Era quase no início do mundo. Lá pelos idos do Paleozoico (há cerca de 450 milhões de anos). Todas as coisas tinham sido criadas, ou estavam por assim dizer na prancheta do Grande Arquiteto do Universo para serem criadas. Nesse ambiente primordial, encontravam-se o Tralhoto e a Pescada conversando:

            -- Dona Pescada, disse o Tralhoto, com os olhos arregalados, vamos fazer uma disputa?

            -- Que tipo de disputa? – Retrucou a Pescada, com os olhos não menos esbugalhados.

            -- É o seguinte. Quem permanecer mais tempo na superfície da água, ganha! – Explicou o Tralhoto afoito.

            A Pescada aceitou a farra, porém, como tinha nadado muito para chegar até a beira da praia, cochilou por um instante. Isto foi o suficiente para o hábil Tralhoto, num lance só retirar a pequena pedra fosfatada que, como todo peixe, carregava na cabeça e lança-la fora, se perdendo na água. A Pescada, ao se refazer do breve sono, quis argumentar com o Tralhoto, mas não deu tempo, afundou de uma só vez. O Tralhoto, contudo, sem o peso da pedra em sua cabeça, permaneceu boiando na flor da água. Ganhou a disputa e como consequência do ato de esperteza, seus olhos ficaram repartidos em duas porções, uma para ver fora da água e outra para ver dentro dela. – Dizem que é para procurar a pedra que jogou fora, olhando ao mesmo tempo para o fundo da água e para a areia na beira da praia. É por isso que vemos fogosos Tralhotos deslizando na quebra das ondas, surfando até a areia. E ficam o tempo fazendo isso, enquanto que a Pescada nunca mais boiou.

            (Esta história foi inspirada em outra, que o “Procoió” me contou. Mas isso é outra história.)