O TRIBUNAL DOS PNEUS: UMA ANÁLISE EM TORNO DA JUSTIÇA POR MÃOS PRÓPRIAS EFECTUADA PELOS POPULARES

Por Domingos Bombo Damião | 08/12/2020 | Sociedade

O TRIBUNAL DOS PNEUS: UMA ANÁLISE EM TORNO DA JUSTIÇA POR MÃOS PRÓPRIAS EFECTUADA PELOS POPULARES 

 

Domingos Bombo Damião

Luanda, 2020

 

Como é do nosso conhecimentos, com a paz conquistada em 2002 os Angolanos ganharam a liberdade de ir e vir pelo território Nacional e não só, e este facto fez com que muitos cidadãos olhassem para a capital Luanda como forma de encontrar melhores condições de vida, e sob olhar dos governantes e ausência ou ineficiência das políticas administrativa, urbanística e demográfica a população foi crescendo, como quem cresce precisa de espaço para habitar então, notou-se o surgimento de vários bairros periféricos construídos sem obedecer as regras urbanísticas, sem água potável e energia, sem hospitais ou centros médicos, sem saneamento básico e esquadras policiais.

Se pode observar que, o crescimento desordenado da população em Luanda gerou muitos bairros com enormes carências de habitabilidade, com isso muitos problemas passaram a se manifestar no seio da população, dentre eles, o fenómeno da delinquência juvenil, da criminalidade violenta incluindo assassinatos, homicídios, roubos a mão armada na via pública ou becos, assaltos à residência e instituições bancárias ou comerciais, etc.

Actualmente, verifica-se que a evolução da criminalidade em Luanda nos últimos tempos tem alcançado números alarmantes, e isto deve-se a desorganização social, a impunidade, a corrupção, a falta ou ineficiência no policiamento, as fragilidades no sector social e desordem, vandalismo, o desemprego, as ausências de oportunidades ou condições para entrar no sistema escolar e a rivalidade entre gangues de rua. 

Importa aqui referir que, a desorganização social com realce ao enfraquecimento das instituições sociais, a falência dos valores dos laços sociais, bem como a falta de energia e iluminação pública têm se constituído em grandes problemas influenciadores da evolução da criminalidade em Luanda, pois, dificulta bastante a actuação da polícia no interior dos bairros e cria uma oportunidade para que certos populares se sintam na obrigação de efectuar a justiça por mãos próprias, uma vez que, muitos bairros surgiram de forma anárquica e sem condições de habitabilidade.

O tribunal dos pneus ou seja, a justiça por mãos próprias tem ocorrido nos bairros de Luanda mais concretamente nos municípios de Viana, Cacuaco, Cazenga, Kilamba Kiaxi e bairros como Sapú, Rocha Pinto, Mundial e outros. Como factores associados a estas acções de crueldade, a partir dos meios de comunicação (sobretudo nos programas televisivos como “Fala Angola” da TV Zimbo, “Telejornal” da TPA e “Angola Urgente” da Palanca TV) tem sido comum ouvir dos moradores relatos que denunciam as construções anárquicas nos bairros, a impunidade, a insegurança, o medo, a ausência de esquadras policiais, falta de energia e iluminação pública, ineficiência no policiamento por falta de efectivos e meios.

Diante dessa realidade, o que mais preocupa tem sido a forma brutal com que os populares decidem pôr fim as acções e a vida dos marginais ou criminosos nos bairros, sabe-se que quem comete crime se torna inimigo da sociedade por essa razão deve ser punido como forma de pagar pelos danos que causou à sociedade, mas apedrejar ou bater no criminoso até a morte ou então colocar o mesmo entre os pneus e depois atear fogo, demonstra uma acção motivada por uma pura raiva, frustração e intolerância por parte da população. 

Embora se pense que os actos de justiça por mãos próprias levados a cabo pela população que culminam com os corpos dos marginais ou criminosos nas fogueiras seja uma forma de cortar o mal pela raiz, as perguntas que se colocam são:

POR QUE É QUE MESMO SENDO QUEIMADOS OU APEDREJADOS À CRIMINALIDADE NÃO PÁRA DE EVOLUIR NOS BAIRROS DE LUANDA? 

O QUE FAZ A NOSSA POPULAÇÃO PENSAR QUE PODE SEMPRE EFECTUAR A JUSTIÇA POR MÃOS PRÓPRIAS?

Diante dessas questões, os teóricos dos vidros partidos, defendem que se numa dada sociedade o clamor dos populares contra à criminalidade não são atendidos ou reparados pelas instituições policiais ou de controlo social formal há maior chance dos mesmo tentarem resolver seus problemas sem mais esperar pelos agentes policiais, pois a ineficiência na actuação policial deixa a mensagem para os populares que a Polícia ou as Administrações locais não têm condições de dar resposta à evolução da criminalidade nos bairros, por essa razão muitos entendem que se as instituições de controlo social formal não podem resolver então devem ser eles mesmo a fazer para o bem deles e de toda comunidade que se sente ameaçada com as acções dos marginais ou criminosos (Giddens, 2008).

