tiveram de partir para a busca de pessoas participativas, flexíveis, ousadas, inovadoras. Em outras palavras: de profissionais que sabem olhar além dos muros da organização.

A administração do saber, entretanto, tem gerado uma série de desafios para a área de gestão de pessoas. O maior deles é romper a mentalidade que predomina nas organizações que adotam modelos de gestão ineficientes, presos á paradigmas hierárquicos, á burocracia excessiva e a uma cultura organizacional de baixa participação. È preciso também renovar o conceito de liderança, pois a maior parte dela ainda baseia sua forma de atuação no poder conferido pela hierarquia, não pela capacidade de influenciar pessoas para que tenham comportamento e atitudes desejados e alinhados com as necessidades do mercado.

Desafios á parte, cabe ao gestor de pessoas ser o arquiteto dos novos ambientes de trabalho que permitam aos profissionais expressarem o que tem de melhor. O gestor passa a ter um novo comportamento na forma de administrar. Deve se moldar aos desafios para servir de exemplo aos seus subordinados. È isso que os fazem ter interesse em criar uma base de conhecimento. Afinal, se a Era do Conhecimento traz novos valores para a organização, eles têm de ser compartilhados por todos. A reciprocidade das relações depende da forma como o gestor incentiva os colaboradores a perceber que, se quiserem ser competitivos, não devem esperar que as empresas façam isso por eles. O colaborador parte ativa na busca pelo conhecimento e autodesenvolvimento. A fase do eu quero me desenvolver, mas a empresa não faz nada, é coisa do século passado. O colaborador somente será percebido se souber dominar o conhecimento, o que lhe confere a prerrogativa de poder discordar dos procedimentos de seus superiores, quando estiverem errados. Esse comportamento não representa a extinção da hierarquia sempre vai haver alguém no comando, mas é sinal de que ela está perdendo força. Tudo porque não se muda uma cultura de uma hora para outra. Estamos saindo de um estilo autoritário e paternalista, do tipo “manda quem pode”, obedece “quem tem juízo”, para uma gestão mais transparente e participativa. Ou seja, a empresa está deixando de ser uma relação unilateral de poder, para ser uma associação de interesses comuns.

A busca pelo conhecimento nunca foi privilégio da geração atual. Porém, sua propagação como ferramenta de inovação e de liderança foi acentuada a partir do final da década de 1980, com o fenômeno da globalização, que impôs transformações cada vez mais frequentes. Na maioria dos casos, as mudanças implantadas representam um conjunto de alterações que já vinha sendo experimentados pelas organizações desde a Era Industrial. Foram formas de livrarem-se de estruturas muito grandes e de pouca flexibilidade e, ainda, de se aproximarem cada vez mais dos anseios do consumidor. E o que influenciou decisivamente para isso foi que as pessoas tiveram acesso facilitado a inúmeras informações sobre os negócios. A partir daí, os trabalhos passaram a ser feitos por processos e em grupos, alinhados com a missão e os objetivos da organização. Em suma, elas deixaram de representar um problema, eram treinadas para produzir, sem direito a questionamentos para se transformarem em vantagem.

GERAÇÃO Y – Numa corrida entre gerações para ver quem ganha o controle do conhecimento, a chamada Geração Y, formada por jovens entre 18 e 30 anos que entraram no mercado de trabalho nesta década, é a que demonstra ter mais potencial. Nascidos sob o signo da Era do Conhecimento, esses jovens chegaram ás organizações sobre o que acontece ao redor e estão sempre dispostos a apresentar soluções criativas. São também empreendedores das próprias carreiras, não tem medo de errar, o que representa para as empresas uma oportunidade de crescimento. Na visão de especialistas, é a que está mais preparada para ir além das organizações. A justificativa está no fato de ser uma geração que resiste menos ás mudanças e é ávida por aprender, o que leva a realizar múltiplas tarefas e a passar por várias funções. Tantas vantagens, no entanto, não significam que integrantes de outras gerações não passaram por processos de mudanças. Passaram, sim, mas de uma forma mais lenta, sem a cobrança exaustiva por resultados. Com isso, muitos têm dificuldades de se integrar e até mesmo de aceitar ás estruturas que exigem menos formalidade entre gestores e subordinados. Porém, de acordo com o seu ensinamento, o convívio entre gerações deve ser marcado pelo equilíbrio. Ou seja, uma deve completar a outra. Os baby boomers, nascidos entre 1946 e 1963, por exemplo, por influência da Geração Y podem entender que as mudanças são processos naturais, da mesma forma que podem influenciar a Y com sua experiência.

