O trem da escola (Luz no fundo do poço? 3)

Então chegamos ao ponto que nos interessa. O ponto sobre o qual nos assentamos. E aqui nos deparamos com um problema: a escola e sua finalidade!

Hoje está cada vez mais claro que para alguém aprender a ler e escrever, não precisa de escola; para aprender a contar e fazer conta não precisa de escola; para transmitir e se apropriar de informações não depende de escola... E para aprender os segredos das ciências e da tecnologia, pelo menos nos dias atuais, não é necessária a escola. Tudo isso pode ser feito em casa ou no universo infotecnovirtual, na palma da mão. Então pra quê escola?

O tempo todo querem nos fazer acreditar, e nós também queremos crer, que o atual modelo de instituição escolar é importante. Pode até ser, mas não mais como local destinado ao ensino; como templo do saber. Menos ainda como instituição educacional.

A instituição escolar pode vir a ser uma instituição do saber envolvida com a sabedoria e, então, a filosofia pode nos ajudar; ou pode continuar sendo um espaço desagradável, no qual depositamos nossas crianças para que nós, os pais, possamos ser esmagados na moenda da sociedade capitalista.

No modelo de sociedade em que vivemos, enquanto os pais se esvaem na labuta cotidiana em busca do sustento, nas escolas as crianças são preparadas e aguardam para serem engolidos pela voracidade do mercado de trabalho. Parafraseando Anibal Ponce (Educação e luta de classe), podemos dizer que a burguesia criou e escola para facilitar a exploração do trabalhador. Há milênios existem escolas, mas o modelo atual nasceu com a sociedade burguesa, diz o autor argentino. E foi criada justamente como mecanismo auxiliar da burguesia: para produzir mão do obra e assegurar o domínio sobre ela.

No inicio da era industrial, o trabalhador estava dividido entre o trabalho e o cuidado com os filhos. Enquanto trabalhava suas crias deixavam de receber o cuidado da família. Nessa situação o trabalhador carregava o peso do trabalho, enquanto o sobrepeso das preocupações com a família lhe corroíam a alma. Consequentemente a essa situação o rendimento no trabalho ficava comprometido. Inventou-se, então, a escola com um atrativo irrecusável: mostrar o estudo como canal e meio de ascensão social. O trabalhador acredita na proposta, deposita as crias nas mãos da escola, dedica-se integralmente ao trabalho e ainda agradece ao patrão: “meu filho terá acesso àquilo que eu não tive” pensa o trabalhador. O trabalhador acredita na possibilidade da ascensão socioeconômica do filho – o que na prática não ocorrerá.

E assim, o trabalhador passa a sonhar com aquilo que lhe foi negado. Sonha também com aquilo que projeta para o filho. E no seu sonho se sente realizado sonhando que o filho terá o sucesso que ele não teve. Mas não sabem, ambos, que isso não passa de sonho, pois na realidade o acesso à escola não implica em acesso ao elevador socioeconômico. Pelo contrário: a escola é, de uma lado, alienação (pois alimenta um sonho irrealizável) e de outro lado, mecanismo de preparação de peças de reposição na engrenagem do sistema produtivo.

O engodo do sistema está em tentar fazer crer que a escolaridade assegura ascensão socioeconômica. Na realidade a escola acaba sendo um amortecedor social e uma peneira em que são selecionados algumas peças para os diferentes seguimentos do sistema produtivo. Alguns estudantes mais brilhantes para cargos diretivos; os medianos para cargos genéricos e a grande maioria para “apertar parafuso” no cotidiano das diferentes empresas públicas e privadas.

Entretanto, como o sistema ocupa poucas peças, os estudante-peças-de-reposição, são selecionados não pela sua capacidade intelectual-profissional, mas pela capacidade de ser peça de reposição. E a escola é a usina que forja peças que são valorizadas não pela capacidade e postura criativa, mas pela capacidade de preservar o sistema.

Neste ponto seria interessante nos determos a analisar a escola em que nos inserimos... uma instituição para o desenvolvimento do saber ou depósito de crianças, em nome de uma lei que vem gerando o oposto de seu propósito?

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO