O sistema educacional brasileiro e sua relação com fortalecimento da competitividade econômica
Por Claudio Ruy Vasconcelos da Fonseca | 25/10/2019 | EducaçãoO sistema educacional brasileiro e sua relação com fortalecimento da competitividade econômica
INTRODUÇÃO
Programas de pós-graduação são essenciais para incrementar e consolidar espaços cognitivos, sem os quais as inovações, na velocidade exigida pela sociedade, não aconteceriam. No ambiente amazônico, os referidos programas têm protagonizado o adensamento de massa crítica altamente treinada, oferecendo, especialmente às universidades, mas também a outros segmentos da atividade econômica, profissionais com visão de oportunidade para colocar à Amazônia uma perspectiva de desenvolvimento alinhada com expectativas internacionais. Apesar de ser um cenário auspicioso, todavia, dos 237 programas de pós-graduação das universidades federais na região norte do país (Fonte GEOCAPES, 2018), 56,9% estão classificados no nível 3 da CAPES, 32,06% nível 4, 8,8% nível 5 e 2,1% nível 6. Tais números expõem a necessidade de mais agenciamento para o fortalecimento e adensamento das universidades, cuja principal tarefa é a formação de lideranças. Assim, se os programas de treino avançado não estão nos níveis mais altos da classificação, pensar na Amazônia planetária, ou colocá-la num patamar de liderança parece horizonte ainda distante, mas não inexecutável. Há na região, no entanto, universidades, como é o caso da Universidade Federal do Pará, onde dos 116 programas 34,48% estão classificados no nível 4 da CAPES, 12,93% no nível 5 e 3,44% no nível 6, números que atestam a intensidade dos programas, os quais podem ser almejados como modelos para as demais universidades amazônicas.
As grades estruturais dos programas de pós-graduação são análogas em todo território nacional; refletem a departamentalização do raciocínio científico que dominou o século XX, ou seja, a analítica cartesiana e o positivismo lógico (Coelho, 2017). Além disso, as disciplinas oferecidas, na maioria dos programas, não sofreram atualizações relativas às demandas atuais (inovações, ferramentas de TI, empreendedorismo, etc.), considerando que os programas são geralmente formatados pelos docentes universitários que, na sua maioria, não estão buscando maiores interações com o setor produtivo, resultando em programas alinhados com as demandas puramente acadêmicas, sendo, em grande parte dos casos, anacrônicos em relação aos avanços socioeconômicos. Essa situação leva a uma ausência de visão empreendedora, de modo que os egressos sempre esperam por concursos públicos, os quais estão cada vez mais raros, gerando um contingente de egressos que são preteridos em seus sonhos e em oportunidades.
O PARADIGMA ATUAL
A ciência do século XXI está se desenhando muitíssimo diferente daquela do Século passado, por implicação, primeiramente, da complexidade atual das questões científicas, e em segundo lugar, por força das novas tecnologias computacionais que estão tornando o trabalho científico mais preditivo, mais quantitativo, mais rapidamente entregue e com petabytes de dados coletados por sistemas tecnológicos, obrigando à multidisciplinaridade e transdisciplinaridade, significando intercâmbio mútuo e interação de diversos conhecimentos de forma recíproca e coordenada, havendo a tentativa de aproximação metodológica para integração de resultados, ainda que permaneçam os interesses próprios de cada disciplina, porém, buscam soluções dos seus próprios problemas através da articulação com as outras disciplinas, além da translação dessas disciplinas, onde ciências naturais, ciências humanas são chamadas para compor a chamada ciência translacional. Esta busca solução a muitos desafios, integrando pesquisa científica multidisciplinar, aspectos éticos, sociais e legais, considerando que a atividade científica é eminentemente social, além de promover a troca entre ciência básica e aplicada, movendo os resultados para a sociedade (Guimarães 2013). O que está surgindo é um novo modelo paradigmático, sendo denominado de teoria dos sistemas complexos (COELHO, 2017). Agora as disciplinas não estão apenas ligadas, mas entrelaçadas, ou seja, de acordo com Lima (2006), a criação de inumeráveis possibilidades de percepção da verdade acerca de um determinado fenômeno, como consequência da alta complexidade do mundo contemporâneo e a incoerência de confinamento em sistemas únicos, como propôs Descartes, Newton e outros. Na verdade, estamos numa nova era onde a coleta de dados não mais é realizada somente de forma pessoal, mas sensores espalhados na superfície do planeta enviam gigantescas quantidades de dados por segundos, sendo a tarefa do pesquisador hodierno organizar e interpretar massas de dados utilizando ferramentas computacionais. Conforme afirma Prigogine (1996), estamos entrando em um novo período onde a formulação das leis da natureza não está firmada na certeza, mas na possibilidade, dada a grande complexidade do mundo natural.
