O SIGNIFICADO DE UM FILHO

Por Felizardo Bandeira | 02/04/2020 | Psicologia

O SIGNIFICADO DE UM FILHO

 Diversos estudos têm feito referência aos factores que exercem influência no desejo de ter filhos, realçando que este é alimentado por vivências experimentadas no contexto de vida familiar das próprias mulheres, que são incentivadas pelos seus progenitores e pessoas influentes nas suas vidas. Para cada mulher, um filho tem  o seu próprio significado, podendo representar a expressão de amor, de felicidade ou a estabilidade no relacionamento, a tentativa de formar um par entre os filhos, trazer um irmão para compartilhar as alegrias com outro, a procura de comprovação em relação à condição de fertilidade (Maldonado 1989).

De facto, não podemos confundir um desejo com uma capacidade: uma coisa é desejar ter um filho e a outra é ser capaz de cuidar bem dele. Ter um filho é uma responsabilidade ímpar. Quando desejado, propicia boa relação conjugal e ajustamento familiar. Ter noção da influência negativa do mau relacionamento entre os pais no desenvolvimento dos filhos pode ajudar o casal a manter a calma nos momentos de tensão e zelar pelo supremo bem-estar do filho.

POR QUE É IMPORTANTE PENSAR PRIMEIRO?

Para se construir uma casa com tudo o que é preciso, material ou psicologicamente, é essencial uma boa planificação. Planificar significa prever todas as acções e recursos necessários para realizar uma actividade num determinado espaço e tempo, contando, também, com os eventuais imprevistos. O leitor talvez concorde, sem hesitar, que a planificação é uma boa base para assegurar a construção de uma casa, seguindo todos os requisitos necessários. Fazendo um paralelismo, desejar ter um filho deixa o casal mais seguro da decisão tomada e mais preparado para lidar com as novas exigências e, sobretudo, com o stress. Mas isto não significa que todos os casais, que têm filhos cuja concepção estava fora dos seus planos, se sintam infelizes e sejam maus pais porque, nestas condições, muitos conseguiram adaptar-se e gerir bem a situação, de modo que se alegram por estarem diante de alguém que os identifica como progenitores.

Ter filhos é maravilhoso, mas também não é uma tarefa muito fácil, sobretudo quando a pessoa ainda não está preparada. Muitos das pessoas que têm filhos, estando na condição de solteiro(a), separado(a) ou casado(a), e que passam o tempo cuidando deles com menor ou maior dificuldade, sabem que esta não é uma tarefa fácil. É um stress sem fim, sobretudo quando se encontram desamparadas. Os gritos, o choro, a higiene da criança, a dificuldade em compreender os seus gestos ou o que ela quer, quando não consegue falar, estão entre os desafios mais comuns enfrentados pelos pais quando elas ainda são menores. As circunstâncias inesperadas, como doenças, necessidades físicas e emocionais das crianças, quando não são bem geridas, podem propiciar aos pais sentimentos de impotência, stress e fragilidade emocional.

Enquanto alguns sofrem imenso com a dor de cuidar de um filho sozinhos, outros desejam ardentemente experimentar a satisfação de serem pais, pois sabem que não existe maior recompensa do que estar nesta condição.

 Quando os pais esperam o aparecimento de um filho, têm o dever moral de pensar seriamente na grande missão que Deus lhes confiou, tendo a noção exacta das responsabilidades e reconhecendo o papel importante que vão assumir na vida desta criança. (Santos, 1978, p. 203)

 Segundo o autor supracitado, saber que a condição de ter filhos é uma provisão amorosa de Deus, serve de ajuda para os pais criar dos filhos com maior responsabilidade. A valorização do feto no ventre é um indicativo do valor que se atribui na criação de Deus. Como tal, cuidar bem do mesmo até ao seu nascimento e após esta fase demonstra honra e respeito pelo dador da vida. Estas declarações remetem para a ideia que condena a prática do aborto voluntário, como forma de destruir o bem mais precioso que existe no ventre da mulher.

 UM FILHO – O QUE MUDA NA VIDA DA MULHER

 A gestação é um período de intensas mudanças no corpo e na psique da mulher. É considerada um estado “não doentio” que envolve mudanças fisiológicas iguais ou maiores do que as que acompanham muitos estados patológicos (Santos, 1998). Além do esforço na compreensão da dor da criança, com o seu nascimento, em geral, surgem novas exigências para a mulher, como o cuidado consigo mesma, dependendo do tipo de parto; o cuidado com a roupa do bebé, a alimentação, a medicação, caso seja preciso; a gestão existente do frequente conflito entre trabalho e família e o cuidado especial a ter em conta com a criança. O nascimento do bebé também obrigará a mãe a ajustar o seu papel enquanto mulher. Se possível, deverá deixar alguns hábitos que o prejudiquem, ou roubem tempo ao seu cuidado, e dedicar-se a outros em prol do bebé.

