O trem da educação (Luz no fundo do poço? 2)

Para quê o agricultor planta e cuida de seu plantio? Para colhê-lo! Para quê o pecuarista cria seu gado e se esmera em conseguir animais de ótima qualidade? Para matá-los! O agricultor e o pecuarista não plantam o milho ou cuidam do boi por que os acham bonitos e gostam de vê-los se desenvolvendo. Querem o pleno desenvolvimento porque desejam usufruir dos resultados. O fruto-resultado final é o lucro! E o lucro acontece quando o boi morre e o milho é colhido!

Não é novidade nos lembramos: vivemos num sistema capitalista. Nele, tal qual o fazem o agricultor e o pecuarista, as coisas não existem por si mesmas, mas com uma finalidade: produzir lucro. E para obter lucro o sistema precisa colher regularmente seus frutos e matar suas crias. Então para quê o sistema capitalista criou e mantém as escolas? Quem aprendeu a lição de Althusser (Ideologia e aparelhos ideológicos do Estado), sabe que a escola existe para direcionar o acesso ao mundo do trabalho e a qualidade da mão de obra disponível.

Posto dessa forma pode parecer que somos marionetes nas mãos de um operador oculto. Não é bem assim! Somos marionetes, sim. Mas nas mãos de um sistema cujo principal valor é o lucro. E o sistema escolar é um elemento ou uma peça desse sistema, outra vez concordando com Althusser. O sistema escolar, por si mesmo, pode não ser lucrativo, mas é uma ferramenta que produz uma das peças que faz o sistema funcionar: O sistema escolar “qualifica” a mão de obra! A esse respeito, sábias foram as palavras de C. R. Brandão (O que é educação?): “quando são necessários guerreiros ou burocratas, a educação é um dos meios de que os homens lançam mão para criar guerreiros ou burocratas”.

Aqui não é uma aula de história, mas podemos nos valer dela, para dizer que, ao longo dos milênios os seres humanos evoluíram por que fizeram, entre outras, duas coisas importantes: educaram seus filhos e os ensinaram. Educaram porque deram conta de transmitir às suas crias os valores-cultura da tribo (a aldeia isolada ou a aldeia global). Simultaneamente a isso, além dos valores culturais, existem aqueles valores que correspondem ao saber-fazer. Isso precisa ser ensinado de forma distinta da crença nas divindades, por exemplo.

O saber fazer exigiu sempre um cuidado especial, pois é dele que depende a sobrevivência material da aldeia-tribo-sociedade. Não adianta nada acreditar nos deuses da floresta, por exemplo, se não se sabe fazer os instrumentos para caçar os bichos que os deuses da floresta disponibilizam para a alimentação-sobrevivência. Ou seja, mais do que a transmissão dos valores da tribo, a tribo precisa saber transmitir o saber-fazer: precisa ensinar a fazer.

Não importa se estamos nos referindo a uma tribo isolada ou a uma sociedade complexa, como a nossa: em todas as sociedades se faz necessário ensinar-aprender a fazer. E isso deve ser entendido com uma característica importante: Esse saber não é válido por si mesmo, mas pelo que ele significa: a sobrevivência material. Aliás, Marx-Engels (Ideologia Alemã) já nos informaram que a produção – e aqui acrescentamos: a reprodução – da vida material é um fato histórico.

No processo da produção-reprodução, pela qual ocorre a sobrevivência material da sociedade, se dá também a sobrevivência simbólica. Quer dizer cultura, valores... a ideologia dominante, acontece junto, mas o que importa é a manutenção da sobrevivência material. Novamente concordando com Marx-Engels, podemos dizer que: Se a barriga está vazia o valor cultural perde o valor!

Em nossa sociedade, já não é assim tão importante saber fazer arco e flecha, mas saber fazer o que está pré-determinado... saber apertar botões, a seguir ordens...a repetir os modelos e pensar de acordo com os modelos prontos... Para isso serve a escola: ensinar a repetir e manter os modelos. Isso é o que fazem os professores, nas escolas: ensinam a repetir e a manter os modelos.

 

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de Moura - RO