Obrigação alimentar avoenga: do inadimplemento à prisão civil e outros meios de cobrança*

 

 

Danielle Murad Fernandes**

 Luana Christian de Araújo Muniz ***

 

 

Sumário: Introdução; 1 Princípios inerentes ao direito de família; 1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana; 1.2 Principio da solidariedade; 1.3 Princípio da igualdade entre os filhos; 1.4 Princípio da melhor interesse da criança e do adolescente; 1.5 Princípios da afetividade e da convivência familiar; 2 Obrigação alimentar avoenga; 3 Prisão Civil por ausência de pensão alimentícia avoenga; 4 Meios alternativos para garantir o adimplemento da obrigação alimentar; Conclusão; Referências.

 

 

 

RESUMO

O presente paper pretende discutir a obrigação alimentar avoenga. O princípio da solidariedade familiar estabelece que os familiares possuem direitos e deveres entre si. Em que pese à obrigação alimentar fortemente se aplica o principio em comento. O artigo 1696 do Código Civil preceitua que não apenas os pais possuem obrigações alimentares. Os avós também são responsáveis por prestar alimentos aos netos, de forma subsidiária e complementar. Se os avós estiverem sob a obrigação de pagar pensão alimentícia, mas não o fazem por três meses consecutivos, poderia ser requerida e determinada sua prisão civil, tal como ocorre com o pai que não cumpre o dever alimentar. Ocorre, porém, que a jurisprudência tem firmado entendimento no sentido de que em virtude da idade avançada e das prováveis doenças e fragilidades que são acometidos, os avós responderiam em regime aberto. A prisão civil, sob essas condições, perderia sua eficácia e propósito. Por essas razões, mister se faz definir de que modo é possível compelir os avós a adimplir a obrigação alimentar não cumprida diante da diante da ineficácia da prisão civil.

Palavras-chave: Solidariedade. Obrigação alimentar avoenga. Subsidiária. Complementar. Prisão civil. Meios alternativos.

INTRODUÇÃO

 

O Código Civil estabelece em seu art. 1696 que o direito de alimentos é recíproco entre pais e filhos, se estendendo aos ascendentes, uns em falta de outros. É dizer, os avós terão obrigação avoenga complementar e sucessiva quando os pais não puderem ou não tiverem condições de arcar com a prestação de alimentos aos seus filhos. Uma vez estabelecida essa obrigação, as mesmas formas de exigir o seu cumprimento serão aplicadas aos avós, inclusive, a possibilidade da prisão civil. Todavia, a jurisprudência vem se consolidando no sentido de não efetivar prisão civil dos avós, em virtude de sua idade avançada.

Tendo como parâmetro esses fatos, mister analisar, diante da ineficácia da prisão civil avoenga, quais os meios alternativos capazes de exigir o cumprimento da obrigação alimentar. Para tanto, valendo-se de uma linha de raciocínio lógico, no primeiro capítulo analisar-se-á os princípios inerentes ao direito de família, conceituando e exemplificando os princípios da dignidade da pessoa humana, da solidariedade, da igualdade entre os filhos, do melhor interesse da criança e do adolescente, da afetividade e o princípio da convivência familiar.

No segundo capítulo, mostrar-se-á em que consiste a obrigação alimentar e a possibilidade dos avós se tornarem responsáveis por essa obrigação, evidenciando o seu caráter subsidiário e complementar.

Em um terceiro momento será mostrado que o art. 5º, LXVII, da Constituição da República determina que o inadimplemento voluntário e inescusável da obrigação alimentícia é hipótese de prisão civil por dívida. Complementa o art. 733 do Código de Processo Civil preceituando que o não pagamento das ultimas prestações de alimentos enseja a decretação da prisão civil. Ocorre, porém, que, em razão da idade avançada e das prováveis doenças, uma prisão fere a dignidade dos mesmos dos avós. Mostrar-se-á o posicionamento dos Tribunais sobre o tema e a mitigação da eficácia do instituto prisão civil.

