O Tchá era uma figura conhecida no bairro. Jogador de sinuca, medíocre ponta esquerda aposentado do time da vila e frequentador assíduo dos botecos, desenvolveu uma boa rede de relacionamentos. Quase todos o conheciam ou ouviram falar dele. Era a famosa figurinha carimbada. Carisma? Não se tinha certeza se era isso, mas tinha uma popularidade que não se sabia de onde vinha. Não era bonito e muito menos inteligente. Sua figura magra, quase esquelética, cabelos escuros levemente caídos sobre a testa e o olhar enviesado quando conversava com alguém, dava certo ar de mistério ao homem.

Tchá tinha quase trinta anos quando conheceu Nivea, que estava com menos de quatorze anos. Como conhecia o irmão mais velho da menina, foi se aproximando da família até que conseguiu pedi-la em namoro. Em princípio os pais não gostaram muito, pois era muito velho para a garota. Por outro lado Tchá estava bem empregado e poderia dar um futuro para a menina de família humilde. Estar empregado naqueles tempos era uma diferença muito grande, pois estava muito difícil conseguir um emprego por causa da crise econômica. O pai era funcionário público e ganhava a vida laçando cães vadios pelas ruas de São Caetano. Era uma profissão horrível e ele era odiado por todos que tinham cães soltos pelas ruas, mas dava para sobreviver.  Era um homem rude, de grandes bigodes pretos como os cabelos. Mesmo quando Juvenal passava pela rua a pé, os meninos atravessavam a rua para não encontrá-lo. Se prendia os pobres cães, poderia também prender meninos.

Nívia era branquela e tinha o rosto cheio de sardas e a bem da verdade eu nunca percebi nela nenhuma graça. Pouco tempo antes do namoro ainda era vista brincando com outras meninas na rua com os pés descalços. Quando chovia, gostava de ficar com os pés na sarjeta sentindo a água correndo sobre seus pés. A mãe a mantinha sob rígido controle e apesar de ser quase criança, a menina já cozinhava, lavava e passava, enquanto ela trabalhava como empregada doméstica numa casa no centro da cidade para ajudar nas despesas da casa.

Os amigos do Tchá zombavam respeitosamente dele sempre que o encontravam no bar, onde tomava um trago antes de ir namorar e depois do namoro. Fumante inveterado, mascava chicletes para disfarçar o hálito desagradável quando ia ao encontro da garota.  “Como é que você namora uma criança”, diziam os amigos.  Ele sempre respondia que preferia uma menina que não tinha vícios e maus hábitos das moças mais velhas. “Eu vou deixá-la do jeito que eu quero”, dizia sempre.

Se fosse hoje poderiam dizer que o Tchá era um pedófilo, mas naquela época poderia parecer estranho, mas nunca um crime. Ele comentava que sua mãe ainda não tinha treze anos quando se casou. Antigamente era assim, dizia ele: “Paquetou, casou e já pode ser mãe”.

E foi assim que com apenas dezesseis anos, Nivea se casou com o Tchá. Foi um casório simples, sem festança e apenas um bolo para comemorar entre os familiares. Depois dos cumprimentos a noiva se trocou e foram a pé até o novo lar, mas no meio do caminho, para não perder o hábito, ele entrou no bar do Serafim e tomou dois “rabos de galo”, um drinque de cachaça e vermute, deixando a Nívia esperando na porta, enquanto ainda tirou um dedo de prosa com os amigos sobre o casamento.  Chegando em casa Tchá já estava embriagado, deitou-se de roupa e tudo na cama e em pouco tempo estava roncando sonoramente. Nívia acabava de descobrir que era essa a sua lua de mel depois de dois anos de namoro.

No dia seguinte, depois do café e sem nenhum preâmbulo arrancou-lhe o vestido e a calcinha, possuindo-lhe à luz do dia. Em poucos movimentos ele ejaculou no ventre da menina sem ao menos dar um beijo ou um carinho.  Nívia sentiu dor com a penetração, mas foi bem menos do que falavam suas amigas mais velhas e sua mãe. O que a desagradou foi a brutalidade com que o Tchá fez sexo com ela. Achou o ato desagradável e dolorido, só isso.

Nos dias que se seguiram, a rotina era sempre a mesma. Nívia vestia a camisola do dia, que poderia ser chamada de camisola dos dias, pois tinha apenas uma e se preparava para o coito.  Já se deitava sem a calcinha e esperava pelo ataque brutal do marido que abria asperamente suas pernas e a penetrava. Depois de alguns movimentos, ejaculava e a empurrava para o lado como um comensal mal educado empurra o prato depois da refeição.  Com o tempo sentia até algum prazer, mas Tchá era muito rápido e quase não tinha tempo de sentir o membro dele na sua vagina.

Nívia ganhou corpo, cresceram-lhe os seios e em pouco tempo de casada já era vista como uma mulher “gostosa” quando passava pelas ruas voltando do mercado ou da feira, balançando as cadeiras.  Não demorou em descobrir que existiam homens mais interessantes do que o velho Tchá. Num dia em que precisou ir até o centro da cidade, sentou-se ao seu lado no ônibus, um jovem bem educado e cortês. Logo puxou conversa e falaram sobre várias coisas, das quais nunca tinha oportunidade de falar com o marido. Nívia sentiu que ele tinha um cheiro bom. Cabelos bem cortados sem a brilhantina horrível que o Tchá usava e que tinha um cheiro que lembrava banha envelhecida. O jovem acompanhou com os olhos a moça descer do ônibus, observando onde ela entrou, enquanto o motorista tentava fazer o motor funcionar novamente.

E o moço passava sempre em frente da casa de Nívia e algumas vezes os dois cruzavam timidamente os olhares. Ronaldo, esse era o seu nome, não perdeu tempo e pediu que um garoto entregasse um bilhete para Nívia, marcando um encontro no ponto de ônibus. Nívia ficou assustada, mas acabou indo ao encontro do rapaz achando uma desculpa para ir ao centro da cidade. Deram umas voltas pela praça e depois foram comer pasteis com caldo de cana, coisa que ela sempre teve vontade de fazer, mas nunca o Tchá a levava, pois achava que mulher casada não devia entrar nesses lugares.

Alguns meses depois as fofoqueiras do bairro já anunciavam que Nívia havia largado o marido e fugido com um rapaz desconhecido na vizinhança. Depois se soube que moço estava morando provisoriamente na casa dos tios, pois viera do interior a procura de um emprego. Nívia nunca mais foi vista e nem os pais ela visitava, pois eles e os irmãos abominaram o fato dela ter abandonado o marido e fugido com outro homem. Era uma perdida, pensavam.  Tchá, com dor de cotovelo desandou a beber demais da conta, perdeu o emprego e era visto falando sozinho e cambaleando pelas ruas. A molecada atirava pedras e gritava “Olha o Tchá bêbado, olha o Tchá bêbado”. Ele ficava irritado e disparava todo seu repertório de palavrões. Com seus botões devia pensar sobre o que aconteceu com a menina doce e pura que ele conheceu. Ele tentou encontrá-la, pois planejava se vingar matando os dois.  

Felizmente não houve tempo, embriagado, ele foi atropelado numa noite de chuva por um ônibus e teve morte instantânea. O motorista não percebeu o vulto atravessando a rua, pois com o temporal as luzes das ruas estavam apagadas.  Ao descer para ver o que havia ocorrido, ficou surpreso ao dar de cara com o velho Tchá, que ele bemconhecia das longas partidas de sinuca num bar do bairro.