Com essas considerações, faz-se mister repensar o sistema educacional como um todo, e em particular, os programas de pós-graduação brasileiros, cujos conteúdos ainda refletem o século XX. O que está sendo proposto é a religação dos saberes compartimentados, uma perspectiva de superação do processo cartesiano do século passado. Segundo Santos (2008) está sendo construída uma nova teoria pedagógica a da complexidade e transdisciplinaridade para a qual já é notado número expressivo de educadores aderentes, especialmente no ensino superior.
No caso amazônico, ainda persiste o modelo de pesquisas individuais, com algumas exceções para atividades em grupos, quer sejam institucionais ou transinstitucionais. A administração cientifica regional (através das instituições, incluindo as de fomento), ainda recalcitra na formulação de políticas que estimulem a formação de grupos multidisciplinares, visando alcançar pesquisas com viés inovativo, para melhorar o viver da sociedade, além de incrementar ações que favoreçam o crescimento do sistema econômico regional e/ou nacional. É urgente a criação de programas regionais de investigação científica inclusivos baseados nas perspectivas de desenvolvimento dos estados amazônicos, estruturando infraestrutura transestaduais, significando compartilhamento de equipamentos, de equipes e de resultados. A consequência seria a formação de grupos multidisciplinares, um ganho esperado para materializar ambiente inovador próprio da pesquisa translacional. Nesse tipo de ambiente, os programas de pós-graduação tenderiam a redimensionar seus conteúdos, e certamente se abririam janelas de oportunidades para parcerias amplas, incluindo parcelas do setor empresarial. Nesta perspectiva, torna-se importante mostrar exemplos onde a iniciativa privada aporta recursos significativos para pesquisa e desenvolvimento (P&D), como é a realidade nos Estados Unidos, onde a fração do produto interno bruto dedicada à P&D é 2,73%, sendo que o setor privado aporta 63% do referido recurso.
Voltando ao novo paradigma, a transdisciplinaridade é um excelente caminho para estimular novas conexões entre saberes, mas também entre setores da sociedade. A translação de saberes dá surgimento a uma nova aurora interpretativa que ultrapassa o horizonte das disciplinas potencializado pela utilização de ferramentas quantitativas, mostrando novas camadas da realidade.
BIG DATA
As tecnologias da informação estão causando um novo modo de interpretação da realidade e a busca de inovação através da correlação de grandes quantidades de dados, ou a tarefa de extrair conhecimento a partir de grandes quantidades de informação. É o chamado Big Data. No caso da pesquisa em Biologia, o uso de ferramentas computacionais está permitindo a verificação de correlações mais acreditáveis que passam a ser apreciadas não apenas como mais informativas e plausíveis, mas também como explicação causal mais sólida (LEONELLI, 2014).
“As conquistas da ‘biologia do Big Data’ exigem integração de habilidades em vários campos, muitos dos quais não fizeram parte de uma educação tradicional em biologia” (Schatz 2012). Por causa da vasta oportunidade para análises, certamente o papel da Biologia Quantitativa irá acrescer substancialmente no futuro. Logo, os estudantes necessitarão treinamento adequado à compreensão dos implementos da biologia moderna, quer nos cursos de formação como nos programas avançados. Schatz (2012) prevê o crescimento da Biologia computacional com adesão de profissionais versados em técnicas quantitativas e estatística para interpretação de sequências de dados, tal como já está acontecendo em várias partes do mundo. O referido autor ainda assinala que no interior da docência há uma tensão sobre quanto esforço empregar na educação quantitativa, uma vez que o tempo gasto nesses tópicos provavelmente requererá uma redução correspondente em outras tópicos mais tradicionais.
No caso brasileiro e em particular no ambiente amazônico, estudantes não adquirem densidade em técnicas computacionais quantitativas e isso é um desafio para a montagem dos programas educacionais, considerando que deverão incluir princípios de probabilidade e estatística, teoria da informação, genética populacional, cinética química, biofísica molecular, análise de sequência biológica e introdução à ciência da computação e programação. Em realidade, é uma revolução que parece estar além das possibilidades nacionais, mas é requerida. Todavia, é a condição sem a qual não avançaremos em direção a uma ciência de nível mundial. Não que não haja infraestrutura computacional de grande desempenho nas instituições amazônicas, mas, no campo da Biologia, faltam treinamentos para os profissionais da área, além de que ainda se conserva o raciocínio de que biólogos não necessitam expertise em matemática.
