As duas antigas amantes se entreolham, mas nada dizem, e nesse ponto nada haveria mesmo para se dizer. Os olhos de uma delas já não tem mais o que chorar, sua garganta dói com os gritos que enchiam a sala a alguns minutos atrás. A outra chora em silencio, contida deixa apenas as lágrimas rolarem pelo rosto.
Elas já ensaiaram esse fim milhares de vezes em milhares de brigas serias e que nunca resultavam em nada. Mas dessa vez algo está diferente.
Talvez tenha sido o sol que nasceu pela manhã pelo lado errado. Ou o céu que tenha de um azul demasiado claro. Quem sabe o perfume daquela manhã não devesse estar onde estava. Algo só podia estar errado no mundo. Pois se tudo estivesse certo elas terminariam o dia juntas, apenas mais esse dia, se amando e sorrindo. Algo está errado com o mundo quando duas pessoas que se amam tanto se separam.
Elas se amam tanto que não podem ver o fim da vida que elas sonharam juntas chegar ao fim. É o certo. Devem se separar para não se odiar.
Nesse momento, as quatro da manhã dessa cidade cinza, o vento frio parece entender seu papel diante dessa cena: congela os corpos habitados por almas frias, semi mortas.
A mais frágil olha mais uma vez para a outra: o amor de sua vida. Como ela queria que nada daquilo estivesse acontecendo. Que fosse só um pesadelo. Mas era real. O fim era iminente. Sua dor era tão forte que vez ou outra pensava em morrer, mas sabia que isso não aconteceria. Imaginou sua amada com outra nos braços e soluçou. Aquela família começou em amor e terminaria em amor, amor que se derrama em lágrimas, mas ainda sim amor, cristalino e sincero. Suas mãos tremiam e ela sentia uma dor absurda no peito.
A outra, aparentemente mais forte, sofria mais que a primeira, pois sofria em silencio. Ela queria dizer a outra que tudo bem, para elas esquecerem aquilo, mas algo a impedia, talvez o orgulho, ou o medo, talvez sua alma também soubesse o que ela negava com força: que o amor adoeceu, enfraqueceu e está para morrer. Ela também pensa em começar tudo de novo. Beijar bocas estranhas, fazer as coisas só por fazer. Ter que explicar de novo toda sua vida e porque ela é assim e não de outro jeito. Pensou na sua esposa nos braços de outra e cerrou os dentes, um pensamento pior lhe ocorreu: e se sua esposa voltasse para os braços de outro? Não. Isso nunca aconteceria e ela sabia disso. Mas no momento do fim pensas-se em cada coisa.
A casa era simples, limpa e bonita em sua simplicidade, repleta de amor. Aquelas paredes já tinham testemunhado muitas brigas antes dessa, mas também testemunharam muito amor, festas e amigos, beijos e carinhos, momentos de saúde e doença, e essas mesmas paredes assistiam caladas e sem acreditar no fim de tudo isso. Ao fim de duas vidas unidas. O inicio de duas vidas solitárias.
As duas pensaram em pedir um ultimo beijo, mas as duas chegaram a mesma conclusão: se ocorresse um beijo agora a pouca coragem que haviam reunido para se separar ruiria.
"Pede para eu ficar", pensou a que partia enquanto colocava suas coisas com cuidado nas malas. Arrumava as malas devagar, dando o Maximo de tempo possível para a outra a impedir de partir. Mas a outra parecia indiferente. Apenas olhava para ela, e séria, talvez brava.
"Fica", pensava a outra em todos os momentos. Sentia que sua esposa estava tentando matar um pedaço do seu coração. Mas a outra parecia tão decidida...
Finalmente a outra terminou de arrumar as malas.
As duas se abraçaram instintivamente, sem que pudessem evitar.
E o último beijo aconteceu.