Contando dinheiro.

O rentismo faz mal ao capitalismo?

Rentismo é usado para quem vive de renda. Nada contra. E quero esclarecer que sou totalmente a favor do lucro e da liberdade de mercado, cada um deve ter liberdade de colocar e fazer o que quiser com seu dinheiro e sua renda. Sou um verdadeiro discípulo da escola austríaca de economia. Minhas críticas devem ser encaradas como reflexão porque tudo em excesso sempre leva a consequências sempre negativas e a virtude estará sempre no meio.

Eu sempre fui um crítico feroz da situação  no Brasil relativa a taxa de juros, spreads bancários e o monopólio do sistema financeiro. Desde os anos 80 quando tivemos a famigerada inflação de 89% ao mês, isso mesmo, não estou errado,  89% ao mês , o rentismo toma força e os lucros financeiros de instituições são exponenciais. Reitero mais uma vez, nada contra o lucro, que deve ser sim crescente, mas é preciso refletir quando ele toma parte e sufoca o setor produtivo e concentra-se acumulando riqueza que não gira a máquina econômica como deveria. No Brasil além dos bancos temos a excessiva carga tributária que chamo de engana: Impostos da Inglaterra e serviços de Gana. Isso e outro grave entrave a produção aqui, mas é tema para outro artigo e não entraremos neste tema aqui.

A minha indignação sempre foi pensando que isso era uma jabuticaba, só existe aqui no Brasil. Minha surpresa foi tamanha quando lendo o livro de Philip Kotler, Capitalismo em Confronto, constato que o problema do rentismo não foi um fenômeno tupiniquim, nos EUA o problema é crescente.

Como já escrevi que o capitalismo precisa de ajustes, dentro de sua própria dinâmica, o rentismo é outro fenômeno que precisa ser olhado com muito cuidado porque ele pode ferir de morte o capitalismo. Na medida em que o setor produtivo que deve girar forte criando emprego e renda passa a ser subjugado e perde força, uma luz amarela está acessa.

Vou tentar fugir de termos muitos técnicos e da crítica à concentração de renda, senso comum de críticos ao capitalismo. Reitero que este artigo é uma reflexão ao que está acontecendo na sociedade moderna.

É óbvio que o consumo é preferencial como combustível na máquina econômica, mas em excesso ele gera problemas como a inflação, o pior imposto que pode existir. O capitalismo não pode prescindir do consumo como alicerce a sua força.

O crédito é outra ferramenta importante na máquina econômica, assim como a poupança que é  base de muitas virtudes macro ou micro econômicas.

Estas variáveis são dinâmicas e podem ser administradas pelos atores públicos, mas não é simples e sempre um caminho pode ser tomado em detrimento de outro gerando problemas. Em excesso e fora de controle  estas variáveis podem fazer mais mal do que bem a saúde econômica e financeira das famílias ou de um país.

No Brasil 42,43% do orçamento público são gastos com juros. O desmanche das contas públicas iniciado na CF de 88 foi o grande responsável. Isso mostra como faltam recursos no capital social básico, com o caótico estado de nossa saúde, educação e infraestrutura, mas enchem a burra do sistema financeiro.

O endividamento das famílias aqui está elevado, em torno de 60%, ou seja, com taxas escorchantes de juros as pessoas pagam dividas e concentram mais recursos no sistema financeiro. Alguém vai dizer, mas o dinheiro foi gasto no consumo de bens, que geraram emprego e renda. Concordo, mas o beneficio e a concentração no sistema financeiro é maior do que o benefício gerado no consumo, aliás estancado quando o endividamento é alto e as taxas de usura são praticadas. Assistimos isso agora no Brasil, fruto de um erro dos governos petistas que exauriram o crédito sem o cuidado necessário.

Quando o endividamento é alto a poupança é baixa. Precisa haver um equilíbrio entre a poupança e o consumo para dar sustentação a maquina econômica.

