O vidente

Numa grande dúvida de qual decisão tomar numa questão, ele resolveu ir até um vidente que, diziam, era muito bom.

Depois de uma hora e meia de espera, ao chegar sua vez, ele entra e se apresenta ao vidente:

― Boa tarde, meu nome é...

― Eu sei quem você é – respondeu o vidente, em pose rígida e semblante sério.

― Sabe? Mas... Ah, sim claro. Você é vidente. Isso mesmo. Desculpe, eu não quis ofender. Então... eu só vim perguntar...

― Já sei o que quer me perguntar e a resposta é não. A não ser que fosse sim.

― Como? Não? A resposta é não? Como sabe?

― Como sei?! Você veio aqui para se consultar ou para me ofender? De que me valeram tantos anos de estudos de numerologia, astrologia, quiromancia, alquimia e tantas outras ciências milenares na famosa Academia de Ciências Revelatórias da Grande Irmandade Mística do Reino Cabalístico da Pedra de Indara? Será que perdi trinta e cinco anos de minha vida estudando bobagens inúteis, meu cavalheiro?

― Desculpe, desculpe, seu vidente! Eu não sabia que vocês estudam tudo isso. Eu não...

― Estudamos, não. Eu estudei. Fui o único entre milhares deste continente que conseguiu uma das pouquíssimas vagas da academia para a formação não de um simples vidente, mas do grande discípulo que guardará todos os segredos milenares das grandes ciências revelatórias da Academia.

― Quer dizer que são trinta e cinco anos de estudo, é? Nunca imaginei.

― Trinta e cinco anos só de estudos. Depois, precisamos fazer mais vinte anos de retiro espiritual e meditação numa caverna isolada no Tibet. Só aí é que estamos preparados para abrir uma tenda como esta e consultar pessoas carentes de respostas como você.

― Mil perdões, mestre. Eu devia ter acreditado em sua resposta. O senhor deve ter toda a condição de ver minha situação claramente. Desculpe. Mas... quer dizer que a resposta é não?

― Sim.

― Sim? A resposta é sim?

― Não. A resposta é não, eu disse.

― Ah, sim, desculpe. O senhor só está confirmando que a resposta é não. Mas eu tinha tanta certeza de que a resposta era sim...

― Não devemos cultivar certezas não confirmadas nesta vida. Elas têm potencial para nos decepcionar.

― O senhor tem razão. Mas... será que não há algum modo de... enfim... fazer o não virar sim, o senhor entende?

― Ah! Essa era a pergunta que eu estava esperando.

― Como assim?

― Essa é a pergunta que pode transformar os trilhos já construídos, os caminhos já definidos. Com essa pergunta, você desafia o seu destino a ser reescrito, você desafia toda a ordem cósmica a refrear os fatos e redesenhá-los a partir dos questionamentos, ou seja, dos posicionamentos em forma de barreira, de obstáculo. Assim, seu destino pode se modificar através da força do bloqueio psíquico. O caos se transmuta em mais caos.

― O que isso quer dizer?

― Que agora eu posso lhe dar novas diretrizes e você, com a força do pensamento positivo, pode ajudar seu destino a lhe dar o que quer. Mas, para isso, você precisará acreditar em sua força. Eu não posso lhe dar algo que deverá sair de dentro de você.

― Então me diga o que tenho que fazer, por favor.

― Bem, preste a atenção porque eu não poderei lhe dar a instrução novamente. Vá para casa e comece a mentalizar a resposta que você queria ouvir de mim. Durma antes de meia-noite e, de manhã, acorde às 4:37 h. Beba um copo de água com uma pitadinha de sal e uma colher de chá de açúcar. Tome seu café da manhã e depois observe os sinais que a vida e a natureza lhe darão. Se algo acontecer que se pareça com um “sim”, então esta será a resposta definitiva. Por exemplo, se receber a visita de alguém de que não goste, isso significará um “não” definitivo. Porém, se vir pela janela de sua casa uma borboleta ou um beija-flor voando, isto significará um “sim”. Se, no mesmo dia, acontecerem fatos positivos e negativos, ou “sins” e “nãos”, some-os, veja qual resposta prevaleceu e será isso que lhe responderá. Mas veja bem: tudo isso dependerá agora só de você. Você não poderá voltar aqui para perguntar nem reclamar mais nada, senão desfará totalmente o bloqueio mental que mudaria sua vida. Se algo der errado, em algum momento a falha terá sido sua.

