Um cheiro de canja de galinha atravessava da cozinha à sala e dava água na boca de um homem que estava sentado em um belo sofá amarelo, ele assistia em sua TV de 42 polegadas um programa sobre escavações em minas de carvão e aguardava faminto pela janta que sua mulher terminava de preparar. Seu filho brincava no quarto com seus carrinhos, o garoto sempre dizia que queria ser piloto de formula 1 quando crescesse:

- A comida está no prato! - Falou a esposa, colocando cuidadosamente o prato quente sobre uma toalha térmica em cima da mesa de madeira. - Vem querido, vou chamar o Gabriel.

Subiu as escadas de madeira que quando combinada com os passos dos sapatos de sola de borracha, faziam um barulho que alarmava a criança que brincava.

  Bateu na porta enfeitada com um quadro azul de plástico que moldurava uma tela bordada o nome do garoto.

- Vem comer Gabriel, a janta já está pronta!

Vendo que ninguém respondera resolveu abrir a porta e para sua surpresa Gabriel não estava junto ao seus carrinhos espalhados no chão. Porém antes de fazer a segunda chamada, ela viu dois pés calçados de meias vermelhas atrás da cortina azulada com detalhes de estrelas:

- Bom já que o Gabriel não está mais aqui vou apagar a luz e trancar a porta. - Brincou a mãe, que em um ato de desespero, correu o filho indicando que estava alí.

- Vai descendo filho, a comida já esta no prato, a mamãe só vai pegar o cesto de roupas sujas e já desce.

Ao chegar no banheiro de azulejos brancos, recolheu o cesto de roupas sujas e se dirigiu ao quarto do casal que ficava logo ao lado. Em cima da enorme cama de casal estava jogado um jaleco branco de trabalho do seu marido, ao pegar encontrou uma mancha verde perto do sétimo botão de mesma tonalidade do jaleco, abriu o cesto e jogou dentro, antes de sair do quarto apanhou também os óculos e o livro aberto na página 203 de título “Genética Humana Avançada“ que também estavam jogados na cama.

Desceu as escadas novamente indo para a lavanderia, despejou as roupas sujas dentro da máquina de lavar, cuja tampa redonda abria na parte da frente, enquanto em cima a máquina de secar batia algumas roupas. Finalmente chegou e sentou se a mesa, todos começaram a comer:

- Como foi hoje no trabalho querido? - Perguntou enquanto mergulhava a colher prateada na canja.

- Aquele incompetente plagiador do Marcos, mais uma vez roubou minha tese e apresentou a equipe, gostaria de saber como ele conseguiu ter acesso às minhas anotações já que eu guardo elas no armário que só eu tenho acesso!

- Papai, o que é um plagiador? - Perguntou Gabriel como sempre fazia quando se deparava com palavras novas.

- Plagiador Gabriel, é uma pessoa que copia e rouba o trabalho de outra pessoa - Explicou o pai - E eu que estava tão perto da verdade, ele veio, copiou e concluiu minha tese.

- Papai e como você sabe qual é a verdade certa?

- Ora Gabriel, a verdade é uma só. Nós cientistas criamos teorias e quando provamos essas teorias, nos certificamos que ela é a verdadeira e qualquer outra teoria anterior não procederia com a verdade.

- Mas papai, se a verdade é uma só ela sempre esteve ali até mesmo antes de ser provada não é ?

- Sim, isso mesmo!

- Então se a verdade sempre foi verdade, ela estava ali o tempo todo, antes mesmo de você descobri-la. Mas o senhor mesmo não disse que quando achamos algo devemos devolver para o dono?

- Sim mais isso não se aplica a verdade! Ninguém é dono da verdade... – Respondeu o pai enquanto cassava um pedaço de frango dentro do prato.

- Se ninguém é dono da verdade, como é que seu amigo roubou do senhor algo que não lhe pertence?

- Gabriel, escute, ele não roubou a verdade e sim a descoberta da verdade...

- Não pode os dois terem descobertos a verdade juntos? Isso já aconteceu comigo, eu e o Lucas da minha sala, nós dois vimos outro dia uma nota de R$ 2,00 no chão do pátio. Sabe o que nós fizemos? Compramos balas e dividimos em partes iguais. Por que não faz o mesmo com seu amigo?

- Não é bem assim Gabriel, um dia você vai entender...

- Espero não entender papai.

- E por que não?

- Me parece que quando crescemos ficamos mais egoistas.

O pai ao ouvir as palavras do garoto, ficou com o rosto vermelho, parecia que iria explodir. Mas de repente soltou uma alta gargalhada.

- Você tem razão meu filho. Você é muito sábio em não querer entender.

- E o que é sábio papai?

- Sábio é alguem que sabe das coisas.

- Como você pode dizer que sou sábio se eu mesmo disse que não quero entender o egoismo dos adultos. Não sou não sabio porque não sei de nada, talvez essa seja a única coisa que eu sei!

Espantado com o que acabara de ouvir do garoto o pai não falou mais nada.