UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

FACULDADE DE DIREITO 

DEPARTAMENTO DE DIREITO PROCESSUAL

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO

 

 

CAMILA LOREN COSTA LIMA

DAVI DOURADO ABREU

FRANCISCO BRUNO DOS SANTOS MARQUES

GLADYA AZEVEDO DOS SANTOS 

ÍTALO GIFONI ARRUDA BARBOSA

JEAN CHRISTIAN MAIA DE CASTRO

 

 

 

FORTALEZA 2021

 

 

OITAVO EPISÓDIO DA DÉCIMA TEMPORADA DE LAW & ORDER SVU SOB A ÓTICA DA PSICOLOGIA GERAL E JURÍDICA

Trabalho apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, como parte dos requisitos para obtenção da aprovação na disciplina de Psicologia Geral e Jurídica.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Correia Chagas.


 

FORTALEZA 2021

 

RESUMO

 

Apresentação concisa dos pontos relevantes do documento, fornecendo uma visão rápida e clara do conteúdo. Recomenda-se a elaboração de resumo informativo, apresentando finalidades, metodologia, resultados e conclusões do trabalho. Convém usar o verbo na terceira pessoa e que o resumo tenha de 150 a 500 palavras. Deve ser redigido em parágrafo único, mesma fonte do trabalho, e espaçamento entrelinhas 1,5. As palavras-chave devem ser em letras minúsculas, exceto nos casos de substantivos próprios e nomes científicos; separadas por ponto e vírgula e finalizadas por ponto. Palavras-chave: Law & Order SVU; Psicologia; Direito. 


1 INTRODUÇÃO

Law & Order: Unidade de Vítimas Especiais é uma série de drama criminal que estreou no dia 20 de setembro de 1999 pelo canal da NBC. A unidade de vítimas especiais exerce seu ofício em Nova Iorque nos Estados Unidos, concentrando primordialmente suas investigações em crimes sexuais, como pedofilia, estupro e outros delitos relacionados. Ela já conta com 22 temporadas, somando num total 494 episódios exibidos. Apesar de ter seu início no século passado, a séria assemelha-se bastante ao que ocorre hodiernamente, como podemos notar no episódio "Persona", o oitavo da décima temporada, no qual os detetives investigam Mia, uma mulher que sofre abusos de seu marido, Brent, porém a mesma recusa-se a pedir ajuda pois, de certa forma, é dependente economicamente e socialmente do seu cônjuge, até certas vezes defendendo ele voluntariamente, configurando-se o quadro de Síndrome de Estocolmo, no qual a vítima desenvolve sentimentos positivos em relação ao agressor. Mia acaba, infelizmente, em uma das brigas do casal, sendo assassinada por Brent, que é preso após esse acontecimento. Paralelamente, os detetives descobrem que a vizinha da vítima chamada Linnie, é foragida há mais de 30 anos e investigada por ter assassinado seu ex-marido à sangue frio. Ela, em sua defesa, alega à polícia que também sofria violência doméstica e estupros do seu antigo cônjuge, porém, estupro marital não era crime no estado de Nova Iorque até o ano de 1984, ano em que já se encontrava em fuga; no momento que é capturada, Linnie encontra-se casada com outro homem, o qual desconhece esse evento do passado de sua esposa, e vivendo uma vida, de certa forma simples. Doravante, o episódio encerra-se com a personagem Linnie sendo inocentada da acusação de assassinato, entretanto, sendo condenada por fuga, mas provavelmente ficaria livre após algumas semanas com uma sentença de liberdade condicional. Seu marido fica feliz por ela, porém devido ao fato de ter vivido uma vida inteira ao lado dela sem realmente conhecela, ele decide por terminar o relacionamento entre os dois. Apesar de tal prática já ser condenada em diversos países, ainda há uma considerável parcela de países onde não existem leis específicas que criminalizem o estupro dentro do matrimônio, como exposto na pesquisa realizada pelo Fundo de Populações das Nações Unidas (2021 apud NAÇÕES UNIDAS BRASIL, 2021), a qual apontou que 43 países não possuem uma legislação própria para combalir tal ato.

