O ser humano em sua essência

 

O ser humano sendo criatura viva, sujeita às leis da natureza é, assim como todos os outros seres vivos, marcado pela provisoriedade; pela finitude Todos os seus projetos, ideias, realizações e aspirações são efêmeras, porque nunca definitivas. A percepção de sua transitoriedade, de sua mortalidade – e de todos os seus projetos – causa ao homem um sentimento de angústia. Durante a maior parte da história humana, colocando suas expectativas nos relatos das religiões, o homem transformava este sentimento de limitação em esperança de sobrevivência à sua extinção física. Hoje, já bastante cético em relação a tal possibilidade, o ser humano tenta enganar “a indesejada das gentes”. Escreve o filósofo Max Scheler:

A morte recalcada, a morte ‘presente’, mas tornada invisível e que deixou de ser temida ao ponto de se ter tornado inexistente, é, de agora em diante, poder e brutalidade sem sentido, tal como aparece ao novo tipo de homem quando se vê confrontado com ela. A morte surge apenas como uma catástrofe. Não é mais vivida de modo leal e consciente. E já ninguém mais sente e sabe que tem de morrer a sua própria morte” (Scheler, 1993)

Outras criaturas, instituições criadas pelo homem, o mundo físico e até planetas e galáxias também são transitórios; a diferença é a escala de tempo. A efemeridade é uma característica de todo o ente; aparentemente nem mesmo os átomos – dados como eternos pela filosofia grega – são permanentes. Decaem, se decompondo em outras subpartículas, que por sua vez também desaparecem. No final de um tempo imenso, assim dizem os cosmólogos, as mínimas partículas de matéria, formadas de energia concentrada, também se dissolverão e deixarão de existir. Assim como veio do nada, ao nada retornará o universo – e talvez surgirá um outro universo, depois de um tempo que não temos como estimar, já que para isto a física atual não tem qualquer informação.

No entanto, o ser humano não pode ser definido somente através de sua existência passageira. Dotado de raciocínio e animal social por natureza, assim como todos os nossos antepassados símios, o homem é, diferentemente de todo o resto da criação, consciente de sua mortalidade e da finitude de todo o universo. O avanço das ciências biológicas, porém, está tornando cada vez mais tênues as diferenças que nos separam dos outros seres vivos. Diferente do que dizia Descartes, descobrimos que os animais têm sentimentos, além de também fazerem ferramentas e de possuírem traços de cultura. Alguns, como os golfinhos e os corvos, podem se reconhecer em um espelho – teriam algum tipo de autoconsciência como nós?

O ser humano, no estágio atual do conhecimento, se caracteriza pela sua capacidade única de formular complicados raciocínios lógicos, elaborar complexos conceitos de ética, além de parte dos humanos possuírem senso de humor. Talvez seja esta a essência do homem, por enquanto.

 

Referência

SCHELER, Max. Morte e Sobrevivência – 1ª ed. Lisboa: Edições 70, 1993