O VICE-CAMPEONATO PAULISTA DE FUTEBOL DE 2001: A QUASE EPOPEIA DO BOTAFOGO FUTEBOL CLUBE

VICE CHAMPIONSHIP SÃO PAULO STATE FOOTBALL 2001: THE ALMOST EPIC FROM BOTAFOGO FUTEBOL CLUBE

Rogério Duarte Fernandes dos Passos

RESUMO: O texto resgata a satisfatória e surpreendente campanha do Botafogo de Ribeirão Preto no Campeonato Paulista de Futebol de 2001, abordando as partidas do clube ao longo da competição.

ABSTRACT: The text recalls the satisfactory and surprising campaign of Botafogo from Ribeirão Preto in the 2001 São Paulo State Football Championship, reliving the matches of the club throughout the competition.

PALAVRAS CHAVE: Botafogo Futebol Clube de Ribeirão Preto. Campeonato Paulista. Futebol do Interior.

KEYWORDS: Botafogo Futebol Clube from Ribeirão Preto. Championship São Paulo. Country football.

1. O trabalho.

Ciente dos riscos que ela pode trazer, em parte este texto remonta à memória afetiva, sobretudo, de um período cujas percepções do futebol eram construídas quando não se possuía facilmente acesso à rede mundial de computadores e, mesmo, quando o futebol era predominantemente acompanhado através das transmissões do rádio em frequência média (AM). Não raro, para ter-se acesso mais qualificado a uma partida, o ideal era se fazer presente ao estádio, mesmo que nas arquibancadas igualmente nem sempre fosse fácil presenciar com perfeição e detalhes todos os lances de um jogo.

Todavia, os sentidos são parte fundamental da percepção e da construção da memória de qualquer sujeito. No futebol, memória, afetividade – representada na paixão clubística – e análise são quase parte de um único sentimento.  

Atletas – famosos ou anônimos – e torcedores – sempre anônimos – constroem a história. Dá-se voz no presente texto àquele que é sempre anônimo.

2. Breves notas da história do Campeonato Paulista de Futebol.

Organizado por diferentes entidades por conta de cisões, dissidências e até mesmo em virtude da influência de criação e extinção de agremiações diversas, o Campeonato Paulista de Futebol remonta ao ano de 1902, quando o paulistano Charles Miller (1874-1953) – filho de um funcionário escocês da São Paulo Railway Company – com grande pioneirismo, agregou fundamental contribuição para o desenvolvimento e disseminação do esporte em São Paulo e no Brasil, de início, objeto de prática apenas dos membros das elites.

O primeiro certame foi estruturado pela extinta Liga Paulistana, trazendo ainda outras entidades organizadoras, como a Liga Paulista de Foot-Ball (LPF), Associação Paulista de Esportes Atléticos (APEA), Liga dos Amadores de Futebol (LAF), Liga Bandeirante de Futebol (LBF) e, finalmente, pela atual Federação Paulista de Futebol (FPF), que no momento presente estrutura a competição em quatro divisões ou níveis, cuja ordem de importância, respectivamente, se materializa na Série A-1 (primeira divisão), Série A-2 (segunda divisão), Série A-3 (terceira divisão) e Série B (na prática, a quarta divisão).

Com indícios de sua ocorrência desde a década de 1920, a profissionalização dos jogadores propriamente dita remonta oficialmente ao ano de 1933, no que é de se ressaltar que Roberto Gomes Pedrosa (1913-1954) – então presidente da FPF – promovendo verdadeira integração com as equipes do interior paulista, em 1948 institui a lendária “Lei do Acesso”, permitindo ao vencedor do torneio final entre os campeões regionais da segunda divisão de profissionais ascender ao primeiro escalão da competição, ao lado das “grandes equipes” da capital – o “Trio de Ferro”, formado por São Paulo, Palmeiras e Corinthians – e do Santos, enquadrado também no status de grande equipe, embora seja do litoral.

A supremacia das grandes equipes ao longo da competição sempre foi notória. Nos torneios organizados pela FPF, poucas equipes do interior do Estado de São Paulo chegaram ao título, notadamente a Internacional de Limeira, em 1986, o Bragantino, de Bragança Paulista, em 1990, o São Caetano, em 2004, o Ituano, nos anos de 2002 (cujo vice foi o União São João, em torneio disputado sem a presença dos grandes, que foram incluídos naquele ano em uma reedição do Torneio-Rio São Paulo) e 2014.

Dentre tantos outros, craques de renome e de grande importância para a memória do futebol brasileiro e mundial já atuaram no Campeonato Paulista – apenas para mencionar alguns dos atletas das equipes consideradas grandes – como Araken Patusca (1905-1990), o goleiro uruguaio Rodolfo Rodríguez, além de Neymar Júnior e Pelé, no Santos – este último por muitos considerado o maior jogador de todos os tempos – Luizinho (o “Pequeno Polegar”, 1930-1998),  Roberto Rivelino (a “Patada Atômica”) – um dos arremates mais potentes da história do futebol –, Sócrates (1954-2011) e Marcelinho Carioca, pelo Corinthians, o goleiro Oberdan Cattani (1919-2014), Ademir da Guia (o “Divino”), o volante Dudu e o atacante Edmundo, pelo Palmeiras, Arthur Friedenreich (“El Tigre”) (1892-1969), – talvez o único jogador do futebol brasileiro a anotar mais gols que Pelé – Leônidas da Silva (o “Diamante Negro”, 1913-2004), Raí e Rogério Ceni (o “Mito“) – goleiro que mais gols anotou no futebol mundial – no São Paulo, além de Ivair (“o Príncipe”), Enéas (1954-1988), Edu Marangon (o “Boy da Mooca”) e Dener (1971-1994), que marcaram época na Portuguesa de Desportos. Pelo Botafogo Futebol Clube – o Botafogo de Ribeirão Preto –, por exemplo, atletas como o meio-campista Lola – autor do milésimo gol da história do Estádio Governador Magalhães Pinto (o “Mineirão”), jogando pelo Atlético Mineiro –, mais Raí, Sócrates (artilheiro pelo clube do Campeonato Paulista de 1976 com quinze gols), e os atacantes Geraldão (artilheiro pelo clube do Campeonato Paulista de 1974 com vinte e três gols) e Chiquinho (artilheiro do Campeonato Paulista de 1984, ao lado de Serginho Chulapa, do Santos, com dezesseis gols), são sempre lembrados por suas atuações não menos marcantes.

No que tange às equipes do interior, vale mencionar que algumas chegaram bem perto de alcançar a láurea maior do campeonato regional que é considerado o mais difícil do país, nos casos da Ponte Preta de Campinas, que chegou ao vice-campeonato em 1970, 1977, 1981, 2008 e 2017, do XV de Piracicaba em 1976, do Guarani de Campinas em 1988 e 2012, do São José Esporte Clube, de São José dos Campos, em 1989, do Grêmio Esportivo Novorizontino – na chamada “final caipira”, contra o Bragantino –, de Novo Horizonte, em 1990, do Paulista de Jundiaí em 2004, do São Caetano, em 2007, do Santo André, em 2010, e do Grêmio Osasco Audax, em 2016.

[O Grêmio Esportivo Novorizontino, fundado em 1973 e vice-campeão paulista da Série A-1 em 1990, por já se encontrar juridicamente extinto, não deve ser confundido com o atual Grêmio Novorizontino, criado no ano de 2001, embora o uniforme de ambos seja idêntico]

O Botafogo Futebol Clube (alcunha “Tricolor da Vila Tibério”, e, também, o “Pantera”, em referência ao seu mascote) – que ascendeu pela primeira vez à principal divisão do futebol de São Paulo em 1956 –, alcançou o vice-campeonato em 2001, no que abordaremos a “quase epopeia” da equipe de Ribeirão Preto, utilizando o substantivo “epopeia” no sentido atual, como um feito de grande valor, in casu, no âmbito desportivo.

3. O Campeonato Paulista de Futebol e o regulamento do certame de 2001.

No certame da primeira divisão de 2001, o regulamento previa que os dezesseis participantes se enfrentariam em um único turno, de maneira que os quatro melhores colocados se classificariam para a disputa das semifinais e, destes, dois chegariam às finais. Na fase inicial, em caso de vitória, cada agremiação somaria três pontos; já na ocorrência de empate, um ponto, e, evidentemente, com derrota, ponto algum. Contudo, como novidade que trouxe grande apelo aos torcedores, em caso de empate com gols, cada equipe conquistaria um ponto e haveria a cobrança da sequência de três pênaltis (ou penalidades máximas) para cada equipe – e não cinco, como se vê tradicionalmente no futebol enquanto critério de desempate –, para a conquista de um ponto extra; permanecendo o empate, ter-se-iam as cobranças alternadas até o insucesso de um dos contendores, sendo que em placares iguais sem marcação de gols no tempo normal de partida – 0 x 0, o “oxo”, na linguagem folclórica do narrador de rádio e televisão Walter Abrahão (1931-2011) –, apenas o vencedor da cobrança pênaltis conquistaria um ponto, impondo ao adversário situação similar à de derrota. A fórmula de disputa estimulou as equipes a buscarem o resultado nos noventa minutos de partida, trazendo mais expectativa e interesse ao público, mesmo que a presença, ao lado dos dois auxiliares (os “bandeirinhas”), do quarto árbitro e de dois juízes em campo – outra novidade, diferentemente do costumeiro único apitador – não tenha mostrado grandes diferenças nas arbitragens.

