Maria Eunice Gennari Silva

Sete horas e trinta minutos. Horário que saímos de casa toda terça e quinta-feira. O vô, a vó e o netinho Pedro. Nosso destino é o clube. O vô vai caminhar, a vó vai para aulas de Tai Chi Chuan e o Pedro, para o judô.

De casa até o clube caminhamos, aproximadamente, três quarteirões. Todos com vários tipos de cocôs de cachorro, pelas calçadas. Grandes, pequenos, secos, finos, grossos. Mas, na maioria das vezes, fresquinhos e sempre fedidos.

A vó e o netinho Pedro vão conversando. Muito bom de papo, o Pedro vai contando dos sonhos sonhados à noite, das novas descobertas no 3 DS e outras histórias do seu fascinante mundo virtual. A vó, vez ou outra, corta o seu “barato” e lembra que, na volta, tem tarefa da escola para fazer. É quando, sempre escuto:

- Calma vó.

Enquanto isso, o vô vai alguns passos a frente, avisando que tem cocô na calçada.

- Cuidado para não pisar no cocô. Tem um bem aqui na frente.

Continuamos, então, nosso caminho, ora para esquerda, ora para a direita. E quando o cocô é fresquinho e fedido, precisamos até atravessar a rua rapidinho. O pior é que do outro lado também tem cocô na calçada.

Na volta, só vem a vó e o netinho Pedro. O vô fica pra tomar banho e, como ele é muiiiiito devagar, a gente não espera. A tarefa da escola é que está nos esperando.

Depois de passar o estacionamento do clube, onde quase não se vê cocô de cachorro, decidimos qual o melhor trajeto até chegar em casa. Tudo por conta da sombra. Afinal, o sol já se faz maior e mais quente às nove horas e pouquinho, mas qualquer que seja o caminho para voltar, tem cocô.

Aí é hora do Pedro assumir o comando no lugar do vô. E vem ele outra vez:

- Calma vó. Cuidado que tem cocô logo ali na frente.

Começa tudo de novo até chegarmos em casa, onde a tarefa da escola ainda nos aguarda.

Como esse ir e vir só acontece na terça e quinta-feira, comecei a observar nos outros dias da semana, quando vou sozinha e bem cedinho para o clube, que a maioria dos cocôs são defecados entre seis e seis e meia. Carinhosamente e/ou displicentemente, os donos e donas de cachorros, cachorrinhos e cachorrões os levam para fazer suas necessidades nas calçadas, canteiros e até na porta da casa dos vizinhos. Estrategicamente, onde quem chega vai tocar a companhia e quem sai, é pego de surpresa. Ambos batizando seus calçados.

O mais estranho, é que se você falar alguma coisa, corre o risco de processos e desacatos, porque o bichinho, ou o bichão, merece respeito e é tratado como um filho. E não faltam argumentos para defende-los. Ele é uma graça. Um companheiro amigo e inseparável. Muito bonzinho (não importa o tamanho ou a raça).

Certa vez, comentei com amigo advogado que tinha escrito um texto pensando em mandar fazer um cartaz, com letras gigantes, para colocar no portão da garagem. O texto era o seguinte: “Cachorros, cachorrinhos e cachorões, por favor, peçam aos seus donos (já que vocês são tão inteligentes), que os ensinem a não sujar a calçada do vizinho. Se possível, nem fazer xixi no canteiro que tem o simples e único objetivo de embelezar a rua. Obrigada.”

Meu amigo, profissional da lei, imediatamente, me fez desistir da ideia. E ainda me alertou que era bem possível de ter que me buscar na Delegacia. Pelo sim, pelo não, melhor era não arriscar.

Mas, voltando à vida dos cachorros, dos meus vizinhos e redondezas, a maioria, que, bem cedinho, desce dos seus apartamentos, tem acompanhamento periódico nos pets. Tem sabonetes, shampoos e condicionadores de marcas famosas. As vacinas estão sempre em dia. A alimentação é especial e balanceada. Tem até guarda roupa para datas específicas. Tudo isso mais aos cuidados e acessórios, para adornar pelos perfumados e brilhantes (laços de fita, presilhas coloridas, coleiras decorativas e por aí vai).

Mas, tudo bem. Todos têm o direito de fazer o que gosta e gastar com o que pode (apesar dos que gastam mais do que pode). Realmente, é encantador e cativante ver animais interessantes e bem cuidados. Eu juro que dá até vontade de ter um.

O problema é que está faltando educação. Do proprietário, para, em seguida, educar seu cachorro, cachorrinho ou cachorrão. Ele precisa saber que é falta de educação levar o seu animal, para fazer cocô na rua como se fosse dono dela. E, depois, ir embora sem recolher a sujeira do au-au. Afinal, o bichinho, tão querido, está sob o comando dele.

Levar o cachorro para fazer cocô e xixi, fora de casa, tem que ser com aprendizagem direcionada pelo dono(a). Além do mais, precisa, também, de cuidados que demonstram, no mínimo, respeito com o vai e vem das pessoas e com a conservação de limpeza e higiene da cidade.

Felizmente, vez ou outra, me deparo com cenas muito civilizadas. São donos que saem preparados para não deixar rastro das sujeiras dos seus animais. Já vi gente até com aquelas vassourinhas de brinquedo, com saquinhos plásticos, luva e pazinha. E ainda conseguem puxar o cachorro pela coleira. Isto sim é cidadania! E muito malabarismo, também. Eles conseguem, inclusive demarcar troncos de árvores que passam a ser permitidos para o xixi.

São poucos, mas eu garanto que já vi. É muito animador. É sinal de que ainda chegamos lá.

Bom, por causa desta aventura toda, meu netinho e eu resolvemos escrever um livro: “O catador de cocô”. Com ilustração e bem colorida. Apesar do cocô sempre ter um marrom muito do sem graça.

Pensamos, então, num caminhão, não muito grande e que passaria, diariamente, pelo bairro, recolhendo os cocôs e jogando na carroceria, em sacos plásticos pretos (pra ninguém precisar de ver o que tem lá dentro e ficar imaginado o fedor, porque tem gente, tão nojenta, que até consegue imaginar o tamanho do mau cheiro).

Esta era a ideia inicial para um possível empreendimento.

Mas, entretanto, todavia... resolvemos colocar o nosso fantástico projeto, primeiro, no papel. E levantamos algumas questões fundamentais... para tirá-lo do papel.

- Quem vai comprar o caminhãozinho?

- Quem vai dirigir o caminhãozinho?

- Quem vai recolher os cocôs, despejar no saco plástico e fechar cada um dos sacos cheios de cocô, na carroceria? (a essa altura o Pedro já tampava o nariz).

Foi quando, de repente, ele suspendeu o empreendimento, dizendo:

- Calma vó! Um dia a gente vê se dá pra ter um catador de cocô!