Por fim, no quarto capítulo levantar-se-á meios alternativos para compelir os avós a adimplirem seu dever alimentício. O tema é escasso, carente de discussões doutrinárias, legislativas e jurisprudenciais, fato que revela a importância de se discuti-lo, objetivando contribuir academicamente para este debate.

 

 

1 PRINCÍPIOS INERENTES AO DIREITO DE FAMÍLIA

 

O ramo do direito de família possui princípios constitucionais e infraconstitucionais que estão diretamente ligados nas relações familiares. Dentre eles destacam-se alguns.

1.1 Princípio da dignidade da pessoa humana

 

A dignidade da pessoa humana é inerente ao próprio ser humano, sendo reconhecida expressamente pela Constituição Federal de 88 que “a consagrou o princípio e, considerando a sua eminência, proclamou-o entre os princípios fundamentais, atribuindo-lhe o valor supremo de alicerce da ordem jurídica democrática” (MORAES, 2003, p.83). As modificações proporcionadas pela inclusão expressa do principio da dignidade humana no ordenamento jurídico brasileiro refletem a mudança de paradigma sofrida pelas entidades familiares brasileiras.

O modelo de família adotado pelo Código Civil de 1916 reflete uma visão patriarcal da realidade sociocultural brasileira. Nesse contexto se reconhecia unicamente a família constituída pelo casamento, que era uma forma de legitimação das relações sexuais, bem como a única forma de reconhecimento de filhos (DIAS, 2009, p.30). Os interesses do pai provedor (detentor exclusivo do poder familiar) prevaleciam, em detrimento dos interesses pessoais dos demais membros da entidade familiar (DIAS, 2009).

É possível constatar que somente era reconhecida a dignidade da figura paterna, pois na família patriarcal “a cidadania plena concentrava-se na pessoa do chefe, dotado de direitos que eram negados aos demais membros da família, à mulher e aos filhos, cuja dignidade humana não podia ser a mesma.” (LÔBO, 2009, p.38). Sendo assim, a figura paterna era isenta da responsabilidade civil pelos atos praticados contra os demais membros da entidade familiar.

Atualmente, tal perspectiva ser torna inaceitável, pois se busca o pleno desenvolvimento de cada membro da entidade familiar, de forma igualitária: a família agora é entendida como o local destinado à concretização da dignidade de seus integrantes (LÔBO, 2009). A finalidade das entidades familiares é “a realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade, esta é a função da família de nossa época. Suas antigas funções econômica, política, religiosa e procracional feneceram, desapareceram, ou desempenham papel secundário” (LÔBO, 2004, p.155). No interior da entidade familiar, todos os seus membros tem o dever de promover “o respeito e a igual consideração de todos os demais familiares, de modo a propiciar uma existência digna para todos e de vida em comunhão de cada familiar com os demais” (GAMA, 2008, p.71).

 

 

1.2 Princípio da solidariedade

 

Com a promulgação da Constituição Federal de 88, o princípio da solidariedade, antes entendido como dever moral, passou a ser positivado tornando-se um princípio jurídico fundamento da ordem jurídica brasileira (LÔBO, 2013). É dever imposto à família, ao Estado e à comunidade que objetiva a proteção da entidade familiar – criança, adolescente, cônjuges, companheiro e pessoas idosas. No âmbito familiar, o princípio da solidariedade deve ser exercido reciprocamente entre os membros da entidade familiar, que devem prestar auxílio moral e material uns aos outros (LÔBO, 2013).