Colocadas as questões estritamente técnicas da fórmula de disputa, cabe reiterar que após a primeira fase em que os clubes enfrentar-se-iam em turno único, os quatro primeiros colocados se classificariam para as semifinais, com jogos de ida e volta (tendo o clube de melhor pontuação a vantagem de decidir a vaga em seus domínios), onde o primeiro enfrentaria o quarto e o segundo o terceiro melhor qualificado. Com o mesmo critério de vantagem, dos vencedores desse confronto dar-se-iam os finalistas.

4. A campanha do Botafogo na primeira fase do Campeonato Paulista de 2001.

Com um curto período de preparação, o Botafogo contratou para a disputa do Campeonato Paulista da Série A-1 o experiente treinador Lori Sandri (1949-2014), um dos “ciganos do futebol”, que ao longo da carreira dirigiu equipes de praticamente todas as regiões do Brasil. Sem atletas famosos e recheados de jovens “pratas da casa” (isto é, atletas formados nas próprias categorias de base), a equipe teria seu primeiro compromisso “em casa”, o que na linguagem futebolística significa atuar nos próprios domínios, in casu, o Estádio Santa Cruz.

Com grande público¸ o adversário do Pantera naquela estreia de domingo do dia 21 de Janeiro foi o Palmeiras, equipe grande de São Paulo com várias estrelas no elenco. No primeiro tempo, relativo equilíbrio. Já na etapa final, parecendo confirmar o favoritismo, o quadro paulistano começou impondo seu ritmo, anotando o placar de 3 x 0, com gols de gols de Claudecir, logo a um minuto, Galeano (ou com gol contra do goleiro botafoguense Maurício), aos seis, e do meia Alex, aos dez minutos.

Com forte calor, cai uma típica pancada de chuva de Verão, e nas palavras do torcedor botafoguense André Trindade, “a chuva caiu e acendeu o time do Botafogo”, uma vez que o quadro ribeirãopretano apresentou grande reação, com um “duelo particular” entre o volante palmeirense Galeano e o atacante botafoguense Leandro Lessa, que também ficou conhecido no futebol brasileiro como “Leandro Guerreiro”, por conta de seu grande vigor físico. Nesse ínterim, nos minutos finais, o atacante Gauchinho fez o primeiro gol botafoguense aos trinta e cinco minutos, o lateral Jadílson, aos 41 minutos, o segundo, e, novamente Gauchinho, no “crepúsculo do jogo” – como dizia o narrador Fiori Giglioti (1928-2006) – finalmente empatou para o Pantera, levando o prélio para a disputa de pênaltis. Uma peleja de grande disposição botafoguense – a “raça” na linguagem futebolista – pelo volume de reação da equipe de Ribeirão Preto.

Em uma partida com grande componente emocional, Bell, zagueiro do Botafogo cobrou e anotou 1 x 0. Alex, meia do Palmeiras e que serviu a Seleção Brasileira, teve sua cobrança defendida por Maurício, arqueiro do Pantera. Jadílson converteu a sua cobrança e anotou 2 x 0 para a equipe ribeirãopretana. Em seu arremate, Flávio Luís converte a primeira penalidade para a equipe paulistana. E o lateral César decreta o ponto extra em favor dos mandantes, tendo êxito em sua cobrança. Nas penalidades máximas, Botafogo, 3 x 1.

No domingo de 28 de Janeiro, a segunda rodada registrou o confronto diante do não menos forte São Caetano, no Estádio Municipal Anacleto Campanella, em São Caetano do Sul. O Botafogo saiu na frente com gol de Neto (ou Serginho, em gol contra, após desviar a bola do próprio goleiro), aos 21 minutos do primeiro tempo. A equipe do ABC paulista empatou com César aos 33 segundos do segundo tempo. Leandro Lessa desempatou para o Pantera aos 10, e Sinval novamente deixou o placar igual aos 23 minutos. Na disputa do ponto extra na cobrança de penalidades, César, Adãozinho, Aílton e Serginho converteram suas cobranças, ao passo que Simão e Romualdo perderam para a equipe anfitriã. Do lado do Botafogo, Bell, Rogério e Douglas marcaram, enquanto Gauchinho, Birinha e Luciano Ratinho erraram, no que a vitória pelo ponto extraordinário foi da equipe da casa por 4 x 3. Foi a única derrota do Botafogo na disputa de pontos extras em todo o campeonato.

A quarta rodada teve lugar em Santos, no Estádio Ulrico Mursa, no domingo de 11 de Fevereiro. Enfrentando a Associação Atlética Portuguesa – a conhecida “Portuguesa Santista” – a equipe de Ribeirão Preto conheceu a derrota já no primeiro tempo, quando sofreu 2 x 0 por meio de gols de Jean, aos 30, e Genílson, aos 48 minutos. Gauchinho marcou o “gol de honra” botafoguense aos 21 minutos da etapa final.

Confronto marcado por grande rivalidade – que cresceria no final da competição – o Botafogo enfrentou a Ponte Preta no Estádio Santa Cruz pela quinta rodada da primeira fase. Muito disputada, a partida daquele quente domingo de 18 de Fevereiro registrou a abertura de placar pela equipe campineira, por meio do atacante Macedo, aos 44 minutos. Na segunda etapa, o atacante Robert (que também foi conhecido no esporte como Robert de Pinho) – e que posteriormente se transferiria para o futebol suíço – deixou tudo igual aos 31 minutos. O Botafogo começou a vencer a emocionante disputa do ponto extra após a defesa do jovem goleiro Doni – que substituiu o titular Maurício contundido aos 23 minutos do primeiro tempo, e que seria também fundamental na boa campanha daquela competição – espalmando cobrança de Washington. O zagueiro tricolor Rogério, por sua vez, errou a sua cobrança, mandando a bola no travessão. O polêmico meia Piá, do Ponte, converteu, e Jadílson, do Pantera, em sua cobrança, empatou. Elivélton desempata para a “Macaca” – mascote da Ponte Preta – e Robert novamente deixa tudo igual. O pontepretano Rodrigo erra a sua cobrança e, em seguida, o também polêmico Chicão do Botafogo decreta a vitória no ponto extra por 3 x 2.

Outro confronto difícil e empolgante se registrou na sexta rodada, quando no sábado de 24 de Fevereiro o Botafogo empatou em casa com o Rio Branco, que também fez bom papel na competição. No primeiro tempo, Robert inaugurou o placar aos 24, e Anaílson empatou para a equipe de Americana, aos 38 minutos. Rafael, cobrando pênalti aos 16 minutos, colocou os visitantes na frente, mas novamente Robert, em tarde inspirada, também de penalidade máxima, novamente trouxe a igualdade no placar apenas dois minutos depois. Na disputa do ponto extra Silas e Jéfferson bateram para o Rio Branco e o goleiro Doni do Botafogo, mostrando personalidade, defendeu ambas as cobranças. Os defensores Bell e Rogério converteram seus arremates, sendo desnecessária a cobrança do terceiro penal da série, sacramentando a vitória por 2 x 0.

Após receber a equipe do Rio Branco de Americana, o Botafogo visitou na sétima rodada do domingo de 04 de Março o maior rival do adversário anterior, justamente o União Barbarense, no Estádio Antônio Guimarães, em Santa Bárbara d’Oeste. Luiz Gustavo, de cabeça, abriu o escore em favor dos anfitriões aos 04 minutos do primeiro tempo. Ainda na primeira etapa, o zagueiro Bell, nas eficientes subidas ao ataque adversário, também de cabeça, empatou para o Botafogo, aos 30. Pelo ponto extra, Maurício voltava a ser o guarda metas botafoguense, e defendeu a cobrança de Mauro. Bell corroborava a grande partida anotando a sua cobrança. Bira empata para o União Barbarense e Rogério desempata para o conjunto ribeirãopretano. Alberto ainda faz a equipe barbarense respirar convertendo a sua cobrança e Zetti – arqueiro que defendeu grandes clubes e a Seleção Brasileira, expressiva contratação do adversário para a temporada – espalma o arremate de César. A responsabilidade para a equipe da casa fica para a Adriano Ramos, que chutou sua cobrança na trave esquerda. Coube a Leandro Lessa decretar mais um êxito de ponto extraordinário, fechando com sua cobrança o placar em 3 x 2 para o Pantera.

O domingo de 11 de Março trouxe mais que a oitava rodada, enunciando um “teste de fogo” para o Botafogo, que recebeu o Santos no Estádio Santa Cruz, com grande público. Dodô – o “artilheiro dos gols bonitos” – abriu o placar para os santistas aos 15 minutos, naquela equipe que tinha Geninho por treinador, ex-goleiro e ex-técnico do próprio clube ribeirãopretano. Leandro Lessa, com arremate no ângulo da trave adversária, empatou para o Botafogo, aos 35. A tarde era da prata da casa, que anotou o gol da virada, aos 06 minutos, após pênalti cometido por Rodrigo Costa em Leandro Ratinho, em partida de grandes emoções, especialmente por conta da defesa de penalidade máxima do arqueiro santista Fábio Costa cobrada por Robert, aos 09 minutos da primeira etapa, e do lado panterino, de defesa de pênalti de Maurício cobrado por Dodô, aos 25 minutos do segundo tempo.