― Maravilhoso, mestre! Obrigado! O senhor tem razão. Tudo agora depende só de mim. Pode deixar que eu farei tudo que me disse. Então, quanto lhe devo?

― Por lhe ajudar a mudar o curso de sua vida de um “não” para um “sim” e que lhe proporcionará todas as maravilhas, benefícios e vantagens que virão com esse possível “sim”, mudando definitivamente sua visão de mundo, de seu potencial e de sua vida? Não sei. O que acha que eu mereço em troca para equilibrar a balança cósmica que me permitiu lhe fazer tudo isso, meu rapaz?

― Bem, acho que o senhor tem razão. O senhor me ajudou muito e merece um bom valor. Mas... eu acho que só posso lhe oferecer duzentos... Desculpe.

― Não se preocupe... Eu sei que você me dará dez vezes mais quando tiver oportunidade. Os duzentos, por favor.

― Claro, Claro. Aqui está. Obrigado e até mais ver.

Quando ele se saiu da casa em forma de tenda, o jovem funcionário de limpeza do vidente lhe pergunta:

― Puxa, mestre. Como o senhor conseguiu adivinhar tudo isso sobre a vida do moço? Eu nunca tinha visto nada igual!

― Não, não, meu caro jovem. Eu não adivinhei nada. Eu não tenho esse poder.

― Como não? O senhor até sabia o que ele iria perguntar. Isso não é adivinhar?

― É que eu apenas sugeria. Tenho sim é alguma habilidade de persuasão e técnicas de convencimento. Além disso, algum conhecimento de neurolinguística e comunicação corporal, além, é claro, da minha veia teatral são o bastante para fazer qualquer um acreditar em poderes adivinhatórios, inclusive você, como se nota.

― O senhor está me dizendo que não adivinhou nada a respeito daquele moço? Então como lhe disse tudo aquilo da vida dele?

― Que ingênuo você é. Eu não disse nada de sua vida pessoal. Apenas sugeri ideias a ele. Apenas fiz ele acreditar que eu sabia de alguma coisa.

― Mas o senhor disse que sabia quem ele era.

― Sim, disse, porém não o deixei questionar isso. Ele simplesmente não teve como duvidar tamanha foi a naturalidade com que falei.

― Nossa, é mesmo. O senhor nem disse o nome dele, mestre. Mas... e a resposta que ele queria? O senhor disse que era não. Parecia que conhecia o assunto em questão.

― Sim, parecia, mas eu não sabia de coisa alguma. Ele foi levado a acreditar que eu sabia de tudo. Fiz isso, mais uma vez, demonstrando segurança na fala e na postura. Ele já não estava em condições de questionar nada. Simplesmente acreditou.

― Mas, mestre... e aquele papo todo de trinta anos de estudos na Grande Caverna da dona Dara? Era tudo lorota também?

― Tudinho. Apenas passei cinco anos estudando as melhores técnicas de 171 na praça e aqui estou.

― Como? O senhor não fez curso de adivinhação nem nada? Caramba! Como tem gente besta nesse mundo. Mas, e se der errado e ele voltar?

― Não, ele não voltará. Já o fiz acreditar que tudo só dependia dele. Se algo, seja o que for, der errado, ele terá que se conformar.

― Genial, mestre. Eu tô que nem me seguro de tanta surpresa.

― E lembre-se: não conte nada a ninguém, pois é desse “trabalho” que eu sustento esta casa e pago seu salário, certo?

― Tudo bem, mestre. Pode ficar tranquilo que ninguém vai saber de nada pela minha boca, he, he.

Já a alguns quilômetros dali, o rapaz que consultara o vidente continuava perdido em seus pensamentos:

― Puxa, vai dar um pouco de trabalho pra saber se a Lucinha vai aceitar meu convite pra tomar sorvete no sábado ou não.