Os alimentos já foram concebidos como imposição do dever de caridade, de piedade ou de consciência, contendo-se nos campos moral e religioso. A grande família, com filhos numerosos e agregados, era a única segurança de amparo aos que não estavam no mercado de trabalho, especialmente os menores e os idosos. Agora, se reconheceu que os alimentos constituem obrigação derivada do princípio da solidariedade, mas não é necessariamente “obrigação solidária”. A obrigação solidária não se presume; só há quando a lei ou a convenção das partes expressamente a estabelecerem. É jurídica, pois, a obrigação alimentar, seja na relação entre parentes seja na relação familiar (cônjuges ou companheiros). O direito empresta-lhe tanta força que seu descumprimento enseja, inclusive, prisão civil (LÔBO, 2013).

A finalidade desse princípio é assegurar proteção às pessoas vulneráveis. Os tribunais brasileiros avançam nesse sentido ao “assegurar aos avós o direito de contato, ou de visita, ou de convivência com as crianças e adolescentes, uma vez que, no melhor interesse destas e da realização afetiva daqueles, os laços de parentesco ou os construídos na convivência familiar não devem ser rompidos ou dificultados” (LÔBO, 2008, p.7).

 

1.3 Princípio da igualdade entre os filhos

 

O princípio da igualdade entre os filhos encontra-se previsto no art. 227, § 6º, CF/88. Tem como finalidade pôr fim a qualquer tipo de discriminação existente em relação aos filhos.

Independentemente da origem da filiação, se matrimonial ou extramarital, se estabelecida por vínculo civil ou natural, não é cabível qualquer forma de designação discriminatória com relação aos filhos (GAMA, 2008, p.91). O art. 227, §6º também impôs a igualdade de direitos entre os filhos. Sendo assim, todos terão os mesmos direitos: “uma vez existente o vínculo jurídico de parentalidade-filiação, todos os filhos do mesmo pai ou da mesma mãe têm, estritamente, os mesmos direitos reconhecidos no ordenamento jurídico brasileiro, sem possibilidade de qualquer diferenciação” (GAMA, 2008, p.96).

1.4 Princípio do melhor interesse da criança e do adolescente

 

O princípio do melhor interesse da criança e do adolescente determina ser dever do Estado e da família assegurar à criança e ao adolescente, prioritariamente, os direitos previstos na Constituição, tanto na elaboração quanto na aplicação dos direitos que lhe digam respeito, como pessoa em desenvolvimento e dotada de dignidade (LÔBO, 2009, p. 53).

           O princípio do melhor interesse da criança e adolescente é evidentemente decorrência da mudança de paradigma vivenciada recentemente. O poder familiar, que antes atribua ao pai o direito de determinar os rumos da vida dos filhos, agora passa a ser entendido como poder atribuído aos pais de ‘intervirem’ na esfera jurídica dos filhos, não em interesse próprio, mas buscando sempre concretizar melhor interesse destes, proporcionando seu pleno desenvolvimento e inserção na comunidade a que pertence.

 

1.5 Princípios da afetividade e da convivência familiar

 

                O princípio da afetividade está na Constituição Federal de 1988, sendo um dos fundamentos do direito de família decorrente dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, bem como dos princípios da convivência familiar e da igualdade entre cônjuges, companheiros e filhos entre si (LÔBO, 2009, p. 47-48). Assim sendo, “o afeto talvez seja apontado atualmente como o principal fundamento das relações familiares” (TARTUCE, 2007, p.39).

A afetividade é uma das principais características da família, traduz o respeito que deve existir no interior da família, de tal forma que esta seja respeitada em sua dignidade frente ao corpo social.

Por fim, cumpre distinguir afeto de afetividade. Este é um princípio jurídico que deve existir ainda que não haja afeto. Ao passo que aquele é um aspecto anímico da pessoa. “A afetividade é dever imposto aos pais em relação aos filhos e destes em relação àqueles, ainda que haja desamor ou desafeição entre eles” (LÔBO, 2009, p.48).