Apesar da “moral” alcançada pela vitória diante de grande clube do futebol brasileiro, o Botafogo foi surpreendido em 19 de Março pela Internacional de Limeira ao longo da nona rodada, quando é derrotado em casa de virada. Robert, aos 14 minutos, anotou o gol de abertura no prélio. No entanto, em partida de recuperação, os limeirenses conquistaram a vitória com gols de Paulinho, aos 36 da primeira etapa, e no “crepúsculo do jogo” – novamente no dizer de Fiori Gigliotti –, aos 46 minutos do segundo tempo.

A derrota pareceu abalar a equipe de Ribeirão Preto, que se comportando como “Robin Hood” – vencendo clubes grandes e devolvendo os pontos para os de seu porte – na décima rodada de 25 de Março fez, talvez, a sua pior partida no campeonato, sendo derrotada por 2 x 1 pela Matonense no Estádio Dr. Hudson Buck Ferreira, em Matão, visto que já no primeiro tempo, a equipe da casa abriu 2 x 0 com gols de Gílson Batata e Cris. Robert descontou para o Botafogo aos 07 minutos do segundo tempo, sem, contudo, impedir a derrota, em dia de luto para o futebol ribeirãopretano, visto que momentos antes da partida, César Bruno – histórico narrador de futebol da cidade e que atuava na Rádio Clube AM 660 Khz – sofreu um aneurisma e faleceu aos quarenta e sete anos de idade.

A “síndrome de Robin Hood” voltou a ocorrer – desta vez positivamente – no Estádio Santa Cruz, quando novamente com grande público e em outro prélio disputadíssimo o Pantera venceu o São Paulo por 2 x 1. Luciano Ratinho abriu o placar para o Botafogo no apagar de luzes do primeiro tempo, anotando 1 x 0 aos 46 minutos. Naquela rodada de sábado – a décima primeira – o adversário empatava a peleja com França, aos 12 minutos da segunda etapa, sem intimidar o anfitrião, que desempatou aos 24 minutos, em tento que Gustavo Nery – defensor da equipe da Capital – tentou interceptar o lance com um voleio, entretanto, com a bola já tendo ultrapassado a linha divisória do gol.

Na décima segunda rodada, do domingo de 08 de Abril, o Botafogo visitou o Mogi Mirim no Estádio Dr. Wílson Fernandes de Barros (e que hoje se chama Estádio Vail Chaves, sua denominação original), que trazia no elenco os ex-botafoguenses Marcelo Batatais – zagueiro – e Pedro Rocha (1942-2013) – ex-treinador uruguaio que dirigiu o clube na década de 1980 –.  Tecnicamente em grande fase, Leandro Lessa colocou o Pantera na frente aos 12 minutos do primeiro tempo, embora na segunda etapa, tenha sofrido o empate aos 24 minutos. Novo embate pelo ponto extra e triunfo do Tricolor da Vila Tibério, quando o meia Richardson, do Mogi Mirim, errou a sua cobrança, e Douglas, pelo Botafogo, converteu. Na sequência, Juliano errou a primeira e converteu na segunda, enquanto Edgard anotou a sua cobrança e fechou o placar por 2 x 1.

De volta ao Estádio Santa Cruz em outra ocasião de grande público pela décima terceira rodada, no domingo de 15 de Abril o Tricolor de Ribeirão Preto não teve o mesmo desempenho contra uma equipe considerada grande. Após sair perdendo diante do Corinthians por conta de gol em cobrança de falta feita por Marcelinho Carioca, aos 19 minutos de jogo, Robert chegou a empatar para o Botafogo aos 34 minutos, ainda da primeira etapa. Todavia, no segundo tempo a equipe levou mais quatro gols, e foi derrotada pelo elástico placar de 5 x 1.

A reabilitação seria obtida em outra partida tecnicamente muito disputada no Estádio Santa Cruz, no ensolarado domingo de 22 de Abril. Diante do Guarani, o Botafogo chegou à décima quarta rodada já pensando em se classificar para as semifinais, enquanto a equipe de Campinas – que trouxe grande quantidade de torcedores a Ribeirão Preto –, de outra sorte, lutava contra o rebaixamento. O Pantera abriu o placar por meio do volante Douglas, aos 15 minutos do segundo tempo, em jogada plasticamente muito bonita de Jadílson. No entanto, o mesmo Jadílson cometeu pênalti no segundo tempo, cobrado aos 07 minutos por Luiz Fernando Martinez, empatando para os visitantes. Finalmente, após partida tensa, valeu a chamada raça, na qual Luciano Ratinho fez o tento da vitória do Tricolor de Ribeirão Preto, aos 39 minutos. Foi o último jogo do goleiro Maurício, pelo Botafogo, que sem renovar seu contrato, despediu-se do clube.

