Numa tarde qualquer do final dos anos sessenta, apareceu um senhor vendendo relógios cuco. Bateu palmas no portão e ficamos impressionados com o relógio, principalmente porque ele acionava uma correntinha e o cuco cantava. Minha mãe logo veio para ver o que estava acontecendo e já foi perguntando o preço e negociando com o homem. Negócio feito, o  relógio foi instalado na parede e começou a trabalhar.

Ficamos, eu e meus irmãos e irmãs esperando chegar a primeira meia hora do bichinho cantar. Como pode? Que mágica era aquela? Minha irmã mais velha brincou dizendo  que o passarinho era acordado sempre que dava meia hora ou uma hora inteira. E nós acreditamos.

A primeira semana foi complicada porque todos acordavam quando ele cantava no meio da madrugada. Meu pai chegou a pensar em desliga-lo depois que fossemos deitar, mas minha mãe não concordou e ficou por isso mesmo, afinal as mulheres sempre tem a última palavra.  Aos poucos nos habituamos e nem percebíamos que ele cantava.

E todos os dias meu pai puxava a corrente com os pesos para dar corda. Essa função ele não delegava a ninguém, pois alertava que era perigoso quebrar o relógio por ser muito delicado. Às vezes o relógio travava e era preciso uma operação longa e cuidadosa para repará-lo. Quando isso acontecia, ficávamos curiosos para ver o que acontecia lá dentro.

E aos poucos deixou de ser novidade e o relógio continuou marcando as horas de forma mecânica e autoritária  e cantando em momentos impróprios, como no meio de uma conversa. Mal olhávamos para o relógio, que parecia quebrar de vez em quando para chamar a atenção. Virou uma rotina aquele bichinho saindo de sua casinha avisando as horas.

O tempo correu e pai e mãe partiram para a viagem sem volta. E aí vem a questão: quem vai ficar com o relógio cuco? Uma das minhas irmãs decidiu que ficaria com ele e ninguém contestou. Um por achar que o cuco já estava fora de moda com o seu design meio rococó outro por não querer criar caso por causa de um relógio velho que precisaria de manutenção.

Enfim o relógio cuco, comprado com suaves prestações no longínquo tempo em que os mascates vendiam roupas e outros objetos de porta em porta pelas ruas da cidade, continua cantando as horas, mas exclusivamente para uma das crianças que ouviu o cantar do cuco na casa dos pais. Na época foi uma revolução com relação às horas, marcadas de meia em meia hora, com um canto monótono e repetitivo tornando o tempo mais precioso e lembrando que a vida é breve.

Mas o tempo só passa mesmo para nós, mortais e criadores da cultura do valor do tempo. Time is Money é uma das máximas do capitalismo moderno. Vende-se e compra-se o tempo de trabalho, o tempo de lazer e o tempo de ócio.  O tempo passa, mas não passa. O tempo é relativo e como diz o poeta T.S.Eliot, “O tempo passado e o tempo presente, estão ambos talvez presentes num tempo futuro. E o tempo futuro contido no tempo passado. Se todo tempo é eternamente presente. Todo tempo é irredimível”.