 

2 OBRIGAÇÃO ALIMENTAR AVOENGA

 

A obrigação de alimentar decorre diretamente do princípio da dignidade da pessoa humana. Toda vez que os laços de família não forem suficientes para assegurar a cada membro pertencente a entidade familiar as condições necessárias para uma vida digna, “o sistema jurídico obriga os componentes deste grupo familiar a prestar meios imperiosos à sua sobrevivência digna, por meio do instituto dos alimentos, materializando a solidariedade constitucional” (FARIAS; ROSENVALD, 2012, p.668).                         

No mesmo sentido leciona Maria Helena Diniz que considera o dever alimentar uma obrigação personalíssima, que se estabelece entre alimentante e alimentado: “um parente fornece a outro aquilo que lhe é necessário à sua manutenção, assegurando-lhe meios de subsistência, se ele, em virtude de idade avançada, doença, falta de trabalho ou qualquer incapacidade, estiver impossibilitado de produzir recursos materiais com o próprio esforço” (DINIZ, 2003, p.17).

Alimentos é tudo aquilo que “é indispensável às necessidades da vida, como vestimentas, alimentação, moradia, atendimento médico, hospitalar, instrução, etc.” (RIZZARDO, 2004, p.717). Ora, “o ser humano, desde o nascimento até sua morte, necessita de amparo de seus semelhantes e de bens essenciais ou necessários para a sobrevivência; nesse aspecto realça-se a necessidade de alimentos” (VENOSA, 2005, p.391). Em suma: alimentos é o conjunto de bens apto a proporcionar ao individuo condições necessárias a sua existência com dignidade.

Para que a obrigação alimentar exista, é necessária a observância dos seguintes pressupostos delimitados pelos artigos 1694 e 1695 do Código Civil:

a) Existência de um vínculo de parentesco seja entre ascendentes, descendentes ou irmãos, uma relação conjugal ou União Estável;

b) Necessidade do alimentando que não dispõe de meios próprios para viver de modo compatível com a sua condição social;

c) Possibilidade do alimentante, que deverá cumprir com sua obrigação, sem prejudicar seu próprio sustento;

d) Proporcionalidade entre necessidade e possibilidade, para não haver prejuízo parar nenhuma das partes (SOUZA, 2009, p. 20).

 

 

Independentemente da origem da incapacidade, se esta impossibilitar o individuo de prover à própria subsistência, sendo involuntária e inequívoca, os alimentos serão devidos. Desaparecendo a necessidade, a obrigação poderá ser suspensa. A obrigação será estabelecida considerando as condições pessoais e sociais dos sujeitos buscando sempre a proporcionalidade. Por fim, é necessário que haja um vinculo de parentescos entre os sujeitos (alimentando e alimentante).

Conforme dispõe o Código Civil, o direito à prestação de alimentos é recíproco entre os parentes, sejam eles oriundos de parentesco consanguíneo ou civil. O problema está na ordem que deve ser observada quando se trata dos ascendentes. Analisando o artigo 1696 é possível concluir que não há restrições à reciprocidade da obrigação alimentar entre os parentes de linha reta (SOUZA, 2009). Assim, é possível que filhos, netos, bisnetos, proponham ação de alimentos em face de seus pais, avós e bisavós. Essa possibilidade de pleitear os alimentos aos outros ascendentes vem se consolidando na jurisprudência pátria. Apenas para citar alguns exemplos, a julgar pelas fundamentações e acórdãos das TJRS, Ap. Cível n. 70025500190; TJSP, Ap. Cível n. 475663-4/0; STJ, HC n. 38314/MS; STJ, REsp n. 579385/SP e STJ, REsp n.366837/RJ, percebe-se que a jurisprudência passou a admitir a propositura de ações alimentares em face dos avós.