O último compromisso da primeira fase – pela décima quinta rodada – colocava o Pantera – agora com o jovem guarda metas Doni na titularidade – diante da Portuguesa de Desportos, no Estádio Dr. Oswaldo Teixeira Duarte (o “Canindé”), na Capital, localizado às margens do Rio Tietê. E naquele nublado domingo de 29 de Abril, foi justamente pela entrada postada ao lado da pista que margeia o rio que a torcida ribeirãopretana acessou aquela praça de esportes para acompanhar o destino de sua equipe na competição. Para alcançar as semifinais, o Botafogo precisava vencer e contar com uma derrota do Rio Branco em pleno Estádio Dr. Décio Vitta para a Ponte Preta, o que acabou acontecendo. Ao lado do resultado favorável em Americana, o Tricolor da Vila Tibério fez a sua parte, conquistando um resultado positivo por meio de um rebote aproveitado por Gauchinho, aos 40 minutos, após violenta cobrança de falta de Donizetti – substituindo o lateral Jadílson – que explodiu no peito do goleiro adversário Marcelo Moretto. A vitória por 1 x 0 foi da maneira prevista pelo torcedor botafoguense Renato José Garcia de Almeida, que na entrada do Canindé palpitou o resultado segurando entre as mãos a imagem de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, a padroeira do Botafogo Futebol Clube.

5. A semifinal.

O Botafogo terminou em quarto lugar na classificação geral da primeira fase e seguiu qualificado na competição para a disputa das semifinais. A Ponte Preta foi a primeira na classificação geral, o Santos, o segundo, e o Corinthians, o terceiro.

Naturalmente que o clima de grande expectativa tomou conta de Campinas e Ribeirão Preto. E com grande público no Estádio Cruz – mais de trinta mil pagantes –, revivendo a rivalidade experienciada entre as equipes no Campeonato Paulista de 1977, Botafogo e Ponte Preta, já com o vento característico de Outono, abriram as semifinais no jogo de ida daquele domingo de 06 de Maio de 2001.

Caravana expressiva de campineiros e apoio maciço da torcida botafoguense à sua equipe faziam a sonoridade do Estádio Santa Cruz ser percebida até mesmo na Avenida Nove de Julho, próxima à região central de Ribeirão Preto. Grande partida do novato goleiro Doni – que na ocasião fez defesa dificílima de cabeçada no gol próximo aos portões da Avenida Costábile Romano – e de todo o escrete botafoguense, que parecia ter alcançado o seu ápice técnico na competição, a ponto de produzir gols plasticamente belos, como o de Douglas, arrematando de fora da área, aos 05 minutos do segundo tempo. Em seu estilo de jogo, o Botafogo “jogava e deixava jogar”, pressionando o adversário e, em comando tático do treinador Lori Sandri, aceitando pressão para sair em contra-ataques.

Da pressão adversária, porém, acabou saindo o gol de empate pontepretano, em tento de cabeça anotado pelo zagueiro Rodrigo, aos 31 minutos. Quando a partida parecia caminhar para o empate, César – atleta que sempre entrava bem nas partidas – cobra escanteio pela direita, atrás do gol da torcida visitante; Gauchinho, na marca do pênalti desvia a bola em diagonal, rumo ao poste esquerdo; Leandro Lessa quase em cima da linha de fundo ajeita de cabeça para o arremate de “sem pulo” de Augusto: é o gol da vitória, aos 40 minutos, aumentando uma séria de nove partidas do Botafogo sem derrota para a equipe campineira em Campeonatos Paulistas. 

A rivalidade histórica e natural entre Botafogo e Ponte Preta foi devidamente “turbinada” pelos microfones de rádio após a partida, no que boatos de verdadeira vingança eram disseminados para o jogo de volta em Campinas.

O jogo de volta ocorreu no Estádio Moisés Lucarelli (o “Majestoso”), em Campinas, no frio domingo do dia 13 de Maio. Após revista da Polícia Militar, os ônibus da torcida botafoguense foram conduzidos até àquela praça de esportes em um comboio que parecia lembrar uma operação de guerra, visto trazer o bloqueio provisório da Avenida Dr. Ângelo Simões, na região do Jardim Leonor. Ademais, por conta do policiamento ostensivo e acesso controlado de pedestres no local (apenas com a entrada do jogo em mãos), desde as adjacências das praças Dr. Francisco Ursaia, Sérgio José Salvucci e Antônio Carlos Corsini, altura do bairro Bosque dos Jequitibás, até o Jardim Primavera, no entorno da Praça Antônio Franco Cardoso, nas imediações da linha de trem da antiga Ferrovia Paulista S.A. (FEPASA) – que acima do nível do gramado do estádio, sempre permitiu por muitos anos que pontepretanos sem ingressos tradicionalmente acotovelassem-se para obter parcial visão do gramado, onde ali inclusive alguns estavam –, tinha-se o profundo clima de apreensão circundante à partida decisiva. Distante do comboio que seguiu pela Rodovia Anhanguera, outros torcedores panterinos deslocaram-se até Campinas por meio da Viação Cometa, desembarcando na antiga Rodoviária Dr. Barbosa de Barros e alcançando a pé o local da partida pela Rua Luzitana, quando são “denunciados”, sobretudo, pela procura de entradas e pela presença da cor vermelha dos agasalhos esportivos botafoguenses, no que são “saudados” com rojões e pedras.

No dial AM, dentre as emissoras sintonizadas em Campinas, podia-se ouvir a Rádio Central (870 Khz) – outrora casa dos famosos repórteres Renato Silva (o “Bico Fino”, 1937-1999), e Brasil de Oliveira (o “Brasa”, 1950-1996) – que, na ocasião, com os trabalhos do narrador Carlos Batista, do comentarista Waldemir Gomes (o “Tigrão”) e do plantonista esportivo José Arnaldo, reiteravam a todo momento a ocasião histórica para as equipes, donde, de pronto, ouviu-se que para esta segunda partida, o treinador Lori Sandri – reafirmando à imprensa que não poderia “ficar atrás o tempo todo e precisaria também jogar futebol” – armou o Botafogo com Doni – que no futuro também ficaria conhecido no mundo do futebol como Doni Marangon –, no gol, Bell, Augusto, Jadílson e Rogério, no sistema defensivo, Gustavinho e Chicão, como volantes, e no setor de meio-campo para o ataque – em uma equipe que surpreendentemente sugeria ser ofensiva, Chris – que mais tarde, em sua exitosa passagem pelo futebol alemão seria conhecido como Chris Hening –, Leandro Lessa, Gauchinho (substituindo o jovem titular habitual Leandro Ratinho) e Robert, atletas que compunham um elenco que também contava com o então lateral esquerdo Augusto Ramos, de apenas dezesseis anos, que no futuro construiria uma carreira vitoriosa no clube. 

Na partida que é considerada por muitos torcedores como a maior da história do Botafogo, com grande público, já aos nove minutos, Macedo sofre pênalti para o time da casa. Washington cobra rasteiro no canto direito do goleiro Doni (no gol ao fundo da linha férrea da FEPASA), que, mostrando estar em grande forma, defende sem rebote – um “encaixe”, em ação de grande qualidade técnica – e sai jogando rapidamente com um “balão”, para delírio dos torcedores de Ribeirão Preto presentes nas arquibancadas.

Sem se abater, contudo, logo aos 12 minutos, Washington faz o primeiro gol para a equipe de Campinas (em lance que os botafoguenses reclamam a irregularidade do impedimento), e aos 28, o segundo, consolidando-se na artilharia da competição. Com 2 x 0 no placar, ao ver seu time tocar a bola, a torcida da Ponte Preta entoa o grito de “olé”.

No final do primeiro tempo, um arremate de cabeça do ataque botafoguense poderia ter diminuído o placar, visto que a bola já tinha vencido o goleiro pontepretano Alexandre Favaro e entraria no gol. Desatento, porém, o atacante Robert insiste na finalização, colocando-se em posição de impedimento, o que causa a anulação do tento.

Para a etapa final da partida, Lori Sandri retira o beque Rogério e promove a entrada do lateral César para o Botafogo ganhar ofensividade no lado direito. E é ele que inicia jogada que gera falta de Ronaldão em Gauchinho na entrada da área do adversário. Cobrando-a com perfeição – em arremate a meia altura que se choca na trave direita antes de entrar – o próprio César diminui aos 02 minutos o placar em favor do Pantera.

Aos poucos o Tricolor da Vila Tibério passou a ter mais posse de bola por conta de ousadamente o treinador Lori Sandri adiantar a marcação, em uma formação tática arriscada (visto desguarnecer em excesso a defesa) que em alguns momentos lembrou o esquema “1-3-3-4” (um goleiro, três defensores, três meio-campistas e quatro atacantes), e começou a se impor na partida, no que era possível ouvir os cânticos da torcida botafoguense ali presente, ainda que aos 10 minutos a equipe sofresse o terceiro gol de Piá, anotado de cabeça.

O domingo escurece, os refletores são acessos, o tempo passa, mas o Botafogo não desiste: após cobrança de falta pela esquerda feita por Leandro Lessa, aos 30 minutos Augusto – que já marcara o gol da vitória na partida de ida – ganha a disputa pelo alto diante do beque Rodrigo e, de cabeça, anota o segundo tento panterino.