A FALTA DE PREPARAÇÃO PATERNA

A decisão de ter filho é algo que deve ser considerado com muita seriedade. Não seria apropriado pensar em ter filhos só porque os colegas, amigos ou vizinhos tomaram essa iniciativa, ou porque eles simplesmente o incentivam. Cada um sabe o que o motivou a ter um filho e que efeito este tem e terá na sua vida. Em muitos casos, no início do relacionamento, é comum o casal ou um dos parceiros decidir não ter filhos tão cedo, e só tome esta decisão quando sintam que estão em condições emocionais, físicas ou materiais favoráveis para tal. Ter filhos é uma condição que altera o modo de vida da pessoa, por completo, e aumenta as suas responsabilidades na família e na sociedade. Cada um tem o seu conceito sobre paternidade ou maternidade, cada um tem seus próprios planos sobre a vida que quer levar. Por isso, qualquer que seja a escolha da pessoa, é importante que seja respeitada por eles e pelos outros.

O QUE PODE ACONTECER?

Ter um filho é um grande desafio e uma decisão que deve ser bem ponderada. Nos últimos anos, a idade da paternidade estendeu-se até à adolescência e assistimos a jovens (entre os 14 a 17 anos de idade) que vivem em casa dos seus pais, namorarem cedo e tornarem-se pais. Despreparados para assumirem esta responsabilidade, vêm-se obrigados a deixar a esposa e o filho sob o cuidado dos seus pais, porque não trabalham, não têm como prover o sustento para a sua família e, acima de tudo, têm dificuldades em tomar decisões sobre si mesmo.  

 Algumas pessoas, por causa das suas ocupações, não encontram forma de conciliar o tempo para estarem com a família. Por isso, muitas vezes, o cuidado do filho fica sob a responsabilidade da mulher ou de uma pessoa próxima do casal, como mãe, irmã(o), avó ou a sogra. A precariedade das condições de vida, as novas obrigações familiares e as pressões no trabalho representam as principais fontes de tensão e conflitos na sua vida.

O HOMEM QUE AGORA É PAI

Quando o homem se torna pai, ocorrem mudanças na rotina da vida. Terá de ajustar o seu modo de vida com o da família, dando especial atenção à esposa e ao bebé. Embora se reconheça que não é fácil cuidar de uma família, mesmo assim, independentemente das condições de vida ou da criança, ninguém tem o direito de fugir às suas responsabilidades. Alguns pais furtamse, passando mais tempo fora de casa, seja com os amigos ou no trabalho, fazendo horas extra para não terem de lidar com as novas exigências ou com aquilo que consideram ser stressante, o que revela falta de amor pela esposa e pelo filho. Há, ainda, outros que solicitam o apoio de familiares próximos, onde a sogra e a mãe são as mais indicadas para ajudarem no cuidado do bebé.

Vamos, agora, fazer uma pequena pausa no discurso para dar o exemplo de um caso concreto e ver como ele se aplica na vida de muitos casais.

O caso de Bernardo e Bia Bernardo, de 34 anos de idade, é casado com Bia, sete anos mais jovem. Ao fim de dois anos de O Desejo de Ter Um Filho 39 casamento tiveram uma filha. Esta ocasião trouxe uma enorme alegria para ambos. Enquanto a esposa ainda estava no hospital com a criança, esperando o fim dos seis dias para receber a alta, depois de ter sido submetida a uma cesariana, Bernardo deleitava-se da alegria. Todos os dias e tinha a forte motivação de passar nos supermercados de modo a suprir as necessidades da esposa. A mãe de Bia, que vivia nas proximidades, ansiosa com a chegada da neta, procurou estar mais tempo próximo dela no hospital. Enquanto isto, Bernardo passava até altas horas da noites com os amigos a consumir bebidas alcoólicas e comemorando a vinda do bebé. Durante o dia, quando não aparecia no hospital, passava mais tempo no serviço. No oitavo dia, Bia recebeu a alta e voltou para casa na companhia da mãe, sogra e do marido. Nos primeiros quatro dias, a sogra permaneceu com o casal de modo a cuidar da filha e da neta, enquanto Bernardo se limitava em fazer tudo aquilo que lhe pedissem como ajuda. O bebé chorava muito, de dia e de noite, e quase que não dormia. Bernardo tinha o hábito de realizar determinadas tarefas à noite, como ler, pesquisar e planificar as actividades para o dia seguinte, mas, com esta condição, teve que rever o seu plano de actividades e começou a encontrar dificuldades em conciliar o seu tempo. Vivia um dilema de aproximação/aproximação – dar apoio ao bebé e à esposa e preparar as suas actividades.