Contudo, é necessário obedece a ordem de preferência: a ação deverá ser proposta em face do ascendente mais próximo. Na falta deste, a ação poderá ser proposta em face dos seguintes – o neto somente poderá propor ação em face de seu avó se e, somente se, os pais estiverem, por algum motivo impossibilitados de suprir os alimentos devidos. Realizando uma interpretação literal dos dispositivos do Código Civil que regem a obrigação alimentar, conclui-se que a obrigação alimentar tem natureza subsidiária. Essa obrigação é devida por dois motivos:

 a) podem derivar do exercício do poder familiar, sendo imposto aos genitores pelo simples poder-dever de cuidar dos filhos, durante a menoridade, inclusive em casos de destituição do poder de familiar (até porque, se assim não fosse, a destituição poderia se transformar em prêmio para genitores desidiosos e irresponsáveis, que desconhecem o verdadeiro significado da ‘paternidade responsável’, imaginada constitucionalmente);

b) podem decorrer, também, da relação parental, quando já forem maiores e capazes os filhos, bem como nas demais hipóteses de parentesco, fundados, em tal hipótese, no dever de solidariedade existente entre parentes, buscando garantir a própria sobrevivência digna (CAHALI; PEREIRA, 2005, p. 32).

 

 

Assim, por se tratar de uma obrigação de natureza subsidiária, a obrigação avoenga em prestar alimentos se dará em situações excepcionalíssimas em que ambos os pais não possuem condições de prover alimentos aos filhos. Maria Berenice Dias (2005) entende que:

Somente se ambos não têm condições de prover o sustento dos filhos é que se invoca a responsabilidade dos avós. Assim, contra clara disposição legal, vem sendo afastada a obrigação complementar e subsidiária dos ascendentes. O fato de a lei fazer uso da palavra pais, no plural, ao atribuir-lhes o poder familiar, não quer dizer ambos os pais e, sim, qualquer dos pais (DIAS, 2005, p.419).

 

Tem-se como pressupostos para a legitimidade da prestação de alimentos pelos avós a ausência dos pais, falta de recursos econômicos ou a impossibilidade de exercer atividade laborativa (DINIZ, 2003, p.510). E mais, os avós somente poderão prestar alimentos na medida de suas condições econômicas.

Além do caráter subsidiário, a obrigação avoenga de prestar alimentos tem caráter complementar: a obrigação somente será devida se os pais não possuírem condições de arcarem com o sustento dos filhos ou não possuírem condições de satisfazerem sozinhos à obrigação de alimentar para com os filhos – far-se-á necessária prova inequívoca da insuficiência de recursos, em razão de seu caráter excepcional (SOUZA, 2009, p.45). Assim, haverá a possibilidade de complementação pelos avós quando o devedor primário não puder prover totalmente os alimentos necessários ao alimentando – os parentes mais próximos não excluírão os mais remotos, pois haverá uma complementação conjunta. O autor da ação tem a faculdade de demandar os demais obrigados ao processo para satisfazerem conjuntamente a obrigação alimentar.

“Firmou-se, então, a jurisprudência no sentido de que a obrigação dos avós em prestar alimentos aos netos é subsidiária e complementar. Em todos os tribunais estaduais e no Superior Tribunal de Justiça essa conclusão é unânime” (SEREJO, 2011, p. 17). E esta obrigação alimentar avoenga decorre da solidariedade que deve existir entre os membros de uma mesma família. Nos dizeres de Maria Berenice Dias (2006, p. 56), no seio de uma família, os seus integrantes são mutuamente credores e devedores de uma obrigação. Nestes termos, a obrigação alimentar é, pois, uma concretização do princípio da solidariedade familiar.

