O trem da vida
Sou caipira, Pirapora Nossa
Senhora de Aparecida,
Ilumina a mina escura e funda
O trem da minha vida ...

A vida é comparada a tantas coisas ? inclusive a um trem, como fez Renato Teixeira em Romaria. Algo que segue; algo que para; algo que atravessa lugares iluminados ou tuneis escuros. Mas que, apesar disso ? tem a obrigação de seguir em frente. Embora muitos dos passageiros teimem, como que a zombar da sua condição de passageiros rumo ao futuro, continuam a pensar e a viver o passado, parecendo zumbis à luz do sol, a desfilar seu desconforto por ter o tempo se deslocado do seu passado, onde lá também não estavam muito confortáveis.

Você, eu e qualquer um tem um duplo olhar, ou vemos nosso futuro como um raiar de sol em manhã de primavera e, partimos de olhos bem abertos ? construindo o amanhã que queremos viver, ou nos apegamos ao nosso passado e seguimos para a estação do futuro de olhos meio ofuscados ? porque focamos sempre o retrovisor a olhar com desvelo e choroso o nosso passado.

Aqueles que aprenderam a olhar o passado de soslaio e olham firme para frente rumo ao futuro, com a necessária e providencial acuidade de saber que as sementes germinam ? não hoje, não no exato momento de seu semear, mas sim no amanhã, onde vão carecer de cuidados e desvelos, para produzir flores e frutos, para enfeitar a vida e alimentar o nosso corpo, nossa vida. Saiba há flores e frutos espirituais que também nascem e crescem no terreno imaterial, uma amizade nova, por exemplo.

Outros se apegam ao imediatismo, aos bens físicos, a uma ideologia ou outra forma de prisão espiritual ? que lhe rouba o senso de futuro, lhe conduz a racionalizar a vida com "realidades" e com "verdades", que por mais que existam de modo pragmático, impedem e cerceiam a mente objetiva de buscar e ver novas formas de amanhã. Visão esta tão necessária e providencial para a maioria das soluções dos problemas da vida.

E assim criam um labirinto ao seu redor e teimam, em sendo donos da razão, embasados na "verdade" e na "realidade" ? a permanecer em uma vida emparedada, sem sonhos, sem apreciar as melhores flores ou saborear os melhores frutos.

Não pense por isso que o trem da vida ? segue reto em seu trilho rumo à felicidade, cercada de amor por todos os lados, como uma ilha da fantasia. Não pense que a marcha seja constante ou que, invariavelmente, não se depare com algumas paradas e até desvios incondicionais. Umas programadas e administráveis, outras de modo surpreendente, para as quais nos não tivemos oportunidade de nos preparar ? mas deveríamos estar, também, nestas circunstâncias, no mínimo, alertas para sua existência. E, nesse caso, a melhor atitude para entendê-las é saber que são passageiras e que a meta é, sempre, seguir em frente.

Não pense que todos os passageiros do seu vagão irão ser seus `irmãozinhos de coração`, adoráveis, portanto, e que estarão sempre prontos a lhe compreender e a lhe mimar, alguns deles ? vão ser indiferentes, outros apenas lhe odiarão, só porque você acordou mais cedo, e conseguiu pegar um assento na janela.

Não pense que o fato de você seguir ? rumo ao seu futuro ? estará deixando a estrada do passado limpa e pavimentada para os que virão após você, toda uma carga de sentimentos que você viveu permanecem vivos em muitos, que podem lhe render uma biografia de exemplo a seguir ou não.

Em sua bagagem você tem carga de sentimentos entulhados por todos os dias vividos desde sua tenra infância ? os problemas não resolvidos viajam com você, os seus medos, seus temores, seus complexos, seus preconceitos e seus filtros ideológicos ? fazem-se presentes como cartões de visita a todos que o rodeiam.

Mas nem por isso você deve se preocupar em criar uma imagem distorcida daquilo que você é realmente, aproveite a viagem, para ir se descobrindo e seja fiel a você mesmo. Faça dos outros passageiros ? desse mesmo que senta ao seu lado, um espelho para sua reflexão, para comparar as bagagens e, aproveite, para se livrar das mais pesadas. Não tente carregar a pesada mala do outro, apenas segure a sua e tente aliviar os entulhos.

Olhe firmemente, através do vidro de sua janela ? veja a campina resplandescente, veja como os fazendeiros cultivam o brachiarão, observe a relva soprada formando ondas de prazer. Olhe para o riacho que de quando em vez vem olhar o passar do trem por suas curvas e segue imperturbável rumo ao mar da vida.

Se você olhou com atenção, pode ter visto sombras mais acentuadas a desdobrar-se pelas curvas da serra, pode ter visto um verde mais intenso do capinzal ou mesmo pode ter achado quão azuis eram as águas daquele riacho; mas... de repente o passageiro de frente abre a janela e tudo é exatamente igual ao que você viu, mas... diferente. E tão diferente que você nunca sonhou imaginar.

A primeira visão ? vista através de sua janela ? lhe mostrou o mundo, através de um vidro fumê ? quem sabe verde, quem sabe azulado, quem sabe espelhado para amortecer os brilhos do sol. A segunda visão sem o filtro, a realidade, embora a mesma foi mais cruenta, mais realista, mas próxima de outra realidade ? diferente mais igual a primeira.

A visão ainda que desnuda de vidros artificialmente projetados para atenuar as cores e reflexos, mostram uma realidade que certamente será também diferente para o seu colega e passageiro ao lado, por que também em vocês atua nessa visão, um filtro cultural que modifica a imagem revelada pela janela desnuda de vidros, na mente de cada um de per-si.

Aliais atua em vocês e em todos ? quando se observa a janela da vida, sempre será igual mais diferente para cada um dos observadores, porque o filtro cultural jamais será o mesmo. Em algumas vezes haverá uma semelhança, mais nunca uma verdadeira igualdade ? que bom ? porque isso indica que os seres serão sempre: únicos. O filtro que você usa para ver é somente seu e de mais ninguém.

As palavras que são ouvidas no vagão da vida, as ideias que são apreendidas, durante a viagem, nunca vão significar a mesma coisa para todos, sempre serão adquiridas através de seu próprio filtro ideológico, como sua religião, seu partido político, até como a política da empresa que você trabalha. O céu ou o inferno que você escolheu para viver.

Por esta razão eleja como sua política de aquisição de filtros culturais o multiculturalismo ? a busca incessante de alcançar o mais abrangente possível as formas de interação humana. Não se preocupe, por não ser possível a qualquer ser humano alcançar o máximo de compreensão nesse campo, o que conta, nesse caso em particular, não é o objetivo mais o caminhar nessa direção. Traduzindo ? tente compreender o seu colega de viagem, como ele é e se apresenta e, não como você imagina ou gostaria que ele fosse.

Entretanto, se você escolher por ver a vida através de um determinado filtro, faça isso, profunda e conscientemente.

Finalmente, não se impressione se for anunciada a próxima parada onde você ira desembarcar ? todos tem uma estação de desembarque ? apenas cuide para que, os que vão seguir viagem não fiquem a murmurar contra o percurso que você fez, procure ser entre eles o que deixa exemplos de paz, harmonia e concórdia. E, uma lembrança terna no coração dos que com você fizeram essa viagem. Desembarque com a certeza de que fez uma viagem feliz e produtiva.

Apolinario de A. Albuquerque.............................................Rio, 23 julho 2011.
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