Crônica

O  ‘’ V ’’  DE TODAS AS DERROTAS

Edevaldo Leal

                                   Ele devia ter uns quatro anos – não mais que isso – e estava à beira da estrada, o braço direito levantado e dois dedos em forma de ‘’ V ’’. Chovia. Chuva fina. Persistente. Garoa. Era impossível ver todo o corpo da criança: ela usava proteção contra a chuva, espécie de capa, uma tosca coberta de papelão. Ali próximo, uma invasão urbana.

                                    Pequenino, não tivesse a mão levantada e poderia muito bem ser confundido com um embrulho, tão baixa era sua estatura.

                                    Embrulho à margem da estrada.

                                     Não só.

                                     Embrulho à margem da vida.

                                      Aquele garoto foi colocado ali, esquecido dos planos de inclusão social de todos os governos.

                                      Aquele garoto é a infância desprotegida, que nos acostumamos a ver todos os dias. Em nossas retinas cansadas, a imagem dele nos causa uma sensação de embaraço permanente.

                                  — Coitadinho, eu fiquei com tanta pena — lamentou minha mulher em coro com meus filhos, que presenciaram a cena.

                                   — O senhor precisava ver, papai, ele fazendo sinal com os dedinhos — afirmou minha filha com melancólica piedade.

                                    O ‘’ V ‘’ que a criança fazia, naquela tarde de sábado, o corpo mal protegido da chuva , não era o gesto dos vencedores, que esse é um gesto pouco conhecido nas invasões urbanas.

                                    As invasões, ou ocupações como preferem os companheiros do partido da presidenta, é o quarto de despejo onde mal se acomodam os excluídos sociais. Lá, o que mais eles conhecem, é o ‘’ C ’’ das carências de toda ordem. Principalmente a carência do amor solidário.

                                 Vitória, para aquele garoto da beira da estrada, é como um jogo da megassena: tão distante de alcançar  que o jogador já começa o jogo perdendo.

                                  Aquele menino é, provavelmente, um perdedor.

                                  Não é difícil imaginar o drama escondido por trás do gesto do garoto: uma família de mais de seis irmãos (como toda família de pobre que se preza, numerosa), o pai desempregado e a mãe, desesperada. Que mãe não se desespera diante de um filho com fome? Sem horizonte? Esperança perdida à beira da estrada ?

                                  Olho o tempo pela janela e vejo que a chuva aumentou. Então peço a minha mulher um copo de suco de murici — do murici que o garoto lhe vendeu.

                                  A mão direita levantada e os dois dedos em forma de ‘’ V ‘’ era a forma de comunicar, aos que passavam de carro, o preço do saco de murici que ele segurava na outra mão: R$ 2,00 (dois reais).

                               Dois reais.

                              O que significam dois reais para aquele garoto?

                               

                                              Marapanim/Pa, 05 de janeiro de 2013.