 

3 PRISÃO CIVIL POR AUSÊNCIA DE PENSÃO ALIMENTÍCIA AVOENGA

 

O ordenamento jurídico brasileiro estabelece duas possibilidades para prisão civil por dívida. Elencadas no art. 5º, LXVII da Constituição da República, são elas: a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia; e a do depositário infiel. É dizer, é permitida a prisão civil por dívida oriunda do descumprimento espontâneo e inescusável da obrigação alimentícia.  Isso porque, “os alimentos são considerados de ordem pública, inderrogáveis por convenção entre os particulares e protegidos de modo especial pelo Estado, a ponto de o Brasil ser um dos poucos países a prever, no texto constitucional, a possibilidade de prisão civil do devedor de alimentos” (CATALAN, CERUTTI, 2010, p.30/31). Complementa o art. 733 do Código de Processo Civil preceituando que o não pagamento das últimas prestações de alimentos enseja a decretação da prisão civil.

Pablo Stolze Gagliano (200[?], p.1) leciona que, em razão da importância da subsistência do alimentando, a prisão civil decretada em face do inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentar é medida extremamente necessária, haja vista que muitos réus só cumprem as suas obrigações quando ameaçados pela ordem de prisão. Em complemento, Barbosa Moreira (1997, p.267) pontua que a imposição da prisão civil pressupõe que o devedor, depois de citado, deixou transcorrer o prazo de três dias e não pagou, não provou que já havia pago, ou que não o fez por estar impossibilitado de fazê-lo. Em razão de sua omissão em efetuar o pagamento ou oferecer escusa justa, poderá o juiz decretar a prisão do devedor, porém, por período de um a três meses. O autor evidencia ainda que uma vez pago o valor devido, o magistrado suspende a prisão que já esteja sendo cumprida.

Dito isso, cumpre lembrar o que já fora dito outrora. “Em primeiro lugar, são obrigados os pais, depois os avós (...), recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta dos outros. (...) Somente na falta de um é que o credor poderá voltar-se contra o outro parente de grau subsequente”. (COVELLO, 1994, p.19). Significa dizer que a obrigação alimentar também poderá recair sobre os avós, com os mesmos termos e condições que para os pais. Deste modo, estabelecida a obrigação, os mesmos meios utilizados para exigir o cumprimento dos pais poderão ser utilizados para ordenar o pagamento da pensão alimentícia pelos avós. Se aos pais inadimplentes com a pensão alimentícia é cabível a prisão civil, “surgindo a obrigação e não havendo o adimplemento por parte dos avós, eles são coagidos à prisão civil da mesma forma que outros indivíduos inadimplentes” (WANDERLEY, 2009, p.236).

Nesse contexto, em razão da coação, a prisão se revela o meio mais eficaz para se exigir o cumprimento de uma obrigação. Nos dizeres de Yussef Cahali (2009, p. 751) “prende-se o executado não para puni-lo, como se criminoso fosse. Mas para forçá-lo indiretamente a pagar, supondo-se que tenha meios de cumprir a obrigação e queira evitar sua prisão, ou queira readquirir sua liberdade”.

Ocorre, porém, que recentemente – conforme notícia publicada no sito do Superior Tribunal de Justiça- este Tribunal concedeu prisão domiciliar à uma avó devedora de alimentos. A justificativa para tanto foi que em razão da idade avançada e das prováveis doenças, uma prisão feriria a dignidade dos avós. Para o STJ, se da inadimplência ensejar prisão civil, esta deveria ser convertida em prisão domiciliar, fato que retiraria a eficácia do instituto. É o que se observa no trecho da reportagem:

De acordo com a ministra Nancy Andrighi, relatora, o STJ tem entendimento pacífico no sentido de que a prisão é cabível na hipótese de propositura de execução contra o alimentante. No entanto, a relatora observou o caráter peculiar da situação pela idade e pelo quadro de saúde da devedora. “Segundo a jurisprudência do STJ, a prisão civil por dívida de alimentos pode ser convertida em prisão domiciliar em hipóteses excepcionalíssimas, sempre no intuito de prestigiar a dignidade da pessoa humana, para evitar que a sanção máxima cível se transforme em pena de caráter cruel ou desumano”, disse a relatora. (STJ, 2013)

 

Embora a prisão civil seja o meio mais eficaz, “ela agride a integridade física e às vezes até psicológica do devedor, mormente em idade avançada, vendo-se impedido no seu direito de ir e vir, podendo sofrer danos irreversíveis em suas condições de saúde” (WANDERLEY, 2009, p. 237). Desta feita, necessário se faz uma ponderação entre a necessidade de adimplemento da obrigação, as consequências de uma prisão e a Lei Complementar nº 10.741, conhecida como o Estatuto do Idoso.

