Joacir Soares d'Abadia[1]

O Código de Direito Canônico conceitua o Sacramento do Matrimônio como "O pacto [Aliança] matrimonial, pela qual o homem e a mulher constituem entre si o consórcio de toda a vida, por sua índole natural ordenado ao bem dos cônjuges e à geração e educação da prole, entre batizados foi por Cristo Senhor elevado à dignidade de sacramento" (Cân. 1055 § 1). Revemos, pois, aqui tudo que este conceito nos possibilita refletir, a saber: "Sacramentos"; "Matrimônio"; "Pacto" (ou Aliança); os fins e as propriedades do Matrimônio.

Sacramentos

Segundo o Catecismo da Igreja Católica, "os sacramentos são sinais eficazes (visíveis) da graça, instituídos por Cristo e confiados à Igreja, por meio dos quais nos é dispensada a vida divina" (CEC, 1131).

Matrimônio

Matrimônio: "ato" (aliança ou contrato) e "estado"

Na análise do Cân. 1055 § 1 vê-se que "De acordo com o modo comum de falar, com a palavra "matrimônio" referimo-nos a duas realidades diversas, embora intimamente unidas: o "ato" mediante o qual um homem e uma mulher manifestam a intenção de constituírem, a partir desse momento, uma sociedade de vida conjugal; e o "estado" de vida ou relacionamento permanente que daí resulta para os dois parceiros".

Continua ressaltando que "O ato é qualificado neste cânon como ''aliança'' ("foedus") ou ''contrato'', e se afirma que, no caso do casamento entre batizados, ele se torna ''sacramento''". O contrato é, portanto, "o livre acordo entre as partes". Segue o Cân. 1055 § 2. dizendo que "entre batizados não pode haver contrato matrimonial válido que não seja por isso mesmo sacramento".

Deste modo, para Capparelli, "onde há contrato matrimonial entre batizados, o sacramento existe".

A instituição do Matrimônio: por quem e onde

Por ser instituído por Cristo, "o matrimônio participa da própria natureza da união de Cristo com a Igreja", como diz Capparelli. Quanto ao momento em que o Sacramento do matrimônio foi instituído podemos dizer que foi nas Bodas de Caná (Cf. Jo 2, 1-12).

Os ministros do Sacramento do Matrimônio: os noivos

No que se refere ao ministro do Sacramento do Matrimônio, na Igreja Católica, são os cônjuges. Porém, segundo Caparelli, na Igreja ortodoxa o sacerdote assistente é considerado o ministro, pois ele é quem os abençoa e por onde a graça se manifesta.

Assistente do Matrimônio: pároco, vigário, diácono e ministros leigos

O assistente ou ministro qualificado do Matrimônio, segundo o Direito, é o pároco, que conforme a própria provisão, tem a obrigação, a não ser que aja grave incómodo de assistir validamente aos matrimônios daqueles que lhe foram confiados. O Vigário e o Diácono podem assistir aos matrimônios em nome do pároco. Quando for assistido por ministros leigos, se faz necessário a delega do bispo diocesano em anuência da CNBB e da Sé Apostólica, como diz Reginaldo Lima.

Os fins do Matrimônio: amor dos cônjuges e geração e educação dos filhos

Tratando dos fins do Matrimônio diz-se que "são enumerados como algo que flui naturalmente do próprio ser do matrimônio. Excluir qualquer um deles seria atingir a instituição matrimonial no seu próprio íntimo"[2]. O cânon 1055, § , confirma que o matrimônio está "ordenado ao bem (amor) dos cônjuges e à geração e educação da prole".

Para Colombre "o amor verdadeiro tem de ser mostrado através de gestos, através de atitudes concretas. O amor é fruto de esforço, é algo que se deve ser conquistado". Deste modo, continua dizendo, "O amor verdadeiro é o esforço de toda a vida".

As propriedades do Matrimônio: unidade e indissolubilidade

As propriedades essenciais do matrimônio são a unidade e a indissolubilidade, como explica o cânon 1056.

Unidade

A "unidade" é um bem adquirido. Exclui o adultério, que constitui transgressão do dever de fidelidade entre os cônjuges.

Rupturas da unidade: poligamia e poliandria

Ela significa a impossibilidade de uma pessoa ficar ligada "simultaneamente" por dois vínculos conjugais. Por isso, a unidade se opõe à poligamia e a poliandria.

A poligamia supõe a existência de um homem com várias mulheres simultaneamente (Cf. Gn 4, 19; 16, 1-4; 25, 1; 26, 34-35; 28, 9; 29, 15-30; 30, 1-13; Jr 8, 30; 2Sm 3, 2-5; 1Rs 11, 1-3). Eram muitas as causas que se tinham para justificar a poligamia na cultura judaica, tais como: motivo político e compreensão equivocada do "crescei e multiplicai-vos" (Gn 1, 28), pois os judeus se preocupavam com a descendência. A poligamia é fruto do pecado. É perverter a realidade do Matrimônio. Qualquer perversão afeta o Matrimônio.

A poliandria é o caso oposto: supõe a existência de uma mulher com vários homens ao mesmo tempo.

Indissolubilidade

A "indissolubilidade" é a impossibilidade da dissolução do vínculo conjugal, a não ser por morte de um dos cônjuges (Cf. Rm 7, 1-6).