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No Brasil, estupro marital é condenado pela Lei n° 11.340 (BRASIL, 2006), a Lei Maria da Penha, e também pelo Art. n° 213 do Código Penal (desde de 2009), que explicita: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos." (BRASIL, 2009, [s. p.]). Mesmo com legislação específica penalizando aqueles que cometem violência contra mulher, o “Brasil terminou ano de 2019 com mais de um milhão de processos de violência doméstica e 5,1 mil processos de feminicídio em tramitação na Justiça”, conforme dados do Conselho Nacional de Justiça (2020). Diante disso, fica evidente que a violência doméstica não é um problema que se restringe ao “mundo ficcional”, ele está fortemente presente na realidade. Portanto, indaga-se: A avaliação do perfil psicológico das vítimas fictícias do episódio “Persona” de Law and Order pode ajudar a compreender melhor o quadro da violência doméstica? Então, o presente trabalho objetiva, de forma geral, avaliar o perfil psicológico das personagens Mia e Linnie da série Law and Order e relacionar a questões jurídicas, ou seja, será analisado o contexto psicojurídico. No desenvolvimento do trabalho, foi considerada a seguinte hipótese: a análise do perfil das vítimas de violência doméstica contribui para o melhor entendimento do caso. Destarte, com o fito de viabilizar o teste da hipótese, elabora-se uma pesquisa de finalidade básica pura, objetivo descritivo, sob o método dedutivo, com abordagem qualiquantitativa e realizada com procedimentos bibliográficos e documentais. No segundo capítulo, será abordado, de forma mais detalhada, o caso da personagem Mia. Enquanto, no terceiro capítulo, irá ser aprofundado o caso da personagem Linnie. No quarto capítulo, é exposto uma perspectiva jurídica geral sobre os dois casos. Conclui-se, ao final, que o objetivo é atendido e a pergunta resta respondida com a confirmação da hipótese, indicando a importância da análise do perfil psicológico das vítimas de violência doméstica.

2 O CASO DE MIA

Versa, a primeira ocorrência exibida no episódio em questão, acerca dum caso de violência sexual e doméstica perpetrada pelo personagem Brent e direcionados contra Mia, a

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esposa deste. Para fins de melhor compreensão da análise a ser posteriormente conduzida, o caso será aqui relatado em maiores detalhes. Primeiramente, somos introduzidos à personagem Mia, a qual, numa farmácia, tenta comprar pílulas contraceptivas, mas à sua postura visivelmente desconfortável e envergonhada se opõe o proceder adotado pela farmacêutica, cujas falas ambíguas e maliciosas levam Mia a um rompante de desespero, fazendo-a avançar contra a mulher. Levada à delegacia, os policiais, após compreender que há graves problemas ocultos naquele incidente, conduzem a jovem a um hospital, onde exames confirmam ter sido ela violentamente estuprada. À inquirição promovida pelos peritos, a desafortunada mulher alega ter sido atacada na rua por um homem “alto, branco e grande”. Tê-la-ia esse homem espancado e, em seguida, estuprado, revelando ainda a vítima aos policiais sua aflição ante uma eventual gravidez, visto que ela e seu marido estariam planejando ter um filho. Os policiais designados para tratar do caso logo descobrem que Mia ocultara a verdade, visto que o local por ela indicado como o palco da violação estava de tão forma sujo de óleo que seria impossível não ter a jovem escapado dali sem manchas desse líquido no corpo ou na roupa, como supostamente teria sucedido. Dessa forma, as suspeitas recaem sobre o marido de Mia, Brent. Numa visita dos policiais à casa da vítima, boa parte dessa suposição é confirmada ante o quadro ali delineado: Mia, perante o esposo, se mostra num constante e dissimulado estado de inquietação e medo, ao passo que seu cônjuge apresenta uma postura um tanto agressiva e dominadora. Contudo, como Mia se recusa a admitir o problema, os policiais saem dali sem lograr a obtenção de grandes evidências concretas. Em busca de maiores dados, os policiais conversam com os vizinhos do desditoso casal, os idosos Jonah e Linnie. Após vencer breve relutância por parte desta, aquele revela que Mia sofre constantemente com a personalidade violenta de Brent, mas como receavam uma eventual retaliação movida pelo agressor, o casal optou por manter-se omisso e acabou por acostumar-se com a triste situação. Com a ajuda desses vizinhos, uma das policiais, a detetive Olivia, consegue atrair Mia para longe do esposo e novamente a interroga. Relutante, a moça revela ser sistematicamente violentada pelo marido, que, alternando momentos de profunda crueldade com instantes de cavalheirismo, conseguiu instilar na mente de Mia a ideia de que esse comportamento seria digno de perdão, do que decorre a sujeição voluntária da infeliz. Graças ao intermédio de Olivia, Brent é preso e levado a julgamento, sendo sentenciado ao pagamento de uma fiança, ao recolhimento de suas armas e a manter distância de Mia. As conhecidas tendências vingativas do rapaz, entretanto, são previstas por sua esposa,