 As noites também eram difíceis para a sogra e para a esposa conseguirem dormir, porque tinham de cuidar da bebé, enquanto Bernardo dormia na sala, num sofá, que não chegava para o tamanho do seu corpo. Ao final de uma semana, a sogra decidiu sair e voltar para casa e ver outros netos que também ficavam sob os seus cuidados, enquanto as filhas iam trabalhar. Daquele dia em diante, foi um terror para Bernardo, que não estava habituado a fazer os trabalhos domésticos e a passar mais tempo com a bebé, enquanto a esposa descansava. O casal não tinha empregada doméstica e, muito menos, um parente em casa como ajudante. A loiça suja permanecia 24 horas para que ele a lavasse. À noite, quando a bebé chorava, Bia também chorava e sentia-se desorientada, pois era a sua primeira filha e não tinha ainda qualquer experiência de cuidar das necessidades de um recém-nascido. O marido andava de um lado para outro dentro de casa, fazendo muitas perguntas a Bia, querendo saber o que se passava com a bebé, o que a fazia chorar ainda mais. Irritada com a situação, Bia reclamava a falta de apoio do marido e limitava-se a chorar e a lamentar por se sentir despreparada. Todas as noites, Bernardo quase que não dormia, dividido entre o cuidado da criança e a esposa. Todas as manhãs acordava cansado porque só tinha três horas de sono. A situação piorava nos dias em que não havia energia eléctrica e a temperatura da casa não era favorável para o casal e para o bebé, o que obrigava Bernardo a passar a noite em claro, abanando o bebé enquanto estivesse no colo da mãe a ser acalentada.

Com a situação a tornar-se insuportável, Bernardo decidiu comprar um gerador para colmatar as dificuldades em casa. Mas o barulho provocado pelo aparelho, em funcionamento, era atormentador e, sempre que o ligava, a bebé tinha dificuldade em dormir. Foi então que Bia decidiu pedir a Bernardo para que não voltasse a ligar e que enfrentassem a situação no silêncio. Face a isto, ele começou a traçar o seu projecto de vida e a desenvolver várias estratégias para que aquele pesadelo terminasse. Comprou um colchão novo e convidou a sogra a ir morar com eles em casa, por um tempo indeterminado, mostrando que era para o bem-estar da sua filha e da sua neta. Ela aceitou sem saber que o plano dele era livrar-se dos trabalhos domésticos e das noites sem dormir. Bernardo vivia a elogiar o desempenho da sogra e a potencializar, ainda mais, a sua entrega no cuidado da filha. Levou um mês até o casal conseguir enquadrar-se no novo ambiente. Após a saída da sogra, oito meses depois, Bernardo já estava bem preparado para ajudar a esposa e cuidar da bebé, com a ajuda da prima que veio morar com eles.

Depois de ler esta pequena história, já se imaginou na condição de Bia, da sogra ou do Bernardo? Qualquer que seja a sua situação, saiba que a chegada de um bebé requer uma grande preparação, sobretudo psicológica, para poder lidar com as novas responsabilidades. Quando nasce uma criança, a insónia, a preocupação em compreender os sentimentos da criança em função da dor que ela sente e o medo de que ela sofra de algum problema de saúde fazem parte do novo modo de vida do casal ou da mulher que, muitas vezes, se sente abandonada. No caso daquelas que são mães pela primeira vez, a situação é mais acentuada. A falta de apoio desejado, e talvez também por inexperiência, elas são dominadas pelo choro, insónia, sensação de impotência na criação do filho e, em última instância, a depressão. O stress em cuidar da criança também pode propiciar problemas psicossomáticos, como dores de cabeça, cansaço físico e o aumento da pressão arterial, bem como outras alterações emocionais e orgânicas que podem surgir, dependendo da qualidade de vida da mulher. Por isso, muitas delas recorrem aos seus pais, ou familiares próximos, à procura de ajuda.

Existem muitos motivos para as pessoas que desejam ter filhos reflectirem seriamente nas responsabilidades advindas da mesma, em especial no caso de se envolverem num relacionamento que parece incerto.

BIBLIOGRAFIA

  • Maldonado, M. T. (1989). Maternidade e paternidade (Vol. 2). Petrópolis, RJ: Vozes
  • Santos L. (1978), Noiva, esposa e mãe. 4ª ed. Lisboa, Editorial Louvores.
  • Santos, N. J. S. (1998). Características sociais, risco e ocupação nas mulheres com Aids em São Paulo. Actualidade em DST/Aids, 1(2), 39-53