A indissolubilidade opõe-se o divórcio. Quem romper a sua união matrimonial e abraçar outra, comete adultério contra a sua primeira união.

Dimensões da indissolubilidade: intrínseca e extrínseca

Distingue-se entre indissolubilidade "intrínseca" (impossibilidade da ruptura do vínculo conjugal pelos próprios cônjuges) e indissolubilidade "extrínseca" (impossibilidade de ruptura pela autoridade pública).

A indissolubilidade intrínseca é definida pela teologia católica como um princípio absoluto, aplicável a qualquer matrimônio válido, mesmo entre não-batizados. A indissolubilidade extrínseca, porém, admite algumas raras exceções (cf. cânn. 1141-1150).

Os Privilégios sobre a indissolubilidade: Paulino e Petrino

O Privilégio Paulino (Cf. 1Cor 7, 12-16) é a possibilidade de se romper o Vínculo Natural de um Cristão com um não Cristão. Assim, se a parte não Cristã quiser romper o Vínculo, a parte Cristã fica livre do Vínculo (pode se casar novamente).

O Privilégio Petrino: "O matrimônio válido entre os batizados chama-se só ratificado, se não foi consumado" (Cân 1061 § 1)[3]. Deste modo, um Matrimônio ratificado, mas não consumado é passível de dissolução do Vínculo.

A realização do Sacramento do Matrimônio: consentimento e consumação

Ele se realiza em dois momentos: pelo consentimento do noivo e da noiva e, depois, com o primeiro ato conjugal (consumação (Cân 1061 § 2)).

Consentimento

Cân. 1057 – § 1. "É o consentimento das partes legitimamente manifestado entre pessoas juridicamente hábeis que faz o matrimônio; esse consentimento não pode ser suprido por nenhum poder humano".

§ 2. O consentimento matrimonial é o ato de vontade pelo qual um homem e uma mulher, por aliança irrevogável, se entregam e se recebem mutuamente para constituir matrimônio.

O objeto do consentimento é definido neste cânon como a "entrega mútua" de um homem e uma mulher para constituir o matrimônio. Com se vê, o objeto do consentimento não é uma série de ''atos'', mas a totalidade da pessoa e a sua disponibilidade para uma comunhão de toda a vida.

Ato conjugal

O primeiro ato conjugal é chamado pelo Direito de Consumação (Cãn. 1061).

"O ato conjugal simboliza a entrega total, isto é, a entrega recíproca de duas pessoas na sua totalidade. Os cônjuges se entregam espiritualmente, emocionalmente e corporalmente" (O'REILLY, 2004, p. 4.). A partir do ato conjugal se pode tirar duas conclusões, segundo Colombe:

"a) através do ato sexual (conjugal), o casal pode manifestar e aumentar o próprio amor, a própria união.

b) com sua atividade sexual (conjugal), o casal pode colaborar com Deus no plano da criação, isto é, ter filhos para, depois, educa-los". A vida é transmitida pelo ato conjugal. Ela deve ser respeitada, pois "Do respeito à vida decorre o respeito a todos os demais direitos" (Ives Gandra da Silva Martins).

BIBLIOGRAFIA

A BÍBLIA DE JERUSALÉM: Nova edição, revista. 9. ed. São Paulo: Paulus, 2000.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA: Edição típica vaticana. São Paulo: Loyola, 2000.

CAPPARELLI, Júlio César. Manual sobre o matrimônio no direito canônico. Tradução de: Armando Braio Ara. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 2004.

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO: Edição Revisada e ampliada com a Legislação Complementar da CNBB. Notas, comentários e índice analítico: Jesús Hortal. 5. ed. São Paulo: Loyola, 2005.

COLOMBE, Bernardo. Preparar o casamento. Revisão: José Joaquim Sobral. 12. ed. São Paulo: Paulus, 2002.

LIMA, REGINALDO. Habilitação Matrimonial. Aula introdutória ao curso de Direito Matrimonial [Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília, primeiro semestre de 2010].

MARTINS, Ives Gandra da Silva. Por que a vida humana deve ser respeitada pelo Direito? In: ____ . Vida: o primeiro direito da cidadania. Goiás: Gráfica e Editora Bandeirante, 2005.

O'REILLY, Ailbe Michael. A aliança conjugal no plano de Deus: uma síntese da posição cristã a respeito da paternidade responsável. 3. ed. Goiás: Editora Mariana Eucarística, 2004.



[1] É Diácono (exerce seu ofício diaconal na Igreja Catedral de Formosa); cursou Filosofia e cursa Teologia no Seminário Maior Arquidiocesano de Brasília (SMAB); tem três participações no Concurso Internacional de Filosofia promovido pela "Revista Virtual Antorcha Cultural"; assina mensalmente a coluna "Filosofando" do Jornal "Alô Vicentinos" de Formosa-GO; tem vários artigos publicados em sites e blogs.

[2] Análise do Cân. 1055 § 1.

[3] "Matrimônio "ratificado" ("ratum") já não é qualquer matrimônio de batizados, mas apenas aquele que se realiza "entre" dois batizados. De fato, essa denominação se refere à ratificação do matrimônio pelo sacramento, e a maior parte dos autores se inclina por não considerar sacramento o matrimônio entre um batizado e um não-batizado" (Nota do Cân 1061).