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a qual, novamente, recorre à ajuda da detetive para se manter a salvo. A jovem é, então, enviada a um abrigo, onde, consideravelmente confusa e assustada, fala com Olivia acerca de como nunca teve condições de desenvolver sua autonomia, pois, quando criança, era controlada pelo pai, e, já casada, nunca pôde sequer trabalhar ou estudar, passando a viver em função dos caprichos do cônjuge, o qual, por sua vez, também a manteve sob um profundo sistema de repressão e vigilância, manifesto sobre seus afazeres como dona de casa, seus ciclos de fertilidade, suas relações financeiras e até mesmo sociais, visto que ela não tinha outros amigos além dos amigos de seu marido. Pouco tempo depois, Olivia é surpreendida com a notícia de que Mia teria retirado todas as acusações que outrora movera contra Brent e voltado a morar com este. Indo à casa do casal, a detetive percebe que Mia, a despeito das aparentes placidez e alegria que demonstra, se encontra às raias do desespero, corroborado pela postura ainda mais provocativa adotada por Brent, o qual solicita à policial a devolução de suas armas. Novamente sem ter como agir para proteger a mulher, Olivia se esconde na casa de Linnie, após descobrir que há uma ligação entre essa moradia e a residência do casal. A vizinha lamenta a situação, mas admite a complexidade do caso, tendo em vista que a inconstância de posicionamento de Mia dificulta até mesmo para quem deseja ajudar, acabando por sugerir que o melhor a se fazer é deixar a situação como está. De sobrerrolda para agir em caso de necessidade, Olivia deixa seu esconderijo e invade a casa de Mia e Brant ao ouvir gritos e rumores de luta advindos do local. Entretanto, lá, ela se depara com a jovem já estertorosa, com uma faca cravada no peito, sendo a prisão de Brent tudo o que ainda pode ser feito pela detetive.

2.1 Os fatos narrados sob a perspectiva psicológica

No intuito de melhor aquilatar a supracitada narrativa, proceder-se-á, agora, com a análise dos diversos aspectos psicológicos que nela podem ser percebidos. Num primeiro momento, seria interessante analisar as personalidades dos personagens centrais da narrativa, começando por Mia. A personagem em questão, em decorrência tanto do estado de repressão ao qual esteve subjugada durante praticamente toda a sua vida, quanto das atrozes violências contra ela infligidas, exacerbou alguns dos traços de sua personalidade, pode-se perceber, com base em seu comportamento profundamente inseguro, sua dificuldade em agir por si própria, a tendência a estar sempre buscando o aval de terceiros para justificar as atitudes dos outros ou as suas próprias, a adesão progressiva ao ponto de vista de seu agressor acerca de si mesma e a tolerância diante de cenários abusivos perpetrados pelo indivíduo do qual mais se depende, por exemplo, indícios marcantes de uma personalidade eminentemente dependente, tomando por base a 5ª edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, da American Psychiatric Association (2014). Cabe ressaltar, no entanto, que esse estado, bem como os outros a ainda serem aqui trabalhados, não constituem uma conformação mental imutável ou natural, mas que decorre de circunstâncias adversas e que possibilitaram a manifestação de tal cenário. Segundo José Osmir Fiorelli e Rosana Cathya Ragazzoni Mangini, em seu livro “Psicologia Jurídica”:

