Por César Francisco Raymundo*

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...A teoria do sono da alma reza que os mortos estão num estado de total inconsciência e assim ficarão até a ressurreição. Para esses teóricos, a alma não é a parte imaterial, mas é o próprio corpo humano, a pessoa em sí. Por isto, na morte à alma "morre" junto com o corpo. Ainda, segundo eles, quando a Bíblia fala que os mortos “dormem”, quer dizer estado de inconsciência.

.. Algumas passagens da Bíblia ensina que os mortos dormem, veja:

...“Muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão, uns para a vida eterna, e outros para vergonha e horror eterno”. (Daniel 12.2)

...“Isto dizia e depois lhes acrescentou: Nosso amigo Lázaro adormeceu, mas vou para despertá-lo.
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Disseram-lhe, pois, os discípulos: Senhor, se dorme, estará salvo. Jesus, porém, falara com respeito à morte de Lázaro; mas eles supunham que tivesse falado do repouso do sono”. (João 11.11, 12 e 13)

...“Retirai-vos, porque não está morta a menina, mas dorme. E riam-se dele”. (Mateus 9.24)

...“Não queremos, porém, irmãos, que sejais ignorantes com respeito aos que dormem, para não vos entristecerdes como os demais, que não têm esperança”. (1ª Tessalonicenses 4.13)

...“Então, ajoelhando-se, clamou em alta voz: Senhor, não lhes imputes este pecado! Com estas palavras, adormeceu”. (Atos 7.60)

...“Porque, na verdade, tendo Davi servido à sua própria geração, conforme o desígnio de Deus, adormeceu, foi para junto de seus pais e viu corrupção”. (Atos 13.36)

...A palavra “dormir” no texto grego do Novo Testamento não nos dá nenhuma informação sobre o estado intermediário. Do ponto de vista do sono físico, quando uma pessoa dorme, ela não entra em estado de inconsciência. O cérebro humano se mantém funcionando durante todo o período do sono. Por isto que a pessoa que morreu não pode estar totalmente inconsciente. 

.. A analogia do “sono da morte” descrito na Bíblia é perfeita. Veja algumas considerações:

1º - No sono físico ficamos prostrados na cama descansando e aguardando o despertar do novo dia. O mesmo acontece no sono da morte. Nosso corpo ficará prostrado em repouso na sepultura aguardando o grande dia da ressurreição;

2º - No sono físico entramos num estado profundo de descanso. Sobre o sono da morte Lutero dizia: “Deveríamos exercitar-nos na fé e acostumar-nos a desdenhar da morte e encará-la como um sono profundo [...] ver o esquife 
como o colo ou o paraíso do Senhor Cristo, contemplar a sepultura como nada mais do que uma cama macia, pois assim verdadeiramente é tudo diante de Deus”.[1]

3º - Embora pareça um estado profundo de inconsciência, o sono físico não tira nossa consciência totalmente - conforme já disse acima. No sono da morte acontece o mesmo. O reformador Martinho Lutero afirmou algo que dá a entender que o sono da morte não é um estado de total inconsciência. Sua declaração não entra em detalhes: 

...“Como as almas descansam nós não sabemos; no entanto, é certo que elas vivem”.[2] “E, nas “Tischreden” (conversas à mesa), em resposta à sua esposa, ele diz: Sim, você, também já está no céu [...] Abraão vive também. Deus é Deus dos vivos [...] Agora, se alguém disser que alma de Abraão vive com Deus mas seu corpo está morto, este distinção é uma bobagem [...] Esta é a maneira de vocês filósofos falarem: “Depois que alma partir do seu domicílio, etc”. Seria uma alma estúpida se ela estivesse no céu e desejasse o seu corpo!

Daí, talvez, melhor chamar o pensamento de Lutero sobre o estado após esta vida de “sono da morte” e não de “sono da alma” inconsciente. O cristão teria uma alma que descansa alegremente em Deus – o que implica algum estado de consciência, mas que Lutero não sabe como elucidar a exemplo do caso de Abraão. Por outro lado, para Lutero, a estado anterior à ressurreição parece que cairá no esquecimento. “Repentinamente ressuscitaremos no último dia, sem conseguir compreender como morremos e como passamos pela morte.”
...Por fim, segundo Pieper, “um sono da alma que inclui a alegria em Deus (como diz Lutero) não pode ser chamado de doutrina falsa”.[3]

4º - No sono físico, apesar do funcionamento do cérebro e dos sonhos, a passagem do tempo é algo como um abrir e fechar de olhos. Parece que aquelas longas horas de sono passam em um segundo. Na minha opinião, Lutero tinha certa dificuldade em conciliar a passagem do tempo entre a terra e o “estado intermediário”. Como poderia do ponto de vista terreno, demorar centenas de anos até a ressurreição final sendo que para aqueles que morreram seria essa passagem de tempo num abrir e fechar de olhos? Tenho notado que alguns teólogos têm dificuldade com noções de tempo e eternidade. Eis aí a questão do tempo e o problema hermenêutico. Há coisas na Bíblia que não é para serem explicadas, mas cridas.

5º - Ao contrário de significar estado de inconsciência, creio que o chamado “dormir” dos mortos tem muito a nos ensinar acerca da rápida passagem do tempo para eles. Se o dormir do sono físico num segundo nos conduz ao outro dia, porque da mesma forma no sono da morte não seremos rapidamente conduzidos ao último dia, quando morrermos?

 

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* César Francisco Raymundo é editor da Revista Cristã Última Chamada.
Site: www.revistacrista.org 
E-mail: [email protected]

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Notas:

1. Artigo: Lutero, a morte e o Post Mortem: Ars moriendi protestante - uma breve introdução. Autor: GRIMM, Charles. 1 Texto originalmente publicado na revista iProdigo em que o tema da publicação foi “Morte e Vida”. GRIMM, Charles. “Lutero, a Morte e o Post Mortem: ars moriendi protestante - uma breve introdução”. Revista iPródigo, No 2 (2012), p. 50-57.

2. Idem nº 1.

3. Idem nº 1.