De qualquer forma, preparar profissionais para fazer frente ás mudanças mexe com comportamentos. Para que sejam bem sucedidas, o ideal é que elas venham sempre da forma mais transparente possível. As pessoas têm o direito de saber por que as transformações estão ocorrendo e quais são os impactos se elas deixarem de ser colocadas em prática. Com a transparência o comportamento tende a ficar mais na linha da adaptação do que na de rejeição ou de ignorância. Uma das formas de mudar o comportamento das pessoas é desenvolver competências ou conjuntos de conhecimentos específicos que as preparem para atuar de forma mais ampla nos mercados de interesse da empresa. Ao mesmo tempo, é importante que percebam que os objetivos sociais e de negócios estejam alinhados com seus valores e propósito de vida. Essa percepção fará com que as mudanças ocorram de uma maneira mais profunda e duradoura.

Baseado no tripé “conhecimento, habilidade, atitude”, os modelos de competências têm como função contribuir para lidar com questões inéditas do contexto empresarial, a partir do pressuposto de que somente a avaliação técnica das pessoas baseada nas habilidades que possuem não é suficiente para atender as exigências do cargo. Os modelos de competência ajudam nas novas relações de trabalho por refletir exatamente o que a empresa precisa reforçar ou desenvolver, sempre alinhado ás suas estratégias. O ajuste das exigências trabalhistas á realidade do mercado está fazendo com que vínculos empregatícios sejam substituídos por parcerias, contribuindo para o surgimento de formas flexíveis de trabalho. Os espaços ocupacionais tornaram-se mais amplos e entraram em cena redes colaborativas, empregos virtuais, consultores, part time (meio período) e terceiros. Nesse cenário, o risco que se corre é o distanciamento das regras estabelecidas pela Consolidação das Leis de Trabalho (CLT), elaborada há mais de 70 anos, quando os ambientes laborais eram baseados em estruturas hierárquicas que abrigavam uma grande quantidade de cargos em diversos níveis e posições. Hoje, os cargos deixaram de ser a referência para a gestão de pessoas. Em seus lugares, entraram as competências que significam a capacidade de entrega que as pessoas têm independente de sua posição na estrutura das empresas.

GUERRA DE TALENTOS – Como o profissional que faz a diferença é aquele que agrega e transforma o conhecimento em competência, é normal que ele seja alvo de disputa entre as empresas para ver com quem fica o seu passe. Nessa “guerra de talentos”, é claro, vence quem oferecer mais poder de atração e de retenção. As organizações devem avaliar constantemente essas estratégias, visto que as mudanças no mercado são muito rápidas. Nossa sugestão é a criação de uma inteligência na organização para monitorar a oferta e a demanda da força de trabalho, principalmente se a companhia tiver atuação internacional. Também é necessário o amadurecimento dos processos de RH, principalmente os que envolvem o gerenciamento do desempenho organizacional e os sistemas de avaliação e feedback dos profissionais. A criação de uma identidade entre a empresa e os profissionais, para que sintam a existência de sintonia entre seu propósito de vida e os negócios da organização, e um ambiente de trabalho que acena para oportunidades e recompensas justas.

RETENÇÃO DE TALENTOS – Por requererem estudos e avaliações profundas e especializadas, nem sempre disponíveis internamente é mais comum encontrarmos ações e práticas mais informais que não geram custos altos e atendem principalmente as questões de curto prazo. Para minimizar a evasão de talentos, as empresas apostam em programas de formação de liderança e avaliação de potencial. Essas ações são valorizadas pelos jovens. No entanto, apenas 45% das companhias criaram ações especificas para atender a Geração Y. As empresas deviam olhar com mais atenção para esse público, apesar de reconhecer que ele tem uma relação diferenciada de trabalho, não cria vínculo e troca facilmente de emprego. De qualquer forma, atestam os gestores, o profissional desenhado para o futuro deverá chegar ao mercado de trabalho com posicionamentos críticos e exigentes. Na bagagem, soluções criativas, inovadoras e ousadas que podem impactar nas decisões da empresa. Como diz o escritor americano Alvin Toffler, autor de “A Terceira Onda”: “o conhecimento é o substituto último de todas as formas de produção”.

 

Nádia Januário

Bacharel Administração com Habilitação em Marketing

Especialista em gestão de pessoas

Autora do livro: Tendências Globais em Gestão Treinamento e Desenvolvimento – ano 2020