Significa que, quando num determinado município ou bairro as administrações locais, as comissões de moradores, os órgãos responsáveis pela acção social e família, instituições policiais e outras, se mostram incompetentes em resolver os problemas sociais básicos como a segurança, paz social, livre circulação, etc., com tempo os sinais de desordem começam a surgir - uns populares decidem abandonar os bairros por medo e insegurança, outros criam suas próprias regras para se manterem seguros e combater quem deseja criar desestabilização para eles, daí que punem quem vandaliza e levam para o tribunal dos pneus quem for apanhado em flagrante a roubar ou cometer qualquer crime que os mesmos reprovam como forma de impedir que no bairro começa a nascer novos marginais ou criminosos a cada dia que passa.

Entende-se que, do mesmo jeito que a desorganização social, as enormes carências no sector social e a falta de policiamento podem gerar aumento da criminalidade, também podem levar com que os populares criem formas de combater à criminalidade e os criminosos quando entendem que as administrações locais, as comissões de moradores e a polícia não podem assim o fazer. 

Numa entrevista a Televisão Pública de Angola, o Inspector – Chefe Nestor Goubel, Porta – voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, reconheceu a existência de comportamentos que se constituem como crime por parte da população. Logo, a Polícia Nacional desaconselha em toda extensão territorial a prática de fazer justiça por mãos próprias, pois não é uma prática recomendável para quem quer que seja, daí que o mesmo adverte que o Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, tomará medidas sérias como forma dessas acções não se tornarem moda, (cf. Telejornal – TPA – 1, exibido no dia 25/08/2020).

Por isso, somos aqui chamados a reflectir que se quisermos combater a justiça por mãos próprias, as melhores condições de vida dos populares devem ser melhoradas, os problemas sociais básicos devem ser atendidos e tratados com mais atenção e seriedade, assim como devem ser criadas melhores condições na relação e comunicação entre os populares e as administrações e comissões de moradores junto das instituições policiais e de segurança pública, sensibilizar e despertar o espírito de denúncia no seio dos populares, melhorar as condições nos interiores dos bairros principalmente no que toca a energia e fácil acesso e circulação dos populares e agentes policiais durante sua actuação, melhorar as condições de policiamento no interior dos bairros que se preocupa com a prevenção e combate aos actos criminosos ou ameaças à tranquilidade, ordem e segurança pública.

Neste sentido, a teoria dos vidros partidos chama atenção para existência de uma abordagem de policiamento de tolerância zero que defende que o processo permanente de manutenção da ordem é o conceito fundamental para reduzir o crime. As políticas de tolerância zero centram-se nos pequenos crimes e formas de conduta imprópria, como o vandalismo, a vagabundagem, a esmola e a embriaguez pública. Acredita-se que as rusgas policiais relativamente a desvios de pequena monta produzem um efeito positivo na redução de formas mais sérias de crime, (Giddens, 2008). 

No caso concreto de Luanda, não é só com o policiamento de proximidade ou de tolerância zero e as rusgas policiais ou aumento de efectivos que se vai prevenir e combater a evolução da criminalidade ou o tribunal dos pneus (justiça por mãos próprias), é preciso que o vandalismo, a vagabundagem, a mendigagem e a embriaguez pública seja combatida com melhores condições de vida, mais emprego e oportunidades para os populares, maior aposta na selecção, recrutamento e formação dos agentes policiais, criação de espaços de lazer e centros de formação profissional, incentivo para a prática de actividades desportivas e inclusão escolar para os populares, e por fim, mais esquadras policiais com efectivos que se preocupam em prever, combater e prevenir os actos criminosos ou qualquer outro tipo de ameaça à tranquilidade pública e paz social.  

Contudo, prevenir e combater à criminalidade violenta e os tribunais de pneus em Luanda, não será possível se deixarmos tudo somente na responsabilidade da Polícia Nacional, é responsabilidade de todos Nós, por isso é urgente e importante a existência de um trabalho conjunto e participativo entre as Famílias, Igrejas, Administrações locais, Comissões de moradores e Polícia Nacional, com o apoio de Académicos ou Estudiosos, Psicólogos, Sociólogos, Assistentes Sociais, Juristas e outros profissionais. Significa ainda que, as nossas instituições de controlo formal e informal devem além dos repúdios nos canais televisivos ou radiofónicos, trabalhar seriamente na melhoria das condições básicas de vida e no bem-estar das comunidades para que os populares não se sintam cada vez mais abandonados pelos governantes e pessoas de direitos.

Referências

Damião, Domingos Bombo. (2020). Criminalidade em Luanda: estudo sobre as opiniões dos factores psicossociais como influência da prática do crime no bairro Rocha Pinto. Riga, Latvia: Novas Edições Académicas.

Damião, Domingos Bombo. (2020). Estudo sobre a influência dos factores psicossociais na prática dos crimes no bairro Rocha Pinto. Sapientiae – vol 6, nº 1, pp. 20-34. Disponível em: www.doi.org/10.37293/sapientiae61.03.

Giddens, Anthony. (2008). Sociologia. (6ª ed.). Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian.