OCARINA: D’UM OUTRO TIPO DE FLAUTA DE BISEL QUE TAMBÉM SE FALA 

Claudio Alves Benassi[1] 

Resumo: a origem dos instrumentos que se utilizam do bisel para produzirem som, é muito remota e se confundem com a origem da própria humanidade. Aparecendo nas mais diversas culturas e nos mais variados formatos ao redor do mundo, estes instrumentos atravessaram o tempo e chegou ao nosso tempo, alguns se tornando muito populares. A ocarina é um exemplo deste tipo de instrumento. Desde os mais simples exemplares, conservados no tempo como antigos fósseis, às modernas ocarinas multicâmaras.

Palavras-chaves: ocarina, bisel, Giusepe Donatti 

Introdução

Instrumentos que utilizam-se do bisel para emitir sons, existem em várias culturas ao redor do mundo, com os mais variados formatos e nomes, sendo que o princípio para a produção sonora é basicamente o mesmo. O pinkillo e a quena instrumentos andinos são um bom exemplo. No entanto, as mais conhecidas e difundidas são a ocarina e a flauta doce.

Estes instrumentos são muito antigos e suas origens se confundem com a da própria humanidade. A ocarina, instrumento de corpo globular em forma de vaso é um tipo de flauta ovoíde, que como será visto mais adiante aparece ao redor do globo terrestre, sem ter um ponto específico que demarque sua origem. Os materiais nos quais este tipo de instrumento é fabricado são muito variados e mudam de acordo com a cultura onde é localizado. É encontrado em pedra, cerâmica, madeira e bambu, sendo que suas formas também variam. Podem se apresentar em forma oval e também no formato de animais, sendo que na antiguidade, o uso da ocarina estava ligado ao culto das divindades.

Já a flauta doce apresenta formas mais limitadas, normalmente um apito, conectado a um tubo cilíndrico ou oval, cuja origem está perdida no tempo. Segundo informações que circularam na internet ultimamente, dados apontam para as descobertas de flautas de osso de mamute com 17 e 18 centímetros encontradas por arqueólogos alemães na caverna de Geibenklöuml próxima à cidade de Ulm no sul da Alemanha. Nicholas Conard da Universidade de Tübingen, Alemanha, e seus colegas reportaram a descoberta na última edição da revista Archäologisches Korrespondenzblatt. Eles dataram a idade das flautas entre 30.000 e 37.000 anos, noticiou a universidade em seu site.

 

 

Figura nº 01.  O bisel da flauta seguido pelo bisel da ocarina[2].

O instrumento apresentado neste texto, além de se distinguir da flauta doce pelo formato, uma outra característica é muito marcante. O bisel da flauta doce normalmente possui o lábio reto, sendo que o da ocarina é circular, como se pode notar na figura nº 01. A flauta possui uma abertura no pé chamada de campânula e a ocarina é totalmente fechada, tendo aberturas apenas nos ofícios para modulação de som, lábio e canal.

 

Cerâmica, pedra, madeira, bambu e um bisel: a ocarina como ela é

Encontradas em quase todas as culturas do nosso planeta, a ocarina esteve presente no cotidiano dos povos primitivos, sendo que os registros mais antigos datam de 1.000 anos a.C. e provam a existência deste instrumento nas culturas Zacatenco no México e Baiana no Equador (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.02).

 

 

Figura nº 02. Ocarina em forma de caracol da cultura Nariño

Suas ocarinas eram confeccionadas em argila com formas de pessoas influentes naquelas sociedades ou animais considerados sagrados, e ainda representando cenas do dia a dia. Usadas no pastoreio ou em rituais de adoração, estes instrumentos geralmente possuíam de quatro a sete orifícios, sendo um para a entrada do ar no canal e outro para a saída, onde se localizava o lábio, e de dois a quatro orifícios para a modulação do som (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.02).

Há registros da presença desse tipo de instrumento nas culturas Nariño (Província de Carchi) figura nº 02, Esmeraldas e Quilaunga no Equador, com as formas de caracol grande e/ou concha marinha, datadas de 400 a.C. e 400 d.C. respectivamente. No México, a cultura Colima que existiu no período protoclássico (100 a.C. a 250 d.C.), nos deixou preservadas, ocarinas em forma de pássaros, em voo, com longos bicos, tendo cincos orifícios para os dedos, produzindo cinco diferentes intervalos (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.03). Figura n.º 03.

 

 

Figura nº 03. Ocarinas em formato de animais da cultura Colima.

D’outras culturas, também restaram vestígios desse tipo instrumento de bisel. Na Costa Rica, nas Culturas Chorotega[3] e Hueter (800 d.C. a 1200 d.C.). No Panamá, na Cultura Chiriqui (500 a 1100 d.C.), na Colômbia, na cultura Tairona (1000 a 1500 d.C.) e na cultura Inca (1400 a 1476 d.C.) no Perú. Além de aparecer também em Papua Nova Guiné, China e Japão (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.03).

A invenção da ocarina como a conhecemos hoje, é atribuída a Giuseppe Donatti, ceramista italiano que fabricava assobios em forma de pássaros para se divertir. Aos 17 anos de idade (no ano de 1853), além de ser bem humorado, era bom músico e vivia de vender esses assobios nas feiras budrienses aos domingos, atividade que o faria entrar para a história do instrumento (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p. 10).