 

O estresse prolongado e os eventos traumáticos afetam as características de personalidade. Esse fenômeno ganha crescente interesse porque o aumento da violência e dos conflitos dissemina o estresse e o trauma na sociedade contemporânea, com efeitos físicos e psíquicos. (2015, p. 106)

 

Tal afirmação pode ainda ser atestada ao se perceber, no comportamento de Mia, a eventual irrisão de um comportamento evitativo, devido à timidez e o receio sociais advindos da sua situação forçada de quase reclusão, que chega a orçar pela instabilidade quando a pressão psicológica se torna insustentável, como pode ser visto no início do episódio, quando, já muito abalada em função da violência recém-sofrida, a mulher se descontrola com as implicâncias da farmacêutica, descontando nesta toda a turbulência psicológica que lhe ia na mente. O esposo de Mia, por sua vez, apresenta grandes possibilidades de ser acometido pelo transtorno da personalidade antissocial, caracterizado, principalmente, pela manifestação de crueldade fortuita. Ainda de acordo com o referido manual, pode-se diagnosticar Brent pelos indícios de nutrir ele profundo descaso pela lei ou pelas normas sociais, apresentar grande tendência à falsidade e à dissimulação, bem como comportamento impulsivo, agressivo e facilmente irritável, além da ausência de remorso, permanecendo indiferente mesmo após praticar suas atrocidades. Tal singular quadro psíquico, popularmente conhecido como psicopatia, não chega a ser enquadrado como patologia mental, embora o padecente se encontre apartado da normalidade. Também não há consenso acerca dos fatores que levam à instauração desse problema, aquilatado por vieses tanto biopsicossociais quanto genéticos. O manejo desse transtorno também suscita diversos debates. Conforme Fiorelli e Mangini,

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Para alguns autores, pessoas que preenchem os critérios plenos para psicopatia não são tratáveis por qualquer tipo de terapia; alguns estudos, porém, indicam que, após  os 40 anos, a tendência é diminuir a probabilidade de reincidência criminal. Existe medicação que busca minimizar a excitabilidade do comportamento. (2015, p. 110)

 

Destarte, passemos agora à análise do fenômeno da violência instaurada no núcleo familiar representado no episódio. Na imposição sistêmica de normas e limitações à Mia, por parte de Brent, pode-se identificar a manifestação de violência psicológica, processo insidioso e, particularmente no âmbito conjugal, de dificílima identificação, tanto para quem o sofre quanto para quem presencia a situação. Percebe-se, na supracitada ocorrência, o progressivo desmonte da capacidade de resistência de Mia, possibilitando o fortalecimento dos já comentados traços de personalidade. Além disso, a mulher acaba por internalizar o ponto de vista distorcido de Brent acerca da situação, tornando, como visto, ainda mais complexa mesmo a possibilidade de intervenção para solver o imbróglio. O agressor, por sua vez, muito provavelmente em função do transtorno de personalidade nele identificado, se compraz com o encaminhamento dos fatos e o faz de maneira cada vez mais refinada, oscilando entre a perpetração de convícios físicos (os quais serão melhor trabalhados mais adiante) e a adoção duma postura carinhosa, trazendo presentes e agrados à esposa, cujos sentimentos conflituosos se ainda mais embaralham, resultando na adoção, por parte de sua psique, de um mecanismo de proteção através do qual sua capacidade de defesa, já quase completamente arrasada, é suplantada ante a surgência de sentimentos e ideias que visam justificar o proceder do verdugo, apresentando, para com este, laços de profunda dependência emocional. É a chamada Síndrome de Estocolmo, e que atesta o requinte de crueldade utilizado por Brent em seu processo de violência psicológica: à imposição duma falsa relação de dependência, sucede a consolidação de uma dependência real por parte da vítima, ou seja, com base na sugestão reiterada duma estrutura inexistente, esta findou por passar a existir e proporcionar os comportamentos e as situações desejadas: Mia se torna frágil e submissa, sem autonomia de ação ou pensamento, ficando quase despersonalizada e sobremaneira atrelada à pessoa de seu algoz, do que decorre, até certo ponto, a banalização da violência por parte dos vizinhos do casal; conquanto sejam eles prescientes dos horrores ali ocorridos, não tomam nenhuma providência concreta, tendo em vista o medo de represálias ante o temperamento explosivo que decorre do transtorno de caráter de Brent e, principalmente, o reconhecimento da obsessão doentia e involuntária que sempre acaba por arrastar Mia de volta para o estado de sujeição. O problema, dessa forma, se torna cada vez mais restrito ao ambiente conjugal e assume um viés quase de invisibilidade. O recrudescimento da violência psicológica leva, na maioria dos casos, à manifestação de outros graus de violência, no caso exposto, de agressão a nível físico-sexual.