Finalmente aos 40 minutos, após uma jogada de grande técnica e vigor físico de Chris pelo lado direito do campo, o atleta é derrubado violentamente por Roberto dentro da área: pênalti. Com grande personalidade e determinação Leandro Lessa toma grande distância e parte para a cobrança. O chute, feito com o lado de dentro do pé direito, sai forte em direção do canto baixo esquerdo do arqueiro rival. No tradicional jargão do futebol, “bola de um lado, goleiro de outro”. Leandro salta as placas de publicidade e corre em direção à torcida botafoguense localizada nas arquibancadas da Rua Afonso Pena para comemorar junto às grades que a separam do gramado: é gol do Botafogo.

Leandro Lessa é substituído pelo volante Róbson Nese para resguardar o meio-campo, em partida na qual Gauchinho também é trocado por Júnior. O Tricolor da Vila Tibério segura a pressão do adversário e quase chega a virar o placar. O Botafogo estava na final do Campeonato Paulista de 2001.

6. A final.

Por somar menos pontos nas duas fases da competição, coube ao Botafogo fazer a primeira partida da final no Estádio Santa Cruz no domingo do dia 20 de Maio, que recebeu um dos maiores públicos de sua história. O adversário foi o Corinthians, que fez um campeonato de recuperação, saindo das últimas posições e eliminando o Santos na semifinal com um gol no último lance da partida.

Em exemplo do que aconteceu no primeiro turno, a equipe de Ribeirão Preto “não encontra” o seu jogo diante do adversário. A equipe de Ribeirão Preto até joga bem o primeiro tempo, mas na etapa final, com dois gols de Marcelinho Carioca e outro João Carlos, de cabeça, o Pantera é derrotado novamente por uma placar elástico: 3 x 0.

Na partida de volta, disputada no Estádio Dr. Cícero Pompeu de Toledo (o “Morumbi”), o Botafogo joga fechado, empatando em 0 x 0 e perdendo o título, ainda que houvesse comemoração dos poucos torcedores botafoguenses que foram à partida e posicionaram-se nas cadeiras amarelas do anel inferior daquela praça de esportes.

No retorno de São Paulo, no Estádio Santa Cruz a torcida botafoguense recebe o ônibus da delegação com reconhecimento, embora o título não viesse. Há comemoração também na Rua Paraíso, na Vila Tibério – próxima à sede histórica do clube – e na Avenida Presidente Vargas. Foi a quase epopeia do Botafogo.    

7. Considerações finais.

Talvez com a menor folha salarial dentre todas as equipes do Campeonato Paulista – cerca de R$ 85.000,00 – o Botafogo surpreendeu na competição com uma equipe de jovens jogadores e pratas da casa.

Papel de destaque naquela campanha deve ser atribuído a todo o elenco de jogadores e, em especial, aos goleiros Maurício e Doni – este último que futuramente ainda defenderia importantes equipes do futebol europeu, como Roma e Liverpool –, que praticaram verdadeiros “milagres” com suas defesas, bem como ao treinador Lori Sandri, que, em algo raro futebol, encontrou em um curto espaço de tempo diferentes formações táticas eficientes para a sua equipe, especialmente para reagir nas partidas em que estava em desvantagem no placar.

As vitórias nas disputas dos pontos extras foram fundamentais para aumentar a pontuação da equipe diante dos empates que tradicionalmente apenas trariam um único ponto e proporcionando a possibilidade de subir na tábua de classificação e alcançar a final, sem mencionar a sorte, que sorriu na derrota do Rio Branco em seus próprios domínios diante da Ponte Preta na última rodada da primeira fase e permitiu ao Botafogo disputar a semifinal diante da equipe de Campinas, quando, então, o escrete panterino alcançou seu ápice técnico, escrevendo algumas das linhas mais emocionantes da história do clube.

Porém, o Botafogo não soube aproveitar a exposição na mídia, não deu continuidade à eficiente política de formar jovens atletas, enfrentou administrações sem êxito e acreditou que poderia viver eternamente da “quase epopeia” – que equivocadamente supôs que produziria frutos permanentes –, mergulhando na maior crise esportiva e funcional de sua história, quando logo em 2005 chegou a cair para a Série A-3 do Campeonato Paulista.

No momento atual, embora com grandes problemas no campo administrativo e financeiro, o clube experimentou um processo de reestruturação e recuperação, de maneira que no ano de 2018 o Botafogo disputará o seu décimo Campeonato Paulista da Série A-1 consecutivo, tendo, em 2016, alcançado finalmente a sua “epopeia”, ao conquistar de forma convincente a quarta divisão (Série D) do Campeonato Brasileiro de Futebol.

Com tristezas e êxitos, a história continua.