O estatuto em comento coloca o idoso em uma situação distinta e protege-o de todos os modos para que tenha o direito a uma velhice digna. Em respeito a esta Lei, deve o Estado-juiz, quando diante de casos em que se requere a prisão civil dos avós, buscar outros meios de cumprimento de obrigações que não violem a dignidade do idoso, em que pese a prisão civil poderia provocar consequências irreversíveis. Assim, deve-se considerar que

 

A Constituição Federal, em seu art. 1º, inciso III, adotou como princípio maior o da dignidade humana. Dessa forma, todos os demais direitos fundamentais decorrem desse direito, e nele encontram, por sua vez, seu próprio alicerce. Em consequência, toda atividade do Estado deve ser orientada à proteção da dignidade humana, e qualquer violação a esse princípio viola também os direitos e garantias fundamentais da pessoa humana como sujeito de direitos. (WANDERLEY, 2009, p.237)

 

Em que pese este contexto, o TJRS, Agravo de Instrumento Nº 70036826733, já decidiu pela prisão em regime aberto para avós inadimplentes. Em reportagem do site do STJ (2013, s/p), a ministra deste Tribunal, Nancy Andrighi afirma que a prisão civil por dívida alimentar pode ser convertida em prisão domiciliar para evitar violações à dignidade da pessoa humana e, ainda mais, em se tratando de idosos, para evitar que a sanção se transforme em uma pena cruel e desumana.

Diante o exposto, imperioso se faz que o magistrado encontre meios coercitivos, porém, mais brandos, para o cumprimento da obrigação. Havendo esses meios, aplica-se o art. 620, Código de Processo Civil: “Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor”.

 

4 MEIOS ALTERNATIVOS PARA GARANTIR O ADIMPLEMENTO DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR

 

Conforme visto, a prisão civil é o meio mais eficaz para exigir e garantir o adimplemento da pensão alimentícia. Todavia, no caso dos avós, o instituto tem sua eficácia mitigada em virtude da conversão em prisão domiciliar. Por essa razão, mister se faz buscar novos meios para garantir o cumprimento da obrigação alimentar por parte dos avós.

Além da prisão, há ainda os outros meios cabíveis expressamente na Lei 5.478/68 e possíveis de se aplicar no âmbito da relação avoenga, sejam eles: a ação de alimentos para reclamá-los; a execução por quantia certa; a penhora em vencimento de algumas profissões; o desconto em folha de pagamento; a reserva de alugueis de prédios do alimentante e constituição de garantia real ou fidejussória e de usufruto.

Interessante o ponto levantado por Carlos Gonçalves (2013, p. 568). O ilustre doutrinador leciona haver uma ordem de prioridades. Se o inadimplente for funcionário publico, militar ou empregado sujeito à legislação trabalhista, o primeiro meio a ser buscado para conseguir o levantamento do crédito, seria o desconto em folha de pagamento no valor da pensão alimentícia. Se esta hipótese não for possível, as pensões poderão ser cobradas dos aluguéis ou de quaisquer outros rendimentos do devedor. Apenas quando esses caminhos forem impossíveis que se poderia requerer a citação do devedor para em três dias pagar o débito, sob pena de prisão.

A execução por quantia certa, via de regra, só é pleiteada “quando o devedor não efetua o pagamento das prestações nem mesmo depois de cumprir a pena de prisão. É que o cumprimento da pena não o exime do pagamento das prestações vencidas.” (Gonçalves, 2013, p. 568). Todavia, uma vez executado por quantia certa, não poderá o devedor inadimplente, simultaneamente, ser preso.