Por outro lado, Leonelli (2013) assinalou que o campo da biologia produz extenso pluralismo e enorme variedade de dados oriundos de protocolos de coletas e métodos computacionais diversificados, tornando imprescindível a formatação de níveis altos de padronização, acessibilidade e visibilidade dos dados existentes, com vistas a reutilização e análises em larga escala, considerando o pluralismo epistêmico que caracteriza a pesquisa nas ciências da vida. E neste sentido, deve-se treinar os alunos nos protocolos que estão sendo adotados mundialmente, ou produziremos anões cientistas.
Não há ainda ambiente acadêmico regional para a introdução da Biologia Quantitativa. Não se tem notícia de que as Fundações de Amparo às Pesquisas amazônicas tenham programado conclaves, nos quais são esperadas as presenças dos vanguardistas do Big Data. Paradoxalmente, convivemos com as tecnologias mais avançadas, em uso cotidiano, através dos smartphones. Somos bombardeados freneticamente por resultados de análises estatísticas patrocinadas pelo Google resultando em assédio mercadológico que nos constrangem a cada segundo. Mas, a academia local ainda não refletiu sobre o assunto para criar possibilidades de uso de massas de dados. Ainda que sites como Linkedin, Research Gate, Google Acadêmico, Mendeley, entre outros, estejam diariamente demonstrando o uso massivo de dados, regionalmente não há estímulos nas instituições de pesquisas para instalação de ambiente necessário para o Big Data. Todavia, é o modelo atual para a construção de conhecimentos, uma mudança importante no método científico, uma substituição do processo de formulação de hipótese que leva à experimentação e posterior análise de resultados, pela formulação de hipótese e a busca da resposta no banco de dados (EMMOTT et al., 2006).
A integração de teorias, experimentos e modelos tem sido o alvo central nas ciências, assim, a computação é parte significativa nas novas necessidades impostas pela ciência. Ao mesmo tempo em que a computação evoluiu, as ciências experimentais também evoluíram e passaram a ser capazes de coletar uma quantidade maior de dados. Palmo a palmo, os instrumentos computacionais estão saindo da condição de ferramenta de apoio, transformando-se em algo básico para interação, interpretação de resultados e aprimoramento dos métodos científicos, mudando a forma como a ciência é conduzida, especialmente quando se quer resultados aplicados.
VISANDO AS INOVAÇÕES
As estatísticas do Scimago Journal & Country Rank (2018) mostram um índice h (as citações dos trabalhos científicos brasileiros nos trabalhos científicos mundiais) do Brasil de 530, correspondendo a 40.512 citações, enquanto o índice h dos Estados Unidos foi 2.222, correspondendo a 528.530 citações no mesmo período. Os números refletem o impacto do conhecimento produzido no país para o corpo de conhecimento mundial. Ainda é baixo talvez por causa do anacronismo na assimilação das atualizações que estão acontecendo nos centros de maior cognição. Não é senso comum o tema do Big Data, além da quase inexistente utilização da translação de conhecimentos, da necessidade da formação de grupos de pesquisa multidisciplinares, o que faz com que o conhecimento produzido seja de aplicabilidade mais restrita.
O Brasil produz 0,1% das patentes mundiais (UNESCO 2015). Esse percentual mostra como nossa performance cientifica não favorece o crescimento econômico nacional. É necessário mudar o arcabouço dos programas educacionais nos seus diferentes níveis para que os jovens pensem nas inovações.
No caso da pós-graduação parcerias com os vários setores sociais deveriam oferecer janelas para discussões sobre focos de pesquisas. Dos 237 programas de pós-graduação na região norte do Brasil, nenhum reflete em suas grades disciplinares os impedimentos tecnológicos industriais ou os anseios das comunidades onde estão inseridos. Na origem das propostas dos programas não houve nenhuma interface com a sociedade, de modo a priorizar contextos que fossem de interesse coletivo. Assuntos como transporte, segurança alimentar, mineralogia, energia, comunicação, segurança em saúde, entre outros, são demandas quase obvias, mas que têm passado desapercebidos ou tangencialmente abordados quando da formulação de programas educacionais, mormente a pós-graduação. Assim, a formação de capital humano de alta cognição, por sua vez, dá surgimento a conhecimentos que são de aplicabilidade mais restrita, tornando a informação gerada ornamento para a academia e não soluções para as demandas dos segmentos da sociedade. Pelo exposto, justifica-se o porquê do baixo índice de patentes no Brasil e em particular, para a região amazônica.
De um modo geral, pesquisadores brasileiros não estão envolvidos com empresas, um passo importante para transformar conhecimento em acréscimo econômico; também, as instituições de pesquisas não possuem, com algumas exceções, Núcleos de Transferência Tecnológica excelentes, fato que dificulta o pensar inovações, a célere proteção do conhecimento e consequente oportunização para transferencias às empresas (DIAS & ALMEIDA, 2013). Há ainda o entendimento de que a pesquisa básica e a pesquisa aplicada sejam categorias separadas, uma divergência que desvirtua a relação entre ciência e tecnologia (C&T). Porém, é fato que a Biotecnologia vem melhorando a relação entre C&T, uma vez que força a adesão da pesquisa básica com a aplicada, originando a aproximação entre academia e empresas.