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Na perspectiva do agressor, levando em consideração as particularidades psíquicas já aqui aduzidas, percebe-se, por um lado, a redução da parceira a um mero objeto insensível no qual ele pode cevar sua concupiscência, num flagrante descaso para com os direitos ou o bem-estar da outra pessoa, e, por outro, o prazer na prática da violação e no sofrimento alheio, no que se denota, inclusive, certo grau de sadismo. Se, para o agressor, a violência sexual se apresenta, nesse caso, mais como uma degenerada forma de obtenção de prazer físico, para a vítima, as consequências dessa atitude são devastadoras. Com efeito, além da vergonha pessoal, há o receio da estigmatização social, bem como os diversos desequilíbrios de ordem psíquica deflagrados. Pode ocorrer, por exemplo, que o indivíduo molestado apresente dificuldades para lidar com suas próprias emoções e sentimentos, do que decorrem, como visto em Mia, eventuais comportamentos evitativos ou mesmo rompantes de agressividade e a busca por indivíduos aos quais se possa alienar a responsabilidade por si própria, cedendo à dependência, potencializada, no caso, por ser a confiança depositada integralmente no próprio agressor; pode haver também dificuldades no estabelecimento saudável do convívio social ou no exercício da própria sexualidade, tamanho o grau de insegurança e prejuízos à autoestima causados pela violência em questão. No caso trabalhado, também fica clara a delineação do ciclo crescente da violência, visto que há, por parte de Brent, a adoção de medidas gentis, progressivamente desfeitas até que se degenerem num ato brutal de violência, ao qual sucede o retorno à postura delicada e protetiva, paulatinamente suplantada em agressões cada vez mais intensas, desembocando, na ocorrência em análise, bem como, infelizmente em tantos outros casos ocorridos na vida real, na prática do homicídio, (no caso, um uxoricídio, em que a mulher é morta por seu cônjuge) ato de suprema violência e que vem, da forma mais desastrosa possível, solucionar de forma definitiva o conflito.

3 O CASO DE LINNIE

No caso de Linnie, ela conheceu seu ex-marido durante os protestos do povo contra a Guerra do Vietnã, entretanto, ao fim da guerra, ele se tornou alcoolista e, devido ao álcool, desenvolveu um comportamento cada vez mais agressivo e começou a agredir sua esposa constantemente de forma psicológica e física, culpando-a de seus problemas gerados pelo vício em entorpecentes. Quando ela conseguiu juntar dinheiro suficiente para fugir com a economia de trocados das compras que ela fazia em supermercados, ele descobriu, o que gerou uma

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grande discussão, e a agrediu várias vezes, além disso, ao final de todo o espancamento, ele ainda a estuprou, porém, como exposto anteriormente, estupro marital não era crime em tal contexto temporal e social, então Linnie, em um momento de grande desespero, pegou a arma que seu ex-marido possuía e atirou várias vezes nele. Logo após ter matado ele, Linnie foi presa, pois seus vizinhos tinham denunciado à polícia o barulho dos tiros no local. Depois de ter sido presa, Linnie pediu uma reunião com a promotora responsável pelo caso para negociar a confissão e ganhar abono da pena, mas, durante a reunião, ela pediu para ir ao banheiro e aproveitou a janela que havia nele para fugir. Linnie conseguiu ficar mais de 30 anos foragida, como já exposto, sendo descoberta devido ao envolvimento com o caso de Mia.

