O Sentido da vida

Foram os estudantes de psicologia que colocaram a pergunta, pendurada num painel: “Qual o sentido da vida?” Pode parecer uma boa indagação. Mas ela é insuficiente em si mesma. E pode-se dizer mais: é uma pergunta essencial, para se saber o propósito da realidade humana, mas ela tem que ser feita a partir de suas precedentes.

Poderíamos começar indagado: De onde vem a pergunta? E a resposta se diferencia e se ramifica. E pode ganhar diferentes matizes, dependendo de onde ela é formulada.

Poderíamos entender que essa é uma indagação da psicologia. Afinal de contas ao buscar o sentido da vida essa ciência poderia ser uma das ferramentas que ajudam no processo de ajustamento do indivíduo à sociedade: Quem sabe o sentido de sua vida pode desenvolver melhores condições para entender o sentido da vida humana. Poderia, além disso, ajudar na descoberta da própria identidade. Daí o “quem sou eu?” estaria ao lado de: “Qual o sentido da vida?”. Poderia ser, também, uma indagação em direção da autodeterminação.

Antropólogos e sociólogos não se colocariam a indagação sobre o sentido da vida, mas sobre o sentido do ser social e cultural do ser humano. A sociedade produzindo relações sociais, produz cultura e nas diferentes culturas manifestam-se as diversas formas de relações de poder e interação. A compreensão das relações de poder pode ser uma pista para o entendimento do sentido a vida humana, pois os humanos vivem em sociedade e é na sociedade que ocorrem as relações de poder que são, também, manifestações e resultados da cultura. Além disso, essas relações evidenciam as modalidades de interação. Daí o sentido da vida estaria ligado ao sentido da sociedade.

E a filosofia? Ela é mais radical em sua singeleza. Antes de discutir o sentido da vida a filosofia quer entender o sentido da pegunta. E a pergunta radical não é sobre o sentido da vida, mas: A vida tem sentido? Ou seja, para saber o sentido da vida tem que se saber se ela tem sentido. E, mais ainda: o que é isso que chamamos de vida?

Ao compreender o que é a vida podemos compreender, também se ela tem ou não sentido e se tem, qual é.

Então, o que é a vida. Não pode ser entendida como o simples existir. As rochas existem e, nós dizemos, não têm vida. Uma ave tem vida, dizemos nós, mas não se identifica àquilo que chamamos de vida humana. De forma simplória podemos dizer que a vida se caracteriza e acontece nos indivíduos que, entre outras coisas, tem um começo, desenvolve-se em processo qualitativo/cumulativo e termina, não como o sol que chega o poente para retornar no dia seguinte, mas como ponto final de uma jornada. E, na maioria das vezes, essa vida deixa uma descendência: filhos ou realizações... ou ambos. A vida, nesse caso, não seria o transcurso de um indivíduo, mas o processo do existir crescendo e se perpetuando.

Se a vida se expressa num gerúndio – pois ela é um processo, não está pronta – podemos entender que seu sentido é fazer-se. É o fato de estar acontecendo. Mas, alguém poderia dizer: esse é um sentido que não tem sentido. Pois ele seria o próprio processo. Sendo assim seriamos levados a dizer que a vida não tem sentido.

Analisando o viver de uma pessoa podemos concordar que a vida carece de sentido. Não tem sentido uma pessoa, todos os dias: levantar-se, apressar-se para um ciclo de trabalho – do qual nem sempre gosta e que não é gratificante – e no final do dia voltar para casa, descansar e repetir tudo no dia seguinte e nos outros dias também... e assim o vivente percorre sua vida de forma quase angustiante pois se sente aprisionado nos seus afazeres cotidianos. E no final disso, qual o resultado? a morte! Vive-se para morrer. Claro que se pode crescer. A pessoa pode desenvolver-se. Ampliar horizontes... Pode acumular bens! Mas em nenhuma situação pode escapar da morte. O ponto definitivo da vida é a morte!

Então ou admitimos que a vida não tem sentido ou que o sentido da vida é a morte... Se o sentido da vida é a morte, então a pessoa gasta seu viver em um oceano de futilidades e na maioria das vezes num trabalho enfadonho, ao lado de pessoas das quais não gosta, sem conseguir concluir o processo de poderia levar à autorrealização. Dai, ao concluir sua vida, coroando-a com a morte, o vivente percebe que viveu uma vida vã. E concluirá que sua vida não valeu a pena, pois foi um caminhar para a morte.

Mas também podemos admitir que a vida não tem sentido. E então, como vive um absurdo, (manter uma vida sem sentido), a pessoa, para não enlouquecer ou suicidar-se, cria sentidos. Cria objetivos. Cria desafios. Cria atividades e trabalhos. Cria família. Cria filhos. E preenche o vazia com criações. O fato é que para não enlouquecer, a pessoa fica louca fazendo uma enorme quantidade de coisas que não tem vontade ou para as quais não tem aptidão. E para fazer tudo isso que não gosta, a pessoa encena diversos papéis, multiplica-se em diversos personagens e passa o transcurso de sua vida sem fazer o que gosta. Para viver nessa aparência de importância e de sentidos, as pessoas vão construindo pequenos nichos de significados e motivações e sonhos. Mas quando se defrontam consigo mesma, as pessoas percebem que “não era bem isso que eu queria!”

E assim nos voltamos para a indagação estampada no painel dos estudantes de psicologia: “Qual o sentido da vida?”. E arriscamos dar nossa resposta: a vida não tem sentido. E porque não tem sentido, criamos os nossos motivos para viver. Desde os amores até os terrores. Desde os sonhos até os pesadelos. Desde as religiões até os infernos. Desde a profissão dos sonhos até a mais profunda e triste frustração profissional. Quando vivemos os amores sonhados, os sonhos realizados na profissão que escolhemos para nos realizarmos, damos graças aos nossos deuses e vamos dormir felizes. Caso contrário, vivemos nossos infernos. E o sentido da vida acaba se resumindo em sonhar com a realização dos sonhos, tentando escapar das frustrações... mas, correndo o risco de se frustrar por não conseguir realizar o sonho do sonho realizado.

Neri de Paula Carneiro

Mestre em educação, filósofo, teólogo, historiador

Rolim de moura - RO