Alguns dados americanos que retratam bem a situação chamada aqui à reflexão, e que devem ser semelhantes aos nossos, guardadas às proporções.

Nos anos 50 o endividamento era desprezível nos EUA, hoje chegou a 47% do PIB em 1980 e a 77% em 2012. Com certeza o endividamento teve serventia no consumo e na educação com o crédito educativo, mas com as taxas de juros altas houve grande concentração, mais uma vez no sistema financeiro. Se lá existe esta distorção, imagina aqui com as taxas de usura e agiotagem cobradas nos cartões de crédito principalmente.

Outro dado americano que fatalmente pode ser projetado para cá.  Em 1990 nos EUA, os cinco maiores bancos detinham 9,67% dos ativos financeiros e em 2013 detinham 44%. Aqui não foi diferente. Não existe crise para o sistema financeiro. Nos problemas que tivemos aqui com a quebra de alguns bancos foram por briga de sócios, fraudes ou incompetência na gestão.

Em 1947 o sistema financeiro era 2,5% do PIB nos EUA, em 2006 subiu para 8% e mesmo em períodos de crise o sistema financeiro sofre pouco, quando não recebe recursos e ajuda dos atores públicos, muitas vezes corretamente para evitar um mal maior.

O mundo mudou, a tecnologia chegou, profissões foram extintas, outras criadas, equipamentos deixaram de existir e vários se transformam em ferramentas com ganho de produtividade e eficiência na produção. Isso é inquestionável, mas o equilíbrio entre o consumo que é o grande indutor e combustível da máquina econômica não pode ficar a reboque da concentração da renda no sistema financeiro.

Este é o ponto que precisamos encarar.

Na dinâmica e na velocidade com que o mundo se move hoje, as correções de rumo precisam ser rápidas e precisas. Não gosto ou prego intervenção, mas a regulação é um dos papéis que atores públicos têm para intervir e corrigir distorções do mercado. As vezes ela pode e deve ser necessária.

Não vou entrar na crítica isolada que o sistema financeiro é um mal, mas considerando as proporções que vem tomando e sufocando o sistema produtivo e concentrando renda ele pode ser o algoz de sua própria virtude que é gerar lucros, cada vez mais.

O marcado é criativo, existem derivativos, securitização, linhas de créditos saudáveis e isso tudo faz muito bem a economia, é imprescindível que existam para proteção e sustentabilidade do processo. O cuidado é quando isso passa ser um mal para o sistema como um todo.

Não concordo com o discurso da industrialização como panaceia da humanidade ou que a globalização é a raiz de problemas de vários países. A indústria vive sua mudança, com mão de obra mais nobre e produtividade crescente e a globalização é um processo, inexorável. Não há como impedir, mas pode ser administrado por atores públicos desde que não queiram mudar a realidade.

Na medida em que o setor produtivo se concentra no sistema financeiro, a capacidade de mover esta máquina econômica  perde força. Precisamos restabelecer o equilíbrio entre as variáveis macroeconômicas.

Como escrevi no artigo anterior sobre ajustes no capitalismo, chamo a mais esta reflexão. O rentismo em excesso atrapalha o processo capitalista e precisa ser observado e melhorado.

O mundo hoje peca pela falta de profundidade nas discussões. Pela velocidade e volume das informações perdemos  chances de debater as coisas com mais conteúdo e assistimos uma verdadeira briga de torcidas. Cada um falando para seu público sem se preocupar com o contraditório e a dialética.

Sou crítico do sistema financeiro, principalmente pelos absurdos cometidos aqui no Brasil, mas não vou demonizar o que considero fundamental para a harmonia do sistema capitalista, ao mesmo tempo não vou me aquietar. Críticas são saudáveis.

Eu tento fazer minha parte. Como discípulo do liberalismo e da escola austríaca faço o mea culpa para tentar enxergar onde o próprio fruto do sistema que defendo pode fazer mal a ele próprio.