3.1 Análise do contexto

Fazendo um paralelo entre a obra e contexto brasileiro. Grande parcela das mulheres brasileiras são ainda educadas a servirem indivíduos do sexo masculino já dentro de seus lares familiares. Muitas jovens recebem tratamentos diferentes de outros entes da família justamente pelo seu sexo. Como exemplo prático, elas são designadas a realizarem tarefas domésticas como cozinhar e limpar os cômodos, enquanto os jovens são estimulados a realizarem outras atividades que não necessariamente ligam-se ao lar, tal qual as atividades estudantis. Dados coletados por uma pesquisa realizada pela Plan Brasil (2015) com meninos e meninas de 6 a 14 anos expõem uma enorme disparidade sexual nos lares brasileiros:

Enquanto 81,4% das meninas arrumam sua cama, apenas 11,6% dos meninos realizam essa tarefa. Entre as meninas, 76,8% lavam a louça e 65,6% limpam a casa. Já entre os meninos, 12,5% lavam a louça e 11,4% limpam a casa. Outra tarefa predominantemente destinada às meninas é a de cuidar dos seus irmãos: 34,6% são responsáveis por essa função, contra 10% dos meninos. (apud INSTITUTO DE CRESCIMENTO INFANTOJUVENIL, 2020)

É um sistema harmônico, as mulheres na instituição familiar, acostumam-se com os comportamentos agressivos do sexo masculino, ou por seu pai, irmãos, tios ou primos, visto isso, elas ao terem algum tipo de relacionamento com um homem, não conseguem ver algo errôneo em suas atitudes abusivas pois já estão acostumadas com aquilo, como aconteceu com a personagem da série. Doravante, esses casais geram uma prole e a reeducam da mesma forma que foram educados. À luz de uma análise estatística, torna-se claro a razão da legislação no estado de Nova Iorque, situado em dos países que para muitos é um exemplo de democracia, ainda

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possuía uma legislação tão retrógrada mesmo para a década de 1980. Se Linnie fosse julgada durante aqueles anos em que passou em fuga até a criação a nova lei que viria a condenar o estupro marital, ela provavelmente seria condenada e o seu ato não se encaixaria como legítima defesa.

4 PERSPECTIVA JURÍDICA DOS CASOS

Paralelamente as subversões psicológicas que são enfrentadas pelas vítimas de violência doméstica, parte dessas vítimas ainda precisam passar por outros processos extremamente complexos até finalmente conseguir se livrar de seus agressores. A complexidade de fazer uma denúncia aos indivíduos que se aproveitam da vulnerabilidade psicológica e econômica de suas vítimas não se restringe somente as essas duas áreas, mas também está vinculada no campo jurídico, posto que a falta de provas, o despreparo dos agentes públicos, além da impunidade do agressor, tudo isso, dificulta apreensão desses indivíduos. De início podemos tomar como um dos principais obstáculos que põe em dúvida mulheres vítimas de violência de fazer a denúncia contra seus agressores é justamente ter que conseguir comprovar com poucas ou nenhuma prova visível o crime ocorrido. Primeiro porque alguns tipos de agressão não deixam vestígio – a violência psicológica, por exemplo. E segundo, porque alguns machucados são facilmente contestáveis por advogados de defesa, pois de acordo com a promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo, Silvia Chakian, muitas vezes a discussão sobre os casos de violência que de deixam marcas ficam em torno do consentimento, posto que uma violência que ocorre entre quatro paredes não tem testemunhas (2015 apud BBC NEWS BRASIL, 2015). Além disso, a lei diz que só se configura estupro mediante ao uso violência ou grave ameaça. Diante desse contexto, na prática, isso significa que são essas mulheres que têm de comprovar que rejeitam o ato sexual, o que tona tal ação extremamente cruel e humilhante para as vítimas dessas fatalidades. Outro empecilho que torna tão ardo a ida das vítimas a delegacias é falta de profissionalismo de parte dos agentes públicos. Em muitas das vezes as provas que comprovam as agressões físicas, como hematomas, arranhões ou qualquer vestígio que comprove a natureza de um crime de violência física acabam sendo alegadas como provas de pouca relevância por alguns agentes públicos. A promotora de Justiça Silvia Chakian admite que esse é o maior dilema para qualificar a aplicação da Lei Maria da Penha. A promotora afirma que os agentes públicos – da polícia até o judiciário – são membros de uma sociedade machista e reproduzem