Juliana Wanderley (2009, p.238) apresenta um outro meio alternativo de garantia, a astreinte, uma espécie de previsão de multa diária imposta por acréscimo ao devedor, de modo a ameaçá-lo a honrar com sua obrigação. É meio tão eficaz quanto, porém, menos gravoso e que honraria o direito à dignidade da pessoa humana. Corrobora com essa possibilidade, Grisard Filho (2006, p. 903) que leciona a astreinte como um efetivo meio de pressão e coação sobre o animo de alimentos. Segue o mesmo entendimento Madaleno (2007, p.245).

Sempre que presentes as condições favoráveis à imposição da multa como ferramenta adicional de motivação para o pagamento da pensão alimentícia represada pelo devedor alimentar, dispostos a causar agravos materiais e morais ao credor da pensão, certamente servirão as astreintes como um eficiente mecanismo de desestímulo à renitente teimosia dos executados que costumam dar vazão processual às feridas abertas por força de velhas dissensões afetivas e conjugais.

 

Nestes termos, ante o exposto, o que se propõe e defende é que, havendo inadimplência no cumprimento da obrigação alimentar avoenga e, diante de um pedido de prisão civil por dívida, o magistrado faça uma ponderação entre o princípio da dignidade da pessoa humana e o Estatuto do idoso, com a necessidade de adimplemento da pensão alimentícia. Dessa ponderação que, ao invés de decretar a prisão civil domiciliar, cujo caráter fica mitigado, que seja imposto astreintes, com o intuito de desestimular a inadimplência e garantir o cumprimento da obrigação.

 

CONCLUSÃO

              A proteção à vida dos filhos cabe aos pais que os geraram. Assim, transferir essa incumbência aos avós somente deve ocorrer em situações excepcionais em razão da solidariedade que deve nortear as relações parentais.

              Ora, se a obrigação alimentar pode ser transferida aos avós de forma excepcional, seja para adimpli-la em sua totalidade ou de forma subsidiaria, faz-se necessário a criação de instrumentos igualmente excepcionais que possibilitem atenuar essa obrigação legal especial no momento de executar prestações vencidas dos avós. Isso deve ser feito de forma eficaz sem, contudo, prejudicar a criança ou adolescente que necessita alimentos.

              Embora a prisão civil seja considerada um meio eficaz, que possibilita a obtenção da satisfação da obrigação alimentar de forma célere, deve-se sempre, em se tratando de obrigação alimentar avoenga, optar pelo meio igualmente eficaz e menos gravoso e degradante, como por exemplo, a multa diária.

               Deve-se, desta maneira, evitar a mitigação dos princípios constitucionais que regem o Direito de família, a exemplo da dignidade da pessoa humana e solidariedade, garantindo o adimplemento almejado e protegendo a criança ou adolescente que necessite auxilio. Ressalta-se, por fim, que para que seja possível estabelecer a obrigação alimentar avoenga é necessário que sejam atendidos todos os pressupostos de admissibilidade listados pelo ordenamento, não sendo permitido ao autor da ação de alimentos escolher quem será seu devedor tendo como base exclusivamente a discricionariedade.

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Código Civil. In: Vade Mecum Saraiva, 2012.

 

BRASIL. Código de Processo Civil. In: Vade Mecum Saraiva, 2012.

 

BRASIL, Constituição da República Federativa do. Brasília: Senado Federal, 2011.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. HC n. 38314/MS. In: PELUZO, Cezar. Código Civil Comentado:doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002. 7ª. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 1948-1961.

 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp n. 579385/SP. In: PELUZO, Cezar. Código Civil Comentado:doutrina e jurisprudência: Lei 10.406, de 10.01.2002. 7ª. ed. Barueri: Manole, 2013. p. 1948-1961.

 

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