Velórios no interior sempre são motivos para os mais velhos contarem histórias, muitas delas escabrosas, como defuntos se levantando no meio da noite ou dando uma tossida para limpar a garganta antes de enfrentar o juízo final.  Com certeza nunca ninguém viu tais acontecimentos, mas todos os que contam juram que viram, mesmo que seja preciso colocar a vida da mãe em jogo.

Mas foi  em Descalvado o palco de uma história, que nada tem de sobrenatural, sem fantasmas ou visitas do além túmulo. A história contada por um velho amigo nascido na cidade aconteceu num velório de uma pessoa conhecida. O nome do personagem principal vai ficar como Zé para facilitar a escreveção e, também, para evitar disse que disse.

O que se sabe é que um parente muito próximo do Zé partiu para a viagem sem volta e como reza os costumes, pelo menos no interior, o velório foi em casa. As velas queimando ao lado do caixão e as conversas animadas por todos os cantos. Os homens ficavam do lado de fora contando causos, fumando um cigarrinho de palha e, por que não contando umas historinhas mais picantes e inconvenientes para as senhoras.

O Zé, muito conhecido na cidade sempre foi dado a exageros nas suas histórias e chegam a dizer que ele aumenta, mas não inventa. Mas segundo meu amigo, ele além de aumentar, inventa um pouquinho, mas não muito. As histórias, a bem da verdade, seriam sem graça se contadas com o rigor dos fatos, como uma notícia de jornal. Um temperinho ajuda a dar um sabor a mais para evitar que o causo fique sem sal e vai daí que alguns chegam exagerar.

Mas vamos a história do Zé que os leitores já estão para perder a paciência. Conversa vai, conversa vem, alguém falou em música e música é roça do Zé, que segundo consta, tem afinidade com o instrumento; mas vá lá que está um pouco destreinado, arriscou alguém. O sangue subiu na cabeça do Zé. Ficou vermelho como um pimentão maduro e disse com convicção que em Descalvado não tinha sanfoneiro melhor do que ele.

Quem bem o conhecia tentou desconversar, mudar de assunto para não deixar o homem muito agitado, mas o assunto volta e meia entrava na roda de conversa. E foi aí que um dos presentes resolveu provocar o Zé, dizendo: “Ah! Zé, você já tocou algum dia, hoje acabou, você não deve nem lembrar de uma música inteira”.

O Zé se levantou, colocou o dedo no nariz do homem e falou em alto e bom som: “Eu vou provar pro cê  que eu ainda sou bão na sanfona”. E saiu desembestado em direção ao portão. Passados alguns minutos, ele estava de volta carregando a sanfona Stradelli de 80 baixos, que seu avô trouxe da Itália.

- Mas Zé, isso aqui é um velório e não é lugar para tocar sanfona homem, tentou convencê-lo um dos presentes.

- Não interessa. Se falaram que eu não sei tocar eu vou provar que sei e o falecido que me desculpe, mas vai ter velório com reza e música.

E foi aí que Saudade de Matão animou o velório do compadre, juntando gente de tudo quanto era lado. Chegou a um ponto que chegaram a perguntar se era baile ou o quê.  A família do falecido nem reclamou, pois até que foi bom para passar a madrugada fria de junho.

Dizem que ele até começou a ser convidado para animar velórios, mas não gostou da ideia, pois considerava desrespeito com os mortos. Naquela noite foi exceção, uma questão de honra.