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esses comportamentos às vezes no atendimento dessas mulheres e que isso é reflexo da falta de capacitação desses profissionais (2015 apud BBC NEWS BRASIL, 2015). Como se não bastasse a carência de provas para incriminar o agressor, há também a incapacidade de parte dos agentes públicos para lidar com os casos de agressão à mulher, as vítimas dessa barbárie ainda precisam enfrentar a falta de punição de seus agressores perante a justiça. Assim, tal penúria pode ser comprovada segundo as informações do Levantamento Nacional de Informações Penitenciária que contabilizaram apenas um total de 2.439 homens presos por crimes de violência doméstica até junho de 2014 contra 52.957 denúncia de mulheres em casos de violência - entre eles violência física, psicológica, moral, sexual, etc. – no mesmo ano (2014 apud BBC NEWS BRASIL, 2015).

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REFERÊNCIAS

 

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais: DSM-5. Porto Alegre, 2014

BRASIL. Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília, DF, Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 27 ago. 2021.

______. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF, Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decretolei/del2848compilado.htm. Acesso em: 27 ago. 2021.

BANDEIRA, Regina. Processos de violência doméstica e feminicídio crescem em 2019. Conselho Nacional de Justiça. Brasília, DF, 9 mar. 2020. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/processos-de-violencia-domestica-e-feminicidio-crescem-em-2019/. Acesso em: 29 ago. 2021.

BELMIRO, Marcia. Machismo infantil existe, e precisa ser discutido. Instituto de Crescimento Infantojuvenil. Rio de Janeiro, 15 fev. 2020. Disponível em: https://institutoinfantojuvenil.com.br/machismo-infantil-existe-e-precisa-ser-discutido/. Acesso em: 28 ago. 2021.

Em 22% dos países não existe lei contra estupro dentro do casamento, diz relatório do Fundo de População da ONU. Nações Unidas Brasil, Brasília, 15 abr. 2021. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/124845-em-22-dos-paises-nao-existe-lei-contra-estupro-dentro-docasamento-diz-relatorio-do-fundo-de. Acesso em: 27 ago. 2021.

FIORELLI, José Osmir; MANGINI, Rosana Cathya Ragazzoni. Psicologia Jurídica. 6. ed. São Paulo: Atlas S.A, 2015.

LAW and Order: Unidade de Vítimas Especiais. Direção de Vários. Produção de Dick Wolf, Ted Kotcheff, Peter Jankowski, Michael Smith, Julie Martin, Jonathan Starch, Arthur W. Forney, Mariska Hargitay. Realização de Robert Palm, David J. Burke, Neal Baer, Warren Leight, Rick Eid, Michael S. Chernuchin. Intérpretes: Mariska Hargitay, Ice-t, Kelli Giddish, Peter Scanavino, Jamie Gray Hyder. Roteiro: Vários. Música: Mike Post. [s.i]: Wolf Films Studios USA, Universal Television, 1999-. (41 min. em média), série de TV, son., cor. Legendado. Série 480 epi. Classificação indicativa: 18 anos.

MENDONÇA, Renata. Violência doméstica: 5 obstáculos que mulheres enfrentam para denunciar. BBC NEWS BRASIL, São Paulo, 10 dez. 2015. Disponível em:

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https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/12/151209_obstaculos_violencia_mulher_rm. Acesso em: 28 ago. 2021.