 

 

Figura nº 04. Ocarina de Donatti, medindo 190 mm.

 

 

Figura nº 05. Impressão do nome (Timbre).

Depois de muito experimentar e fazer música com sua invenção, Donatti passou a fazer ocarinas em tempo integral e pelo resto de sua vida. O modelo da figura número 04 foi desenvolvimento para exportação na década de 1870, contendo a impressão de seu nome (Figura nº 05), para o mercado alemão (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.03).

Existiram outros fabricantes importantes que entraram para a história da ocarina. Os Irmãos Mezzetti, responsáveis foram pela popularização do instrumento na Europa. As publicações mais importantes da época sobre a flauta vaso, foram de autoria deles. Charles Mathieu desenvolveu na França uma ocarina com chaves. E em Viena na Áustria e nos E.U.A, este instrumento foi e ainda é produzido em massa. (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.12-15).

Budrio, cidade italiana, berço do nascimento da ocarina de concerto ainda conserva a tradição de fabricá-las. Lá se concentra a maior parte dos melhores fabricantes do mundo deste instrumento. Também é budriense o melhor e mais conhecido grupo ocarinista história e também o da atualidade (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.16-19).

A ocarina é muito popular nos E.U.A., onde foi utilizada como terapia para soldados na guerra e no Japão ela faz parte de uma nova tradição musical. Existem hoje as ocarinas duplas e triplas, instrumentos com duas ou três câmaras com apitos (bisel) independentes (Figura nº 06), que possibilita ao instrumento chegar até três oitavas de extensão (LIGGINS e LIGGINS, 2003, p.19,29).

 

Figura n.º 06. Ocarina de câmaras e seus apitos independentes

Muitas são as informações sobre ocarina que se encontra na internet. Estas dizem que a caixa de ressonância da ocarina cria uma onda sonora senoidal sendo, assim, incapaz de criar sobreposições harmônicas. Isto significa que a técnica de soprar mais forte para “oitavar” notas não é possível com a ocarina, assim a sua extensão disponível é limitada.

Para concluir este tópico, vale ressaltar que algumas das técnicas expandidas da flauta também se aplicam a ocarina com um resultado sonoro bastante interessante. Dentre elas, pode-se destacar os mono e/ou multifônicos e o simulador de transmissor de ondas.

Considerações finais

A educação musical passa por um momento peculiar: busca-se a efetivação do ensino de música no ensino regular,  obrigatoriedade imposta pela Lei nº 11.769 de 18 de agosto de 2008. No entanto, convêm lembrar, que a educação musical, entendida como ciência ou área de conhecimento, não escapa de conviver e de se defrontar com constantes situações problemáticas que são peculiares ao atual momento (LOUREIRO, 2003, p.108).

A ocarina pode ser um bom instrumento para a prática musical na escola, pois demanda pouco espaço, tanto para sua manipulação quanto para seu condicionamento, quando estiver fora de uso. Outro ponto que favorece sua presença na escola, é por ser um instrumento de baixo custo e de fácil aprendizagem.

No entanto, convém lembrar que um dos maiores problemas no cenário musical. Um exemplo é o que tem enfrentado a flauta doce: falta de credibilidade artística, motivado pelo uso massivo deste tipo de instrumento na educação musical. Ainda pode-se apontar, que o instrumento é ensinado por professores que não são flautista e que não conhecem as técnicas do instrumento, fazendo seu aluno acreditar que ela não é um instrumento potencialmente artístico, levando-o a buscar o aprendizado de um outro (Benassi, 2012).

A ocarina, podem ser adquiridas facilmente em lojas especializadas ou pela internet (neste caso é necessário ter cuidado). Os materiais podem variar desde aqueles fabricados em resina até os de madeira – os melhores – e  de cerâmica no caso da ocarina, configurando-se numa ótima possibilidade de fazer música, com o maravilhoso som proporcionado por estes instrumentos de bisel.

Referencias

BENASSI, C.A. A difusão da flauta doce por meio do ensino e as implicações de seu uso indiscriminado. In: Congresso Internacional Interdisciplinar em Ciências Sociais e Humanidades, 1.: 2012: Niterói: UFF, 2012

BRASIL. Lei nº 11.769, de 18 de agosto de 2008. Altera a lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, v.145, n. 159, 19 ago. 2008. Seção 1, p.01

LIGGINS, David. LIGGINS Christa. The ocarina: a pictorial history. Northamptonshire: Ocarina Workhop. 2003.

LOUREIRO, Alícia M. Almeida. O ensino de música na escola fundamental. Campinas: Papirus. 2003.



[1] Aluno do programa de Pós-graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO da Universidade Federal de Mato Grosso. Orientador: Roberto Victório

[2] Todas as imagens apresentadas neste trabalho, foram obtidas no GOOGLE Imagens.

[3] Esta cultura passou por duas fazes: a primeira foi a Caralina (300 a.C. a 1200 d.C.) e a Palo Blanco (800 d.C. a 1200 d.C.).