Antigamente, no interior, era comum as pessoas, por ignorância ou por falta de orientação de um bom profissional, arrancarem todos os dentes ao menor sinal de dor de dente e colocarem uma chapa e assim achavam que o problema estava resolvido. Muitos matutos ficavam sem dentes, também, por falta de cuidados como escovação e consumo excessivo de açúcar e assim, a dentadura resolvia o problema de mastigação. Dizem que a chamada “perereca” recuperou a autoestima e a saúde de milhões de brasileiros. Recuperar o sorriso e poder mastigar os alimentos representou, sem dúvida, a melhoria da qualidade de vida da população mais carente. Além disso, os dentes são muito importantes para a fala.

Perereca além de ser o nome de um pequeno anfíbio, tem outra designação maliciosa, mas em Minas, segundo o cartunista Ziraldo, é dentadura postiça. E foi numa sessão de quase duas horas que o meu dentista Roberto José da Silva explicou que perereca é, a rigor, uma ponte fixada com grampos e tem esse nome porque às vezes pula da boca do sujeito como uma perereca. Contou-me, de quebra, a história de Valdomiro e sua dentadura que ficou na história da pequena Ibiúna, cidade do interior paulista, famosa por ter abrigado uma histórica reunião da UNE. Ele estava feliz que não cabia em si. Com mais de trinta anos e os dentes em situação de miséria, não havia uma moça que se interessasse por ele. Pois não é que um jovem dentista que apareceu na cidade resolveu o seu problema! Extraiu os cacos de dentes que ainda lhe restavam na boca e preparou-lhe as dentaduras duplas que foram pagas em suaves prestações. Com o novo sorriso, apesar de postiço, recuperou a autoestima e não demorou muito tempo para que uma boa moça aceitasse a sua corte. Marialva já era uma moça passada; apesar de não ser feia e muito direita, tinha perdido alguns anos de sua juventude com um noivado que acabou com a viagem sem volta do noivo. Valdomiro foi sua tábua de salvação. Moço direito, trabalhador e agora com dentes novos, tornou-se um bom partido diante da situação.

O casamento não demorou em ser marcado e um amigo do peito ofereceu-lhe o seu sítio para a cerimônia e festança. Pessoa de alguma posse, o amigo mandou sacrificar um garrote para o churrasco, acompanhado de mandioca frita e regado com cerveja. Tudo estava preparado para ser uma grande festança. O padre e o juiz aceitaram de bom grado fazer o casamento em troca do churrasco, principalmente porque o Valdomiro era uma pessoa muito querida e não havia por lá quem não lhe devesse algum pequeno favor.

O dia estava propício para a festança. Muito sol e um lago ao lado da casa do sítio era convidativo para um mergulho. Como ainda era cedo para o casamento e a noiva ainda não havia chegado, Valdomiro entrou na folia e se atirou no lago para aplacar o calor. No primeiro mergulho veio à tona desesperado, com o rosto chupado. Perdeu a dentadura no fundo do lago. Como se casar sem a dentadura, feita com tanto sacrifício? A noiva não iria nem querer beijá-lo e durante a cerimônia seria objeto de galhofas de todos, pensou com seus botões. Mergulhou de novo para tentar encontrar o sorriso, mas nada. Foi aí que teve a ideia de oferecer uma recompensa de cinquenta reais para quem encontrasse o sorriso perdido. A recompensa alvoroçou os meninos que prontamente mergulharam como os caçadores de pérolas no Pacífico. Zequinha teve mais sorte e em pouco tempo emergiu com a dentadura na mão. Valdomiro ficou tão feliz que foi, em desespero, tomar o tesouro da mão do garoto.  Zequinha, muito esperto, regateou. Primeiro o dinheiro, disse muito determinado. Eu já vou buscar, mas me dê os dentes pelo amor de Deus, disse o noivo.  O menino não quis saber dos apelos do Valdomiro e deixou bem claro: “Sem dinheiro, nada de dentadura”. Como estava sem dinheiro no bolso, prometeu que pagaria logo após o casamento. A promessa não sensibilizou o Zequinha que se arribou do sítio com a determinação de só entregar o tesouro com o dinheiro prometido.

                Felizmente um amigo se prontificou a buscar o sorriso e pagar o menino antes que a noiva chegasse. Foi um desespero para o pobre Valdomiro. E se a noiva chegasse antes e o encontrasse com a cara chupada?  O pior de tudo foi que a parte perdida foi a superior. Como dizer sim no momento em que o padre fazer a pergunta clássica? Sairia um sim soprado que ninguém entenderia nada. O pobre noivo teve até um desarranjo intestinal no curto período entre a chegada da “perereca” e o casamento.

                Felizmente o amigo conseguiu chegar a tempo e com o sorriso recuperado o noivo pode dizer o sim para o padre e beijar a noiva de boca cheia, mas durante a festa todos os convidados olhavam para o Valdomiro e riam do incidente. Valdomiro, por precaução, recusou o churrasco e a mandioca frita, pois tinha receio de que a “perereca” poderia fugir do seu controle. Gato escaldado tem medo de água fria e de boca fechada “perereca” não escapa. Depois de alguns anos de casado, o Valdomiro pode, sem acanhamento, colocar a sua perereca num copo com água sobre o criado mudo e dormir em paz.