Evidentemente, para além do papel de ensino e pesquisa, a pós-graduação, tangida pelas grandes transformações da sociedade pós industrial e o avanço mercadológico trazido pelo processo de globalização, precisa alcançar um contexto que visualize os grandes blocos comerciais e financeiros, de modo a dar dimensão aos egressos sobre o uso intensivo das redes de informação, sobre as mudanças no mercado e sobre as oportunidades que estão a exigir mutações nas qualificações profissionais (MARTINS E ASSAD 2008).
A temática da construção de capital humano de alta cognição para atuar no processo de inovação e consequente parceria entre academia e empresas, visando alterações positivas no setor econômico, ainda carece de debates e da sua inclusão nas agendas das instituições de pesquisas na Amazônia. Por esse motivo, as fomentadoras deveriam indicar oportunidades para o surgimento do referido debate, estimulando o ambiente acadêmico em direção às inovações. Deveria ser também assunto nos fóruns de debates dos tomadores de decisão no cerne das academias. O que não pode continuar é a atual facies do sistema de educação e pesquisa, o qual reclama de poucos investimentos. A permanecer como está, não haverá resposta governamental por causa do pouco retorno em relação ao fortalecimento econômico. Porém, é necessário que seja tomada a consciência de que as pesquisas nacionais precisam estar relacionadas com o robustecimento da competitividade econômica. Estamos falando de um capitalismo acadêmico, o qual já é realidade nos países desenvolvidos (MARTINS E ASSAD, 2008). Segundo a UNESCO (1999):
“[...] O ensino superior deve desenvolver habilidades empresariais e o senso de iniciativa deve tornar-se a preocupação principal da educação superior, a fim de facilitar a empregabilidade de formandos e egressos que crescentemente serão chamados para deixar a situação de buscar trabalho para assumirem acima de tudo a função de criar trabalho”.
Neste contexto, o empreendedorismo assume vital interesse. Hoje, com o enxugamento do estado nacional e a redução dos postos formais de trabalho, o empreendedorismo passa a ser visto como uma forma de assegurar os profissionais egressos das universidades. Torna-se necessária a criação de um novo modelo de ensino de modo a contribuir para a concretização de uma educação empreendedora, oferecendo aos alunos ferramentas e potencial para a criação de trabalho, tal como é nos países desenvolvidos.
Referências
Coelho, Gabriel Bandeira. “Ciência, sociedade e complexidade: da disciplinarização do conhecimento à emergência de programas de pós-graduação interdisciplinares no Brasil.” Revista Brasileira de Pós-Graduação, 2017: 1-22.
Dias, Cleber Gustavo, e Roberto Barbosa de Almeida. “Produção científica e produção tecnológica: transformando um trabalho científico em pedidos de patente.” Einstein 11 (2013): 1-10.
EMMOTT, Stephen et al. (orgs.). Towards 2020 Science. cambridge, 2006.
Guimarães, Reinaldo. “Pesquisa Translacional: uma interpretação.” Ciência e Saúde Coletiva 18, nº 6 (2013): 1731-1744.
Leonelli, Sabina. “Global data for local science: Assessing the scale of data infrastructures in biological and biomedical research.” BioSocieties, 2013: 1-30.
Leonelli, Sabina. “What difference does quantity make?On the epistemology of Big Data.” Big data & society, 2014: 1-11.
LIMA, Gilson. “Sociologia na complexidade.” Sociologias 8 (2006): 136-148.
Martins, Carlos Benedito, e Ana Lúcia Delgado Assad. “A pós-graduação e a formação de recursos humanos para inovação.” Revista Brasileira de Pós-Graduação 5 (2008): 322-352.
PRIGOGINE, I. O fim das certezas: tempo, caos e as leis da natureza. São Paulo: UNESP, 1996.
Santos, Akiko. “Complexidade e transdisciplinaridade em educação: cinco princípios para resgatar o elo perdido.” Revista Brasileira de Educação 13, nº 37 (2008): 71-83.
Schatz, Michael C. “Computational thinking in the era of big data.” Genome Biology 13 (2012): 117.
SJR, SCImago (n.d.). SCImago Journal & Coutry Rank [Portal]. s.d. www.scimagojr.com.
UNESCO. O enso superior para o seculi XXI. Brasilia: UNESCO, 1999.
UNESCO. UNESCO Science Report: towards 2030. Paris: UNESCO, 2015.