O ser x o vir a ser
Por caetano bezerra | 29/05/2010 | FilosofiaO ser e o vir a ser: o eterno versus o mutável
Fala-se que há muito tempo, Parmênides disse sobre Heráclito: "Fora com os homens que nada sabem e parecem ter duas cabeças! Junto deles está tudo, também seu pensamento, em fluxo. Eles admiram as coisas perenemente mas precisam ser tão surdos quanto cegos para misturarem assim os contrários!".
De fato, os dois filósofos originais divergiam em suas teorias ontológicas ( entenda-se ontologia como a área da filosofia que estuda o ser e as suas dinâmicas). Enquanto Parmênides afirmava que o ser nunca podia deixar de ser o que é em sua essência, mesmo que passando por mudanças, Heráclito dizia que o ser está sempre em constante mudança, pois "Não se pode entrar duas vezes no mesmo rio", como diz um de seus fragmentos. Mas, o que faz o pensamento de Parmênides ser diferente do de Heráclito?
Parmênides tenta ordenar a realidade, fazendo o uso de dois grupos: o que são, e o que não são. Para isso, toma como ponto de partida a luz. A luz é um "ser", e o seu oposto , a escuridão, não é, ou seja é um "não ser" .Para à luz , atribuiu o valor de tudo o que é positivo, e à escuridão, ao que há de negativo, como diz o mesmo no fragmento: "Mas porque tudo tem sido nomeado como luz e trevas, e isto conforme à sai dinâmica própria de cada coisa na sua singularidade: tudo é pleno de luz e de escuridão clara da noite, enquanto o mesmo,ambos o mesmo, pois nada é senão referido a ambos".
Para que se exista algo além do ser, ou seja, do que é, tornar-se-ia necessária a existência do que não é. Como o que não é não existe (pois no caso encontra-se no futuro), não é verdadeiro, o único caminho a se seguir é o ser.
A aparência das coisas não possui realidade. O ser é a sua essência. E a essência do ser é o imutável. Por exemplo, um homem negro tem a aparência diferente de um homem branco. Suas essências , porém ,são as mesmas, pois o pensamento é algo comum aos dois; "Pois o mesmo é pensar e ser".
Já Heráclito diz que nada é permanente, tudo está em constante mutação. Apenas o que permanece é, mas o que permanece é a própria mudança, ou seja, o próprio vir-a-ser. "Para os que entram nos mesmos rios, afluem sempre outras águas; mas do úmido exalam também os vapores". Tudo vem-a-ser, menos o próprio vir-a-ser, pois se tal fato se desse, não existiria o vir-a-ser.
Heráclito divide tudo em seres e não-seres. Os dois coabitam num mesmo espaço, visto que o "não ser" pode vir-a-ser um "ser", assim como o quente se esfria, o frio se esquenta, o úmido seca, e o seco umedece. Isto pode ser visto nos fragmentos: "O contrário em tensão é convergente; da divergência doas contrário, a mais bela harmonia" e "Não se compreendem, como concorda o que de si difere: harmonia de movimentos contrários, como do arco e da
lira".
Tal opinião diverge claramente de Parmênides, que diz que os opostos não podem coexistir, que ambos se dividem, porque para uma coisa mudar, precisaria de um não ser, que está no futuro e que por estar no futuro, não existe, não fazendo parte assim da mesma coisa.
Para agrupar a harmonia existente entre o ser o não ser, Heráclito cria o Logus, que reúne tudo em um só princípio, tudo é uno. O Logus é o uno que reúne o múltiplo, como diz o próprio Heráclito: "(...) é sábio concordar que tudo é uno".
Diante de tais fatos, conclui-se que para Heráclito tudo está em constante mutação; os opostos transformam-se harmonicamente, e estão reunidos num princípio único, o Logus. Tal afirmação, porém é inválida na ótica de Parmênides. O ponto de vista do mesmo diz que o ser é imutável em sua essência, que ele nunca poderá mudar o que é realmente, exceto a sua aparências. Ele divide as coisas segundo às suas oposições, tornando-as "é" e "não é", criando um principio que aumenta as multiplicidades, ao invés de as unirem.
Depreende-se, portanto, que tal questão ainda encontra-se em aberto. A ontologia é um campo que possui muitas interpretações sobre as obras desses dois filósofos essenciais à tentativa da descoberta do que é exatamente o ser. As múltiplas interpretações sobre o ser dos dois ficarão eternas nas mentes dos estudantes e intelectuais, podendo ser o próprio vir-a-ser, ou talvez sendo uma coisa que já é.